Minha sobrinha perde a chupeta muitas vezes ao dia. Aprendi a apreciar até esses momentos
A chupeta de Mel sumiu. Pela 30ª vez no dia. O sumiço da chupeta de Mel tem o potencial de se transformar em uma catástrofe familiar. Porque Mel tem o temperamento conjugado de duas dúzias de mulheres em TPM, e, por mais que livros e psicólogos recomendem fazer qualquer coisa que não seja parar o mundo para procurar uma chupeta, é exatamente isso o que fazemos quando ela declara: “Não acho minha chupeta”. Ao som das quatro palavras, saem todos a levantar almofadas do sofá, revirar objetos sobre a pia da cozinha e olhar para os cantos da sala. Ninguém quer ouvi-la chorar seu choro agudo e contínuo e lacrimejante pela chupeta – ou por qualquer outra coisa, naturalmente. E, ainda que não possamos passar a vida evitando que Mel chore – porque a vida é feita de alguns choros inadiáveis e que não envolvem chupetas –, enquanto estiver a nosso alcance adiar o choro pela chupeta, é o que faremos.
Acontece que, quando a chupeta de Mel desaparece, eu opto por pegar minha bolsa e me mandar. Como moro a um quarteirão de distância da casa de minha irmã, e entro e saio muitas vezes ao dia, posso fazer isso sem ser notada, e evitar, com a escapada precisa, entregar meus ouvidos àquele pranto ultrassônico. Um pequeno privilégio de ser apenas tia. Ao sair, olho para trás e ainda vejo Mel, com seu paninho inseparável em uma das mãos, a observar a casa se revirando pela chupeta, minha irmã liderando as buscas. Obviamente, já tentaram amarrar a chupeta com um cordão em sua roupa, e já compraram um estoque de chupetas para ter um arsenal de reservas bastante completo, mas a capacidade de Mel de perder todas elas, e muitas vezes ao dia, é superior à soma dos esforços para repô-las.
Sem saída
Nas férias de julho, viajamos para a praia Mel, Bruna – sua irmã dois anos mais velha e que é sempre citada como exemplo porque largou a chupeta voluntariamente numa noite qualquer de quarta-feira –, minha irmã e eu. Apenas as quatro, preparadas para 15 dias de imersão e farra. Empacotadas as chupetas e as roupas, lá fomos nós para longe de casa, longe da rotina e do trabalho. Mas já no avião entendi que, quando a chupeta sumisse, eu não teria para onde correr.
De fato, a capacidade de Mel para perder a chupeta deve ser um recorde mundial, e eu, novata na arte de procurar pelo objeto, resolvi lidar com a situação de um jeito mais maduro e inteligente do que ter que gastar meu tempo de férias à procura do troço, que oferece como prêmio a quem encontrá-lo o direito de ir até a pia mais próxima lavá-lo antes de entregá-lo à proprietária. Na quinta vez que ela perdeu a chupeta, ainda durante a viagem de ida, chamei Mel de lado e disse: “Mel, escuta só, você tem que ser responsável pela chupeta. O interesse em mantê-la ao alcance das suas mãozinhas é seu, por isso, ou você amarra ela na roupa ou, quando não quiser mais, coloca sempre no mesmo lugar na bolsa de sua mãe. Ficou claro?”. Fiz a declaração e pensei que havia pelo menos um ser superior na família, e ele era eu. Chamar a menina e conferir a ela a responsabilidade sobre a chupeta era uma solução genial, e me espantava que isso não tivesse sido feito antes. Como Mel me olhava sem dizer nada, era evidente que tinha entendido o recado. Não se passaram 40 minutos para que ela perdesse outra vez a chupeta e para que minha irmã me olhasse e dissesse: “Esse seu discurso, quantas vezes você acha que eu já tentei?”. Bem-vinda ao mundo das crianças das quais você não pode se esconder.
Memorável
Já ao final da primeira semana das férias, minha paciência para o sumiço da chupeta havia se esgotado. Ela anunciava que tinha perdido e eu fingia não ter escutado, ou dizia: “Ah, agora vai ficar sem”. Mas minha irmã, a 20ª encarnação de um buda aposentado, continuava a dizer com doçura na voz enquanto encostava o carro para procurar uma chupeta no meio de dez sacolas de compras no porta-malas: “Mel, meu amor, não dá mais para ficar perdendo a chupeta. Por favor, guarde ela com você, prenda na roupa, preste atenção, ajuda a gente a ajudar você”. Eu, imóvel, não conseguia acreditar que, outra vez, estávamos parados procurando pela droga da chupeta.
Acontece que, entre uma perda e outra da chupeta, tem as brincadeiras de Mel, as danças de Mel, a cantoria de Mel, as piadas que Mel conta e só Mel entende, as músicas que Mel compõe, Mel dançando na sala a coreografia que a tia ensinou para “Aqui tem um bando de loucos” e “Poropopó”, o teatrinho de Mel com os bichinhos de pelúcia, o leitinho que Mel pede meladamente quando está indo deitar, e o abraço que Mel dá antes de dormir.
E foi lá pelo décimo dia das férias que eu entendi que sumir de perto quando a chupeta desaparece é também abrir mão de ver Mel, com esse seu jeito maloqueiramente doce, passar pelos primeiros anos da infância. E aprendi com Mel que tentar escapar quando a coisa começa a ficar feia é perder o que vem depois – e que é, quase sempre, e chupetas fora, memorável.
A carioca Milly Lacombe, 45 anos, já exercitou sua paixão pelo futebol no SporTV e na Record, como comentarista esportiva. Também já colaborou com diversas revistas e com o portal Terra, mas gosta mesmo é de escrever livros em seu apartamento em São Paulo, onde mora com duas cadelas e uma gata. Seu e-mail: millylacombe@gmail.com