Memórias da vida social sem Internet

por Nina Lemos

Sim, a gente já stalkeava, mas para isso pegava um carro e passava na casa do cara. Como não existia Facebook, anotávamos telefones em papeizinhos que sumiam

Um dia comentei com a minha afilhada, então com cinco anos, que no meu tempo não tinha internet. “E roupa, tinha?”, ela me perguntou, olhos arregalados. Sim, eram roupas horríveis, como a calça semibag, mas tinha. Como acho que a minha afilhada não é a única que não sabe como as coisas eram antes da Internet, resolvi assumir a idade (nunca neguei!) e contar para vocês alguns detalhes de como era a nosssa vida social antes da rede social. Sim, a gente tinha uma vida social.

Como paquerávamos
Ué, do mesmo jeito. A gente ficava olhando para a cara da pessoa esperando que ela viesse falar com a gente. As meninas mais corajosas iam lá e puxavam assunto. Até aí era fácil e não tão diferente do Tinder. O problema era depois. Se ficávamos com o cara ou queríamos manter contato, tínhamos que pedir o telefone. E como não tínhamos celular, anotávamos em um pedaço de papel que podia, do nada, sumir.

E quando ele não ligava
Era a pior coisa do mundo. Se ele tinha pego nosso telefone, passávamos o dia esperando que ele ligassse. Do trabalho, ligávamos para casa para tentar ouvir o recado da secretária eletrônica, o que era uma operação muito complexa e nem sempre funcionava. A parte boa é: se ele não ligava e desaparecia, a gente podia se enganar usando a desculpa de que, claro, ele perdeu o tal papelzinho com o nosso número. Também não tínhamos que lidar com a maldita “mensagem lida e não respondida” do chat do Facebook e do Whatsapp.

Como encontrávamos um paquera se ele não estava no Facebook (porque não existia Facebook)
Conheceu alguém numa festa e não pediu telefone? Bem, você passaria a ir a todas as mostras de cinema (se ele gostasse de cinema), a procurar por ele em multidões, shows de rock e , em cidades grandes, poderia levar meses, sim, MUITOS MESES, para que vocês se encontrassem de novo.

Como stalkeávamos
Sim, já existia stalkemento. Mas, como disse acima, ele era feito a pé ou de ónibus. Amigas também eram avisadas que “estávamos procurando um cara rockabilly de óculos”. Por isso, se viam um, nos ligavam dos lugares do orelhão. Como não podíamos pedir para mandar foto e confirmar se o cara era o cara, colocávamos uma roupa e saíamos de casa para checar. Nossa vida era uma correria sem fim. Deve ser por isso que ninguém fazia academia nos anos 90. 

A passada na porta
Essa era a técnica mais avançada do stalkeamento. Aproveitávamos uma amiga que tinha carro (ei, Claudia Lima) e pedíamos que ela passasse na porta da casa do cara. Ali, claro, se vissemos ele chegando, saíamos corrento. A passada para “ver quem tá” também era muito famosa. A gente saía de casa de carro e passava na frente do nosso bar predileto (Ei, Torre) “só para ver quem tava”. Se quem queríamos, no caso, um pretê, estivesse lá, podíamos até parar e sair do carro. Mas, algumas vezes passávamos de carro umas dez vezes na frente. 

Quem tava?
Quando não íamos a uma festa, assim que a nossa roommate abria a porta a gente pulava da cama e perguntava: “quem tava?”. E ai dela se não desse a lista com todos os detalhes. Sim, acho que a vida ficou mais chata com o Instagram, porque não perguntamos mais quem tava e perdemos esse momento de prova de amizade e amor. Agora, quando alguém vem nos contar o quem tava respondemos: “eu sei, vi no Instagram.” Isso é meio triste.

Não acho que a nossa vida era pior nem melhor, ela era só diferente (um pouco, porque já éramos loucas e maravilhosas). E no proximo capitulo do meu guia de memórias, ele, o BIP.

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