por Paula Rothman
Tpm #80

Nalva Martins mora no Capão Redondo e deu duro para criar os filhos

Mãe de Kaíque, o Reginaldo de Linha de Passe, Nalva Martins mora no Capão Redondo e deu duro para criar os filhos – um deles revelação do cinema nacional

Marinalva Martins Santos é daquelas mulheres que, embora à primeira vista pareçam comuns, têm uma força da qual nem elas mesmas se dão conta. Ela é mãe de Kaíque de Jesus Santos, o Reginaldo de Linha de Passe, novo filme de Walter Salles e Daniela Thomas. Quando as gravações do filme acabaram, o filho pediu a ela que usasse o dinheiro ganho por ele para completar a reforma do cômodo em que a família vivia. Ela aceitou uma parte e, com o restante, abriu uma poupança para, um dia, realizar o sonho de ver os filhos na faculdade.

Corra, Nalva, corra

A região em que mora, o Capão Redondo, é uma das três com maiores taxas de homicídio da capital paulista. Sua família, no entanto, não reflete essa estatística violenta. Os dois filhos adolescentes estudam, fazem esportes, ajudam no “dia de faxina” e pedem a bênção aos parentes mais velhos. Nos fins de semana, a família sai sempre junta. “Nunca deixei meus filhos com ninguém para ir pra festa: se eu vou, eles vão comigo”, diz. Afinal, passar tempo com os filhos é prioridade para ela e o marido, Balbino, 39, com quem se casou 20 anos atrás. “Estamos juntos desde os meus 13 anos, mas ainda somos namorados.”

Nalva nasceu em Ubatã, na Bahia, e hoje, aos 33, conta que começou cedo trabalhando como babá, mas que só foi mãe aos 18. Kaíque, hoje com 14, veio ao mundo sem ajuda de ninguém, enquanto a mãe aguardava a chegada da enfermeira. Um ano depois nasceu Jéssica e a família se mudou para São Paulo. Para levar os filhos ao colégio numa época em que o dinheiro apertou, Nalva os colocava em um ônibus e ia a pé atrás, para garantir que os dois chegassem em segurança – eram 20 minutos correndo. Quando as crianças começaram a primeira série, veio a preocupação: “Vão estudar de manhã e ver TV à tarde?”. Daí a procura por um centro de atividades, que a levou até a ONG Casa do Zezinho. Não desistiu quando ouviu que 800 crianças estavam na frente de seus filhos para uma vaga. Na entidade, que oferece atividades esportivas e culturais, foi onde a equipe de Linha de Passe descobriu Kaíque. Na época, Nalva emendava“um serviço atrás do outro”como diarista para pagar as dívidas da reforma da casa. Saía antes das cinco, voltava quase meia-noite e ainda separava uniformes, preparava marmitas e conferia os cadernos das crianças.

Não à toa, Daniela Thomas é só elogios para ela: “Uma mulher linda, com uma família de pessoas boas, que chamou mais a atenção em Cannes do que todos nós”. Sobre a viagem à França, Nalva disfarça: “Imagina, nem me arrumo nem nada”, e dá risada cobrindo o rosto com as mãos. “Só uso batom. Quando saio antes de os meninos acordarem, dou um beijo na bochecha e, assim, eles sabem que eu dei tchau.”

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