Herdeira do maior banco do país, a socióloga e ativista se posiciona na política
Atenção: A entrevista a seguir foi realizada antes do acidente aéreo de Eduardo Campos.
Maria Alice Setubal é herdeira do banco Itaú, mas recusa todo e qualquer título que a encaixe na alta-roda. Neca, como é chamada, é Socióloga e, hoje, uma das principais parceiras de Marina Silva. Em entrevista à Tpm, ela garante: “Consigo estar bem na minha casa, tomando um café com a dona Maria em São Miguel Paulista ou conversando com um intelectual”
Maria Alice Setubal tinha tudo para ser uma dondoca alienada. Herdeira de uma das famílias mais ricas do Brasil, poderia se dar ao luxo de limitar a vida à high society, na bolha da alta-roda. Mas escolheu outro caminho. Participante ativa da vida política do país, formou-se em ciências sociais no meio dos comunistas em plena ditadura militar e conhece a realidade social e educacional do Brasil como poucos.
Neca, como é conhecida, entrou intensamente na política em 2009, quando se aproximou de Marina Silva, participou da primeira campanha presidencial da ex-senadora e a ajudou a construir um novo partido, o Rede Sustentabilidade. Hoje, Neca é uma das responsáveis pelo desenho do programa de governo do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que tem o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos como candidato e Marina como sua vice. Neca e Marina são tão opostas quanto complementares, um tipo de avesso perfeito. Uma, evangélica, nascida em família de seringueiros, de origem pobre, vinda do Acre. A outra é a favor da legalização do aborto, filha de um grande banqueiro e oriunda da capital paulista.
Única mulher entre os sete filhos de Olavo e Tide (alcunha de Mathilde) Setubal, Maria Alice sempre teve que se impor. Rejeitou o apelido de Boneca (virou Neca), que remetia à imagem frágil da princesinha, resistiu aos apelos maternos para que usasse roupas de menininha, fez mestrado e doutorado e se tornou uma mulher importante no cenário em que atua: é reconhecida por sua experiência na área da educação e entrou para o limitado rol de mulheres que encaram a política de peito aberto. Tudo isso sem deixar de ser elegante, feminina e de manter os olhos e os ouvidos abertos para as demandas de uma sociedade desigual.
Aos 63 anos, com três filhos e dois netos, acumula as funções de mãe, avó e esposa pela segunda vez. Identifica-se com a figura materna, de quem guardou o requinte e a aptidão pelo combate às injustiças sociais. Herdou do pai, Olavo, o gosto pelo debate qualificado e pela vida intelectual. Ex-prefeito da capital paulista (1975-1979) e ex-ministro das Relações Exteriores (1985-1986), ele foi fundador do banco Itaú e de outras empresas importantes. Com esse contexto familiar, foi uma surpresa o caminho enveredado pela filha: detesta o selo de socialite, nunca aplicou botox e, apesar de não torcer o nariz para a elite econômica, deixa claro que esse não é o seu círculo.
Neca concedeu esta entrevista na sala de seu apartamento em São Paulo, rodeado por uma grande varanda, decorado com obras de arte brasileiras, fotos de família e objetos trazidos de suas andanças pelo mundo. Na sala de jantar, uma mesa de oito lugares para os adultos e um cadeirão para os netos mostram um cotidiano de uma família comum – não fosse ela parte de uma das maiores fortunas do país.
Tpm. Você já sentiu culpa por transitar entre dois mundos social e economicamente opostos?
Maria Alice Setubal. Muita! Por muito tempo. Fiz bastante análise para poder superar essa culpa. Ter superado isso me dá a tranquilidade para sentar, conversar, ouvir desgraça ou não, sem culpa.
Você ainda faz terapia? Parei há três anos. Mas foi fundamental. Comecei antes de casar, com uns 21 anos. É onde resolvo todas as minhas questões, é onde dou saltos emocionais e interiores.
Vivendo entre dois extremos econômicos e sociais, como são suas escolhas para passar valores para os seus filhos? Eu falo muito para eles que o que faz diferença são os valores. Porque, sim, a gente vive numa família privilegiada, que tem destaque social e financeiro, mas é fundamental ter o valor da ética, a capacidade de ouvir o outro, a capacidade de compartilhar. Eu acredito nisso e sempre falo pra eles. Não é algo da boca para fora. Sei que minha maior riqueza é ter essa capacidade de diversidade. Consigo estar bem na minha casa e estar bem em São Miguel Paulista [bairro da periferia da capital paulista]. Sou capaz de entrar naquelas casas, de sentar, conversar, tomar um café me sentindo bem. Não me sinto culpada, nem mais nem menos, nem incomodada. Ao mesmo tempo, posso estar com um cara intelectual, como o Eduardo Campos. Isso foi algo que construí por ter rompido os mundos, ter saído daquele mundinho. Acho que isso é a minha maior riqueza. E eu passo isso pros meus filhos. Não ficar em um gueto, porque isso não leva a nada.
Você é a única mulher entre os sete irmãos e seu apelido era Boneca. Como você conseguiu se desprender do molde de princesa diante de tantas figuras masculinas? Desde adolescente eu me rebelei contra esse apelido de Boneca. Eu morria de vergonha. Graças ao Paulo [irmão mais velho], a quem agradeço sempre, meu apelido virou Neca. Mas sempre me rebelei contra esse estereótipo. Minha mãe era ligada às artes, supersensível, adorava música e pintura, fez faculdade e era uma pessoa aberta, mas ela tinha esse outro lado, me enchia de coisas, especificamente de roupas, queria me vestir como uma boneca. Ela vinha de noite, escondida, no meu quarto e deixava uns presentes. Ela não se continha. Mas eu me rebelava, para tristeza dela. Eu não usava maquiagem, vestia calça jeans, fazia ciências sociais. Quando ela faleceu eu tinha 26 anos. Uns dez anos depois, eu comecei a ficar mais vaidosa e as amigas dela diziam que minha mãe adoraria me ver.
Você acha importante a sua atuação enquanto uma mulher forte e poderosa em um país com características tão machistas? Acho que é muito importante. Na área da educação, só tem mulheres trabalhando. Mas é engraçado porque os secretários, em geral, são todos homens, assim como os ministros. Na hora de assumir o poder é o homem que aparece. Isso reflete o grande machismo do Brasil. Na política não tem mulher. Não sei dizer a razão porque não refleti sobre isso, mas as mulheres não querem. É difícil e dá até pra entender o porquê. O jogo do poder é muito difícil. Você tem que ficar o tempo todo esgrimando com o outro que quer te passar para trás, que quer pegar o seu lugar, que te desqualifica porque você é mulher. Aí, acho que a mulher desiste. Estou simplificando, mas acho que passa um pouco por aí. As mulheres preferem trabalhar sem disputa de poder.
E o fato de termos uma presidente mulher? Nossa presidente tem um perfil com características masculinas. Ela não traz uma síntese do feminino com o masculino. Acho que a Marina traz o feminino, esse acolhimento, essa capacidade de escuta, esse cuidado junto com uma assertividade muito forte da luta dela. A Dilma reproduz um modelo masculino.
E sua mãe, como ela era? Era uma mulher submissa? Ela não era nada submissa. Era até difícil pra o meu pai lidar com essa característica. Ele achava graça dela, mas não era uma questão fácil. A imagem que eu tenho é que, quando ele era prefeito de São Paulo, ela gostava de estar junto, de chamar para trabalhar, ir a eventos e conversar com as pessoas, não de forma política, mas porque ela gostava.
Seu pai se incomodava de conviver com essa filha rebelde? Era contraditório. Ele brincava dizendo que os homens eram melhores e que as mulheres deveriam ficar em casa, mas sei que a brincadeira tinha um fundo de verdade. Ao mesmo tempo, ele incentivava e valorizava muito a afirmação das mulheres. Acho que foi isso que me levou à emancipação: ser reconhecida por meu pai como uma pessoa que tinha seu jeito de ser, que se afirmava, que tinha uma carreira, uma trajetória. Apesar de ter ganhado dele o apelido de Boneca, ele não me tratava como tal. Sempre me admirou muito, achava o máximo dizer que tinha uma filha intelectual, socióloga, como costumava me apresentar. Ele reforçou e incentivou que eu estivesse na USP, na época um antro de comunistas. Já o Paulo, meu irmão, ficava horrorizado que eu ia estudar ciências sociais na USP.
E de onde veio esse seu lado de trabalhar com conquista de direitos, de cidadania? Eu fui fazer o ginásio no colégio Nossa Senhora do Morumbi. Na época era uma escola experimental, superprogressista. A gente ficava o dia inteiro e eu fui da primeira turma. Então isso foi muito forte na minha formação. Ali eu fui cunhada nessa coisa do social porque as freiras eram absolutamente modernas. A maioria seguiu a Teologia da Libertação [movimento que interpreta os ensinamentos cristãos do ponto de vista das injustiças econômicas, políticas e sociais]. A gente fazia trabalho social em Ubatuba, participava de palestras nessa direção, lia Guimarães Rosa, enfim, tive uma formação privilegiada.
Você não vivia numa redoma? Não. Nunca vivi numa redoma. E isso desde muito cedo. Depois, foi o que me levou a fazer ciências sociais e mergulhar na questão dos direitos, do social.
Nesse contexto, qual a figura feminina que mais te inspira? Hoje, e isso é uma compreensão mais recente, eu diria que minha mãe. Mas não no contexto profissional. Eu tinha muitas diferenças com ela, mas, depois que me casei, a gente teve uma relação maravilhosa, que não durou muito tempo porque ela faleceu quatro ou cinco anos depois. Meu pai sempre foi uma figura forte e que ocupou muito espaço. Então, eu só fui redescobrir minha mãe no Natal de 2004, quando muita gente veio me falar dela. Ali, eu pensei: “Todo mundo fala tanto da mamãe e meus filhos não conhecem nada da avó”. Fui buscar suas cartas, seus diáios e fiz um livro sobre ela. Foi a minha maior terapia. Ela criou um programa social na zona leste da cidade. Enquanto isso, eu fazia ciências sociais na USP e achava o que ela fazia uma bobagem. Quando fui ver os discursos dela, me impressionei com sua visão aberta e progressista sobre comunidade, desenvolvimento humano, políticas públicas. Com a Fundação Tide Setubal, fomos
reviver isso e resolvi minha relação com ela. Isso mexeu comigo. Compreendi que minha mãe me trouxe mais o lado leve, artístico, feminino, do que eu imaginava.
"Meu pai achava o máximo dizer que tinha uma filha intelectual, socióloga, como costumava me apresentar"
Como você lida com a morte? Não sei... Minha mãe morreu uns 20 dias depois que minha filha nasceu, foi horrível. Meu pai já era uma morte anunciada, mas também foi difícil, ele era aquela figura forte. E tem essa questão de que, depois da morte dos pais, você passa a ser pessoa mais velha da família...
Você acredita que exista outra vida? Tenho dúvidas. Nem desacredito, nem acredito. Sou católica, mas não vou à missa, como alguns de meus irmãos, que são católicos praticantes. Mas rezo todos os dias de manhã, tenho no meu quarto vários santinhos em uma prateleira. Agora, acreditar em outra vida... Às vezes acho que sim, às vezes acho que não.
Vamos nos remeter ao lado feminino. Você se casou duas vezes. O primeiro matrimônio foi com o empresário Rui Souza e Silva e durou 22 anos. Como foi se separar, aos olhos da família e da sociedade? Acho que foi difícil porque ninguém entendia muito. Perguntavam: “Como? Por quê?”. O Rui é muito ligado na minha família. Ele era um filho pro meu pai. E também é amigo dos meus irmãos. Então, ninguém entendia.
Como você lidou com a solidão? Faz cinco anos desde a última vez em que fiquei sozinha. Não acho que seja uma coisa boa, mas não tenho pânico.
Quando o Paulo Almeida Prado, seu atual marido, apareceu, você esperava viver um novo amor? Não. Já tinha vivido outros relacionamentos, mas nada que eu quisesse tornar público. O Paulo foi uma grande paixão, sem dúvida. Completamente inesperada. Eu brincava que, se levantasse dez qualidades que eu gostaria que um homem tivesse, ele não teria nenhuma delas! É essa coisa bem de paixão, que não é racional.
Como você encara o envelhecimento? Na verdade é engraçado porque minha mãe tinha horror a envelhecer. Ela nunca contava a idade para ninguém. Eu nunca tive isso, até fazer 60 anos. Com 59 eu fiquei mal porque ia fazer 60. Mas então resolvi fazer uma festa e reverter esse incômodo. Foi ótimo! E hoje é tranquilo.
Mas o que você faz para a beleza? Ah, nada. Faço limpeza de pele. Mas é isso. Não uso botox, nem pensar.
Você se consideraria uma socialite? Não. Detesto. Eu tenho horror quando me colocam esse selo, porque acho que não sou, não frequento, diferente de vários dos meus irmãos, não conheço esse mundo. Mas se vou ao aniversário de um deles, por exemplo, eu converso com todas as pessoas, está tudo ótimo.
Todos os seus irmãos, menos você e o José Luiz, que é médico, passaram pelos negócios da família. Isso não foi uma imposição para você? Não. Nunca foi. Apesar de o meu pai sempre ter sido uma referência forte, não era seu desejo que todos entrassem nos negócios. Tanto é que ele sempre me incentivou a seguir pelo caminho acadêmico.
"O jogo do poder é muito difícil. Tem que ficar o tempo todo esgrimando com o outro que quer te passar para trás"
Seu pai foi uma pessoa poderosa. Um dos pontos principais é a passagem pelo governo Sarney e esse estreitamento de relações entre os países do Cone Sul da América Latina. Você reconhece em si mesma essa característica de fazer mediação? Engraçado você falar disso. Eu nunca pensei, mas, sem dúvida, ele era uma pessoa muito aberta e se autodenominava um liberal. Tinha essa capacidade de aceitar e respeitar opiniões diferentes. Nesse sentido, sim, reconheço essa característica em mim. Mas ele não era aquela pessoa que sentava ao lado para escutar. Alguns dizem que sou superparecida com ele. E nessa coisa do trabalho, da persistência, somos parecidos, sim. Também na gestão, na organização, de ser uma pessoa que consegue sair das ideias e implementá-las. Mas somos opostos. Ele foi banqueiro, eu trabalho com questões sociais, direitos humanos.
No momento, você está coordenando o programa de governo do candidato à presidência Eduardo Campos (PSB). A primeira experiência com a Marina concorrendo à presidência pelo PV em 2010 não foi frustrante? Não, ao contrário, gostei muito. Foi ótimo. Primeiro porque eu já estava em um grupo em que conhecia muita gente. Tive uma identidade muito forte com a Marina. Ficamos muito próximas por conta dela ser ligada à identidade, à mulher. Era uma campanha muito menor, café com leite, muito mais fácil. Tivemos algumas dificuldades, mas, se comparada à de hoje, é diferente.
Você já conhecia a Marina? Não. Conheci a Marina em 2009, já em função desse grupo que começou com o Movimento Brasil Sustentável, que desembocou na candidatura dela. Sabia de sua trajetória como ministra [do Meio Ambiente entre 2003 e 2008], já tinha ouvido ela falar e fiquei muito impressionada quando a vi pessoalmente.
"Ficamos muito próximas por conta dessa coisa de a Marina ser ligada à identidade, à mulher"
E o político Eduardo Campos, governador de Pernambuco entre 2007 e 2014? Qual a sua opinião sobre ele? Eu gosto muito dele. Fui conhecendo aos poucos. É uma pessoa rápida, muito inteligente, que tem a capacidade de ouvir, o que não é fácil nos políticos. Ele consegue ouvir e transformar naquilo que faz sentido para ele, em uma ideia. Além disso, a convivência com ele é muito gostosa, ele é engraçadíssimo, faz você chorar de rir. Também me identifico com as causas que ele defende, as causas sociais, a questão dos direitos. Ele tem isso muito forte.
Mas ele representa uma maneira “antiga”, mais tradicional, de fazer política, não? Isso não vai contra a proposta da Rede? O Eduardo tem uma trajetória de compromisso com os setores mais pobres do país e, no seu segundo governo, realizou um programa ambiental de referência. É um político progressista, moderno. Ele tem diferenças com a Rede, verdade, mas nada que seja inconsistente com nossa aliança programática.
Como o seu entorno social percebe a sua participação nas campanhas políticas? O que eu mais ouço é “como você é corajosa”, “parabéns, você está certa”. E a segunda coisa que mais ouço é “e aí, seu irmão não fala nada?” [risos]. E eu respondo: “Não, ele me respeita”. Fomos criados para nos respeitarmos e respeitar as diferenças.
Você aceitaria um cargo público? Não sei. Acho que depende do contexto, do cargo. Pode ser que sim, mas isso é uma questão distante.
Qual a sua posição pessoal em relação à legalização do aborto? Sou a favor da legalização do aborto. Eu sei que a campanha é contra, os candidatos, Eduardo e Marina, são contra, eles querem seguir com a lei que já existe.
E em relação à legalização das drogas? Não sei. Não tenho uma posição definida. Acho muito complexo... Não tenho essa posição como, por exemplo, o Fernando Henrique, mais avançada. Talvez seja até por falta de conhecimento. Essa nunca foi uma questão em que eu mergulhei, acho complexo, realmente não tenho uma posição.
A campanha vai abordar esse tema? A campanha é contra a descriminalização da maconha. Essa é uma posição pessoal dos candidatos. Não sei nem te explicar o porquê. O programa tem que refletir os candidatos.
Você acha que o Brasil é um país racista? Sim.
Como a gente pode enfrentar o racismo? Já estamos enfrentando. No programa, por exemplo, a gente se coloca a favor das cotas por um período de tempo para recuperar, uma ação afirmativa com tempo de expiração, não é para sempre. É uma reparação. Na educação, todos os indicadores são absolutamente fortes, a população negra tem baixa escolaridade, os piores indicadores. Acho que temos um movimento negro forte no Brasil. Temos na questão da educação um processo de recuperação da história da África, parece uma coisa distante, mas acho que deixa a identidade mais próxima. Na questão da cultura, principalmente durante a gestão de Gilberto Gil, houve bastante apoio a grupos tradicionais. Então acho que o país caminha para políticas de combate ao preconceito e de superação desse racismo. Mas ainda tem um caminho.
Você tem medo da violência? Tenho, mas não sou apavorada. Eu ando a pé, menos do que eu gostaria, mas eu ando. Ando sozinha pelo bairro. Tem gente que não dá dois passos. Sai de uma garagem para entrar em outra. Eu não faço parte desse grupo, dirijo também. Mas só volto à noite sozinha guiando se for uma coisa muito perto, onde conheço bem os caminhos. Costumo pegar táxi tranquilamente. Ando em carro blindado por uma exigência de família, mas não tenho seguranças.
Essas manifestações de junho de 2013, como você as enxerga depois de um ano? Acho que é um marco no Brasil recente. As manifestações de junho fizeram o Brasil se dar conta de que existe uma população jovem insatisfeita que tem voz e a internet potencializou e possibilitou esses grandes encontros. Possibilitou também os Black Blocs e rolezinhos. Aliás, o preconceito da sociedade ficou muito estampado na dificuldade de aceitar que aqueles meninos pudessem entrar no shopping JK. Eu acompanho a Marina há muito tempo, se você pegar as falas dela anteriores a junho de 2013, verá que já vinha recorrentemente falando no que ela chamava de bordas: que as bordas iam chegar no centro. Ela chamava isso de um ativismo autoral, no qual as pessoas não queriam mais ser mandadas pelos sindicatos, pelas ONGs, pelas empresas, mas queriam ter sua voz, sua autoria. Estavam nas bordas, mas chegariam no centro. Acho que por isso ela se conecta muito com os jovens. E não é que a Marina tenha sido visionária, mas era o que estava acontecendo no mundo, na Espanha, o início da Primavera Árabe. Minha expectativa é que Eduardo e Marina consigam captar essa insatisfação, e eles têm tudo para isso. Principalmente a Marina. Eduardo faz uma transição com a política mais tradicional, mas eu acho que isso também é importante. Ele tem esse diálogo que pode trazer junto. Mas ele é muito desconhecido. Então, não sei se poderá captar esse desejo de mudança, essa forte demanda por uma nova forma de política com serviços públicos de qualidade.
O que você pensa sobre a repressão policial? Sou absolutamente contra os Black Blocs. Não o Black Bloc em si, mas ser Black Bloc implica numa atitude violenta em relação ao patrimônio, faz parte da ideologia deles. Sou contra. Acho que não tem que destruir o patrimônio público nem o privado. Mas a repressão feita pelo governo Alckmin [em São Paulo] também não faz sentido. Então, sou contra também.
Os Black Blocs depredam principalmente bancos. Sua reprovação tem a ver com isso? Sou contra qualquer depredação de patrimônio público ou privado. Não tem nada a ver com bancos.
Como você percebe a elite brasileira? Ela está afastada das mazelas sociais? No mundo de hoje é difícil rotular a elite branca, por exemplo. Porque isso não corresponde à realidade. Você tem uma elite intelectual, uma elite sindical, uma elite acadêmica, uma elite econômica, uma elite política. Não dá pra pensar “a elite brasileira é atrasada”, porque estamos falando de várias elites diferentes. Mas acho que tem uma parte dessa elite que é mesmo muito distante da realidade brasileira. São mais conectados com Miami, Nova York, Paris, e pouco conectados com a nossa realidade, sem dúvida. Acho que isso precisa mudar. Toda a minha história tem essa dicotomia entre minha origem e meu trabalho – é uma dicotomia mesmo. Mas sempre lido com o foco do enfrentamento da desigualdade social. Enfrentar as desigualdades sociais é uma questão fundamental para o Brasil hoje. Uma sociedade com menos violência é boa para todo o mundo. Muitas pessoas, e grande parte dessa elite, não têm essa visão, a consciência da importância disso.
"Tenho horror quando me colocam esse selo de socialite"
O que você pensa de taxar grandes fortunas, como acontece nos EUA? Posso dizer isso pessoalmente. Isso não está na campanha. É importante. Eu sou a favor da taxação de grandes fortunas. Não adianta apenas isso para enfrentar a desigualdade social. Mas tem um simbolismo de mostrar a direção de um governo, por exemplo.
O poder corrompe? A primeira reação é dizer sim. Mas acho que o certo é dizer que ele tem alto potencial de corromper.
Quem manda no país hoje? Acho que são os políticos e uma parcela do empresariado que tem muito poder também. Temos um país onde o Estado ainda é muito privatizado. Você tem interesses privados influenciando demais no Estado. Quem manda no país hoje ainda é uma categoria de políticos e uma elite financeira que tem influência no poder.