por Redação
Tpm #68

A saga continua em Buenos Aires. Agora, Leonor vai até La Bombonera e veste sua camisa do corinthians

Diário de viagem – terça-feira

Dia de conhecer o bairro de La Boca é dia de colocar a camiseta do Coringão. No caminho, reparei que não há grandes supermercados em Buenos Aires (depois vi uns Carrefour), e as pessoas compram comida nas mercearias, nos mercados de bairro e nas quitandas.

La Boca é um dos lugares mais legais de Buenos Aires, com toda a certeza. Bairro antigo, pobre e decadente na beira do porto. Sua formação foi feita com a vinda de imigrantes italianos, que construíam suas casas com o zinco e a madeira retirados dos navios.

Algumas das mais antigas casas foram pintadas de cores diferentes e se transformaram no Caminito, um lugar onde pintores vendem suas produções e há lojinhas de bugigangas para turistas. Caras.

O lugar respira tango e futebol. Conhecemos uma tangueria e depois fizemos uma visita em La Bombonera e no museu do Boca Juniors. Também na loja oficial do Boca, que é extremamente cara. Vale mais a pena comprar nas que ficam bem em frente ao estádio e também vendem produtos oficiais.

Nas paredes do museu, todos os jogadores que já passaram pela equipe têm seu retratinho pendurado. O Tevez está lá, mais feio do que bater na mãe por causa de mistura. Para Maradona, há uma sala enorme onde são exibidos seus gols e suas partidas. Gênio. Dios. É como é tratado pelos argentinos, principalmente pelos torcedores do Boca.

No passeio pelo estádio, fomos guiados por um torcedor apaixonado pelo clube. Ele perguntou de onde cada um de nós vinha, e havia pessoas do Peru, da Colômbia, de outros lugares da Argentina e do Brasil. Os colombianos eram torcedores do Cúcuta, que tinham ido para Buenos Aires assistir à partida da semifinal da Libertadores contra o Boca na quinta-feira.

A Bombonera tem uma arquitetura incrível. Todas as arquibancadas são íngremes e “jogam” os torcedores para baixo. Daí, explica-se a avalanche, comemoração feita pelos xeneizes (torcedores do Boca) na hora do gol. O estádio é dividido em três anéis. Atrás do gol estão as arquibancadas, onde fica a famosa La 12, hínchada do clube. É o equivalente às nossas torcidas organizadas.

– A La 12 tem um papel fundamental durante o jogo. Além de cantar os 90 minutos incentivando o time, sua arquibancada está em cima do vestiário do visitante e do vestiário do trio de arbitragem.
Pressão? A La 12 por lá é bem respeitada. Existe o mesmo dilema que aqui, de vândalos infiltrados na torcida (lá chamados de barra brava), mas ela é vista como peça-chave e não como problema.

Com a visão para o meio do campo, estão os camarotes. São alugados por dois anos por empresários dispostos a pagar preços altíssimos pelos melhores lugares do estádio. O único que tem um camarote perpétuo é Maradona. O que fica bem em frente à linha que divide os dois lados do gramado.

O vestiário dos jogadores é tosco. Dieguito é realmente um gênio, porque se eu tomasse banho naquele chuveiro não conseguiria nem levantar da cama.

Saímos felizes do estádio, mesmo com a notícia de que não havia mais entradas para o jogo de quinta, que estava nos nossos planos. Acontece que ingressos de arquibancada são só para os sócios do clube. Sim, os torcedores organizados são todos sócios do clube. É mesmo o mundo ideal.

********** 
Fomos procurar um restaurante pelo Caminito. Ouvi uma voz de criança atrás de mim dizendo: “Corinthians!” com um sotaque bem carregado. Foi assim que conheci o Franco. Tem 10 anos e vendia uns ímãs de geladeiras horrorosos.

– Compra?
– No, gracias.
– Então me compra uma camisa do Boca?
– És loco???
– Então me dá uma nota de dinheiro brasileiro.

Nem isso eu tinha. Aí o Franco não largou do nosso pé e nos acompanhou até o restaurante. Depois foi embora.

Pedimos um litro de Quilmes e carne, carne e mais carne. Tinha um tango ao vivo com dois violonistas muito talentosos, e um casal simpático tirava as pessoas para dançar. Aí o tangueiro me descobriu e sussurrou no meu ouvido:

– Você vai dançar comigo.
– És loco?
Talvez tenha sido a coisa que eu mais disse em toda a viagem.
– Vai dançar e é a minha última palavra.
O Daniel sorriu sem graça e eu concordei na mesma hora, porque desconheço os costumes daquele lugar. Eu já não tinha tido uma boa experiência por rejeitar um cartãozinho. Então danei a beber, porque já que eu teria de dançar não faria isso sóbria de maneira nenhuma.
Aí chegou o Franco acompanhado de um amigo, o Matia, com 10 anos também.

– Posso fazer uma caricatura sua?
– No, gracias.
– São 5 pesos.
– No, gracias.
– Mas com um rosto tão bonito assim você não quer uma caricatura?

O Matia tem um xaveco tão bom que vai conseguir o que quiser na vida. Eu comprei a tal caricatura. Era um desenho de uma criança de 10 anos, não mais do que isso. Mas talvez tenha sido um dos dinheiros mais bem gastos na viagem. Papo divertido, enquanto Franco comia minhas papas (as batatas de lá são as melhores do mundo – peça porção de papas españolas) com uma cara de quem nunca tinha visto ketchup antes.

Pedimos a conta e nada do tango. Aí as garrafas de cerveja fizeram efeito e eu precisei ir ao banheiro. Aproveitei que o casal dançava, passei pelo lado e o cara me puxou para dançar.

Vergüenza.

Mas para quem tomou um tombo no meio da praça do Congresso, isso era fichinha (a seguir, nos próximos posts).

Dim terim bebins saímos do restaurante a caminhar pelo lado errado do bairro de La Boca. E chegamos à zona portuária. Na beira de um esgoto um homem fazia a travessia em uma canoa das pessoas que queriam chegar ao outro lado. Inspirado pelos três litros de cerveja, Daniel pegou minha mão, me olhou romanticamente como se estivesse prestes a pisar em uma gôndola de Veneza e disse:

– Vamos?

Quase com um dos pés naquele pedaço de tábua, meu namorado resolveu perguntar para o moço quanto era.

– 50 centavos – o homem respondeu com uma cara de “que caraleo são esses loucos?”.

“50 centavos para andar de barco?”, pensou o Daniel. Era uma oportunidade e tanto.

– Vamos!
– Espera, mas vocês conhecem lá do outro lado? – perguntou o gondoleiro.
– N-não… o que tem lá? – preocupou-se o Daniel, em um momento de lucidez.
– És muy peligroso!

Então resolvemos ir a pé mesmo. E, “Claro!”, nos perdemos por mais de uma hora. As ruas foram ficando mais pobres, as cantinas tradicionais falidas de portas fechadas, as pessoas com caras sofridas. E, de tempos em tempos, eu ouvia um “CORINTHIANS!”, que me fazia sentir completamente em casa. Maloqueiro que é maloqueiro sempre se reconhece, em qualquer parte do mundo. Adorei La Boca.

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De noite fui conhecer Puerto Madero. É do outro lado de La Boca e era uma região tão degradada quanto, mas foi totalmente revitalizada e se transformou em um dos metros quadrados mais caros de Buenos Aires. Tanto para morar quanto para comer.

É bonito para conhecer, é bom para namorar, é delicioso para jantar, mas não é um lugar que faz muito a minha cabeça. O paraíso dos novos ricos.

Entramos no La Caballeriza, um restaurante que também existe aqui nos Jardins, em São Paulo, e é decorado como se fosse um estábulo. Me senti uma égua quando fui fazer xixi na cocheira.

Pedi uma maminha e uma batata assada. O Daniel pediu uma porção de rins de bezerro. Escolhemos um bom vinho e eu apelidei o garçom que nos atendia de Riquelme, mas não que tivesse alguma coisa a ver.

– Chama o Riquelme, amor. Vamos pedir a conta.

Aí veio o garçom, loirinho, cara de criança, olhos azuis:

– Amigo, alguém já disse que você é muito parecido com o Riquelme? – perguntou o Daniel para o rapazinho, de maneira bastante convicta.
ÃHM??????
O garçom olhou para o Dani como se ele fosse um E.T., que procurou consolo em mim, mas eu olhava meu namorado como se ele fosse o Tevez.

– Daniel, o cara não tem NADA a ver com o Riquelme.
– Como assim, Leonor? Você chamou o cara a noite inteira de Riquelme!
– Mas era só um apelido.
– Estou humilhado, vamos embora.

E fomos, porque no dia seguinte a gente ia passear na Recoleta.


 
Diário de viagem – quarta-feira

– Vamos a Recoleta hoje?
– Sim, mas não coloque nada do Corinthians. Lá é bem chique.

Não entendi muito bem o que o Daniel quis dizer com isso, mas vesti uma blusa mais decotada porque o calor era um pouco maior. Devia estar uns 8 graus. Como íamos ao centro antes, o Dani quis fazer a barba para o caso de encontrar com o pintor assassino, mas eu não deixei:

– Te defendo, amor… Te defendo.

Ao que me parece os argentinos não estão acostumados com um peito de mulher. Até os menores devem mamar de olhos fechados. Da criancinha ao mais velhinho, todos olhavam espantados para o meu decote. Alguns tropeçavam, outros cutucavam o amigo, outros batiam os automóveis. E, apesar de fazer uma massagem no ego, tenho certeza de que a coisa não era só comigo. Poderia ser qualquer uma com una pechuga grande ou chica dentro de uma blusa mais decotada. Sucesso absoluto.

Quando a fome bateu, decidimos achar um lugar para comer empanada, que é o prato mais barato deles. Em média, elas custam 1,80 peso e são bem grandes. Três são suficientes para manter o estômago cheio pela tarde toda. Outra coisa é que são vendidas em quatro sabores básicos: jamón y queso (presunto e queijo), cebolla y queso (cebola e queijo), carne (carne) e pollo (frango).

O restaurante era meio sujo, e as empanadas deviam estar prontas há alguns anos. Pedi duas de cebola e queijo porque pensei que cebola é algo que demora mais tempo para apodrecer. O Daniel uma vez comprou uma réstia e deixou na parede de sua casa por uns oito meses. Aí, quando foi usar, elas estavam todas podres, mas experimente deixar um pollo por uma semana na sua geladeira para ver o cheiro que fica.

Dei a primeira mordida e vi que a cebola e o queijo tinham feito suas malas e mudado para o Uruguai, porque dentro da empanada só tinha grama. Era uma coisa verde que não tinha gosto de escarola, nem de espinafre, nem de alface, nem de mofo. Só podia ser grama. Eu dei graças a Deus porque grama nunca apodrece (basta regá-la) e desencanei de comer, mas o Daniel comeu as dele porque, para quem já tinha mijado em um estábulo no dia anterior, comer grama era luxo.

Atenção, minha gente. Isso não é regra. As empanadas geralmente são deliciosas e são ótimas opções. A gente é que devia ter entrado em um lugar menos fedido, menos porco e mais bem povoado. Nem tive coragem de entrar no banheiro, para se ter uma idéia. E eu ainda estava de decote.

***

Em contrapartida, a Recoleta é chique de verdade. O outro metro quadrado mais caro de Buenos Aires. Onde toda a aristocracia argentina se reúne para chorar no túmulo da Evita. É onde estão também as embaixadas do Brasil e da França, mas eu juro que não fiz esse passeio de índio (me perdoem os índios, isso é politicamente incorreto falar, né?!).

Eu quis ir até o cemitério da Recoleta para ver o mausoléu da mãe dos pobres, Eva Perón, e tirar uma foto chorando ao lado de sua lápide. Só que não consegui derramar uma lágrima. Gente, ela deu para o Perón, dá um tempo! Não é a Madonna. Ainda assim, precisava da fotografia para dar ao Daygo, meu amigo superpheeno, porque ele sempre diz que um de seus sonhos é ter um apartamento com sacada para cantar aos seus descamisados, que nem a Evita.

Além da primeira-dama, todas as outras personalidades argentinas estão enterradas no cemitério da Recoleta. É um lugar mal ajeitado, fede a gato (lá eles são numerosos) e alguns túmulos estão abertos e abandonados pelas famílias tradicionais. Mesmo assim, tem todo o seu potencial turístico aproveitado. Na porta do cemitério, um mapa com os mausoléus mais importantes. Centenas de pessoas fotografavam o lugar e passeavam pelos corredores.

Depois dali, procuramos um lugar para tomar um vinho. Na Recoleta é tudo mais caro, e a menor garrafinha da adega que achamos custava 19 pesos. Foi ela a escolhida. Sentamos em uma mesa ao ar livre, e a garçonete nos serviu a bebida, que era deliciosa. Na hora de pagar, recebemos uma conta de 34 pesos.

– Mas o vinho era 19…
– Ah, sim. Mas para servir na mesa é mais 15.

Vai tomá no cu, 15 pesos para abrir a garrafa e colocar em duas taças??? Se soubesse tinha tomado no bico. Por isso, sempre pergunte nas adegas se para tomar o vinho na mesa é preciso pagar quase o dobro.

Aí o Daniel entrou no Centro Cultural.

– Pelamor, Dani. Não vou a Centro Cultural nem em São Paulo, de onde você tirou que quero ver a exposição de Ramon Riquelme? Vamos parar com a hipocrisia.

E saímos do lugar. Ah, podem dizer que eu sou uma pentelha, mas nem o Goya, que estava no Masp, não consegui ver. E esse eu bem que queria. Museu só o Louvre (há há há há).

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