Luiza e Yasmin Brunet

por Nina Lemos
Tpm #125

Mãe e filha conversam sobre como encarar o tempo, as mudanças do corpo e da beleza

Yasmin Brunet está inquieta. Sabe que ter 24 anos é muito para a profissão de
modelo. Luiza Brunet chega calma aos 50, sem dramas com a idade. Mãe e filha
conversam sobre como encarar o tempo, as mudanças do corpo e a
transformação da beleza.

"Nunca tive crise de idade. Nem dos 40 nem dos 50.” A frase seria surpreendente saindo da boca de qualquer mulher. Mas fica ainda mais admirável vindo de Luiza Brunet, que sempre foi ícone de beleza. Uma sex symbol de verdade. Luiza é a primeira grande top model do Brasil e virou celebridade ainda nos anos 80, quando se tornou musa da Dijon (marca de moda famosa da época).

A moça, uma das responsáveis por criar o mito em torno das rainhas de bateria de escola de samba, ao lado de Luma de Oliveira, está em paz. E não só com o espelho. Se antes posava nua e foi uma das primeiras a vender personalidade, e não só um rostinho bonito, hoje vende produtos para mulheres maduras. É garota-propaganda de cremes e empresta sua beleza em campanhas voltadas para mulheres que já passaram dos 40. “Acho que sou um exemplo. Elas veem em mim que envelhecer não é ruim. Ter 50 anos é ótimo”, afirma a modelo, que só reclama dos efeitos da menopausa. “Mexe com tudo no seu corpo.”

Já sua filha, a modelo Yasmin Brunet, 24 anos, tem, sim, medo da velhice, apesar de ter consciência de que ainda é muito jovem. “Tenho medo por causa da minha profissão. Sei que isso é absurdo, mas para modelo sou velha.” Não que ela se preocupe com rugas precoces ou coisas do tipo. “Acho lindo, são marcas da vida, gosto de ruga assim como curto tatuagem”, diz a menina crítica, cheia de opinião, que aos 15 anos foi emancipada pela mãe para trabalhar como modelo em Nova York. “Eu fugi porque não aguentava mais ser vista como a filha da Luiza Brunet.”

Choque de gerações

As duas têm histórias muito diferentes. Luiza Brunet é filha de um lavrador com uma costureira e teve uma infância humilde na cidade de Itaporã, no Mato Grosso do Sul. “Não era fácil, ainda mais porque meu pai era alcoólatra, a gente nunca sabia como ele ia chegar em casa.” Aos 7, mudou com a família para Inhaúma, no subúrbio do Rio de Janeiro. Trabalhou como empregada doméstica dos 12 aos 15 anos, mas não faz drama de nada disso. A experiência ajudou-a a se tornar uma excelente dona de casa, que arruma a própria cama todos os dias e se preocupa em guardar dinheiro – e não gastar demais. “Porque a gente nunca sabe o dia de amanhã.”

Yasmin foi criada com a mordomia de motorista e empregados, estudou em uma escola de elite do Rio de Janeiro e nunca precisou se preocupar com grana. Mas isso não quer dizer que tudo tenha sido fácil para ela. Pelo contrário. “Eu odiava a escola, sofria bullying não sei por que, cheguei a tomar um soco na cara de uma menina”, lembra.

Mãe e filha são mulheres fortes que quebram estereótipos. “Odeio o preconceito de que modelo é burra”, dispara Yasmin. Concordamos. E as duas estão aqui para provar isso. E quebrar tabus. Luiza admite com tranquilidade que é portadora de vitiligo (doença não contagiosa em que a pele perde sua pigmentação natural), que já fez aborto e defende a legalização do mesmo. Yasmin escancara o lado não tão bonito da indústria da moda (da qual faz parte), que obriga meninas a ser supermagras. “Isso me envergonha. Sei que alguma menina pode estar
doente por se espelhar em mim. Isso me deixa culpada”, diz, admitindo que precisa perder 4 quilos (ela está magérrima para um olhar não fashionista). Luiza concorda com o discurso da filha, faz questão de acompanhar o dilema de perto e, como toda mãe, manda ela comer mais. Porque mãe, você sabe, só muda mesmo é de endereço.

Tpm. Você teve uma infância humilde. Como foi?

Luiza. Sou de Itaporã, um vilarejo pequenininho no Mato Grosso do Sul, de poucas ruas. A cidade era “um quintal”, minha escola ficava ao lado de casa, a gente brincava na rua. Somos em cinco mulheres e um homem. Tive uma educação muito rígida, mas ao mesmo tempo afetuosa. Aprendíamos a fazer tudo. Saí de lá em 1977. Minha mãe me emancipou aos 16 anos, para que eu casasse. Ao mesmo tempo em que ela era rigorosa, soltava. E sou muito parecida com a Yasmin. Tanto que ela foi emancipada aos 15 para ir morar sozinha em Nova York. Acho muito importante confiar no filho. Vivemos em um mundo duro, mas temos que confiar neles. E ela não me deixou na mão. Teve caráter, tomou as decisões certas.

O que achou de a sua mãe ter emancipado você tão cedo?

Yasmin. A minha mãe sempre teve uma confiança absurda em mim. Imagina, deixar uma filha largar a escola aos 15 anos! Mas acho que amadureci mais rápido que as minhas amigas em certos aspectos. A vida também ensina muitas coisas. Não estou falando que as pessoas devam largar a escola. Não estou encorajando ninguém a fazer isso [risos]. Mas não me arrependi, aprendi a me virar, a cuidar das minhas coisas.

Você, ao mesmo tempo, é muito protetora? Luiza. Sempre fui. Quando ela nasceu, não largava. Não deixava com babá, nada. Mas, 19 dias depois, eu já estava no estúdio, e a Yasmin ia junto. Inclusive ela estreou aos 19 dias, numa campanha de saúde. Eu estava sempre correndo, mas levava ela como uma bolsinha, para amamentar, para cuidar. Agora, acho que deixam muito com as avós, com a babá. Isso nunca passou pela minha cabeça, imagina!

“Mulher que não tem um trabalho e não leva o filho na escola, na minha opinião, é uma mulher inútil” Luiza Brunet

Como foi ir sozinha para Nova York? Yasmin. Foi muito difícil logo que cheguei em Nova York. Acho que as meninas que vão para lá sem o apoio da família e conseguem se virar são umas heroínas. Admiro muito essas meninas.

Luiza. Quando ela foi viajar, fiquei mal, preocupada. Mas achei bom. Porque ela tinha que aprender a se virar, foi uma menina que foi criada com motorista, empregados. Mas mesmo assim ensinei a cozinhar e ela sabia cuidar de casa. Quer dizer, não exatamente da mesma maneira que eu [risos]. Mas sabia administrar o dinheiro dela e cuidar da casa. Sempre ensinei para meus filhos que é preciso se preparar para ter uma fase não muito boa. Tem que saber quanto custam as coisas. Não pode esbanjar. Penso a longo prazo. Ainda mais hoje, que a gente vive muito mais. Temos que ter uma previsão maior e saber que tudo pode acontecer. O dinheiro pode acabar.

Lida bem com dinheiro? Luiza. Sim. Guardo, invisto. Meu primeiro apartamento comprei aos 18 anos, mas não tinha bolsa da Chanel. Acho que ter segurança financeira é importante, porque não tinha antes. Mas, ao mesmo tempo, não sentia falta de luxo porque onde morava não tinha McDonald’s, lojas, nada disso. O que a gente fazia era ir à missa, brincar na rua. E, eventualmente, as irmãs mais velhas cuidavam dos mais novos. Isso era normal.

Como foi sua ida para o Rio, com a família? Viemos de ônibus do Mato Grosso do Sul. Três dias de viagem. Fomos morar em Inhaúma. Era subúrbio do Rio, mas para nós era maravilhoso, imagina, nunca tinha visto um prédio! E tínhamos um sotaque forte do interior, chegávamos na escola e falavam: “Ó lá os caipiras”. Mas a gente logo se integrou.

Você chegou a trabalhar como empregada doméstica. Trabalhei dos 12 aos 15 anos como empregada. Não era um trabalho pesado, braçal. Mas dava uma olhada nas crianças, fazia uma comidinha. Era uma casa de pessoas humildes que nem a minha. Era mais como uma ajudante, mas não deixava de ser uma obrigação, e fazia diferença em casa ter o meu dinheiro. Podia comprar o meu batom, meu lanche. Não suportaria a vida de madame, de ser sustentada por um marido. Mulher que não sabe passar uma roupa, que não tem um trabalho e não leva o filho na escola, sinceramente, na minha opinião, é uma mulher inútil. Desculpe a agressividade, mas acho inútil, e essa é a opinião de uma mulher de 50 anos. É tão gostoso ser útil.

O que acha de a sua mãe ter passado tão cedo por coisas tão duras, diferentes da sua infância? Yasmin. Acho que tudo o que passou fez ela ser a pessoa que é. Ela não seria essa mulher forte, segura, se não tivesse tido essa história de vida. Então, não comparo a minha formação com a dela.

Seus pais foram trabalhar com o que no Rio?Luiza. Meu pai trabalhava em um posto de gasolina. E foi assim que conheci meu primeiro marido. Tinha acabado o gás em casa e fui pegar dinheiro com o meu pai para comprar. Aí, conheci esse cara no bar, o pai dele era dono de uma rede de postos de gasolina. Três dias depois ele foi na minha casa pedir para a minha mãe para namorar comigo. Ele era um cara da zona sul, de classe média alta. Tinha 35 anos, eu, 16. Morri de vergonha, porque a minha casa era pobre, ficava perto da linha de trem, quando passava balançava a casa. A gente namorou quatro meses e resolveu casar. Aí fui morar na zona sul.

O que acha de sua mãe ter casado tão cedo?Yasmin. Sempre quis casar cedo, sabia? Queria casar com 15 anos, sonhava com isso. Sempre achei a coisa mais linda. Agora, estou com meu namorado há sete anos [ela mora com o modelo Evandro Soldati há três anos, em Nova York]. E penso em casar com ele, lógico.

Como foi esse casamento? Luiza. Durou cinco anos. Acredita que fiquei 20 anos sem vê-lo e dei de cara com ele no shopping outro dia? Foi engraçado. O relacionamento foi bom. Acabou numa boa, eu tinha 22 anos. Era muito nova, mas me achava uma senhora já. Eu viajava demais, comecei a conhecer muitas coisas novas, tinha um mundo para conhecer e não fazia sentido ficar presa num casamento.

E depois você ficou casada por 24 anos. Eu e o Armando [Fernandez, empresário] tínhamos uma cumplicidade muito grande. É uma separação que não foi bem resolvida ainda. Afinal, foram 24 anos. Tento vê-lo o menos possível, para não ficar pensando: “Onde eu errei?”, essas coisas. Mas faz parte. Fiquei quatro anos sem namorar ninguém e foi muito bom. O Antônio estava com 8 anos e a Yasmin, com 19. Achei que era um momento em que precisava ficar inteira para eles. A criança precisa da mãe. Você tem uma família perfeita e, de repente, fica tudo desestruturado. Você quebra um encanto. Preferi me recolher, cuidar dos meus filhos e trabalhar. Me reinventei na minha separação. Ou eu fazia isso ou enlouquecia. A minha opção foi a mais lúcida. Estava acomodada, acostumada com o Armando fazendo coisas para mim, como, por exemplo, cuidar da minha empresa. Tive que aprender a ir ao banco, tive problemas com fraude, tive que rea-
prender muita coisa. Falam que é ruim, que te deixa debilitado. É verdade, mas ao mesmo tempo você fica muito mais forte depois.

Como você foi descoberta? Fui a um salão de beleza para começar a trabalhar, queria ser cabeleireira. Lá conheci um cara que me mandou ir na editora Bloch. Cheguei lá e me convidaram para fazer um editorial de lingerie com a Rose de Primo [modelo da década de 70]. Comecei a fazer muita coisa de corpo, porque não tinha nenhum pudor. Aprendi a posar assim, naturalmente, por intuição. Era um dinheiro fácil, dava para juntar uma graninha.

Seu primeiro marido era de classe média alta, mas você fazia questão de ter o seu próprio dinheiro. Essa possibilidade de ser dependente do marido, repetir o modelo da minha mãe, nunca existiu. Imagina! E logo superei meu marido, passei a ganhar mais que ele. Depois fiz um contrato de dois anos com a Dijon, juntei dinheiro e dei entrada em um apartamento. Mesmo morando com ele, fiz questão de ter meu próprio apartamento. Eu não gastava nada, juntava todo dinheiro que ganhava. Tinha uma cadernetinha e ia anotando quanto podia quitar das prestações. Em dois anos consegui liquidar a dívida e, aos 18, o apartamento era meu. Para isso, trabalhava muito. E sou assim até hoje. Você tem que ter um foco na vida. Acordo cedo, comigo não tem essa de dormir até tarde. E sei que até hoje vivo da beleza externa, por mais que tenha aprimorado a interna. Faço muitas campanhas de rosto para mulheres maduras, de cremes, de maquiagem. E me surpreende muito ter esse prazo de validade, ter 30 anos de carreira.

“Com ruga, por exemplo, não tenho a menor preocupação. Acho lindo. Assim como gosto de tatuagem. Acho que tudo conta uma história” Yasmin Brunet

Bateu uma crise por passar de modelo de lingerie a rosto que vende produtos para mulheres mais velhas? Não! Adoro. Passei a ter mais responsabilidade porque estou avalizando uma empresa. Não é só o meu rosto, é a minha personalidade também. Tenho que ser uma pessoa idônea. E nunca tive nenhuma crise por causa de idade. Não tive crise dos 40 nem dos 50. A única coisa que me incomoda nos 50 anos é a menopausa. É muito chato e desconfortável. É aí que você percebe que está em uma idade madura mesmo, tem que se cuidar muito. Você fica deprimida, com calores, dor de cabeça, se sente velha e totalmente fora do eixo. Você tem que fazer reposição hormonal, mais exercício, é muito difícil.

E como cuida da menopausa? Faço exercício todos os dias. Estou mais relaxada agora porque ando me sentindo cansada. Mas faço pilates duas vezes por semana e musculação. E gosto de caminhar, porque limpa a minha cabeça. Tenho tido muita insônia por causa dos hormônios. Você precisa se cuidar de dentro para fora. Acho que as mulheres quando chegam numa certa idade sentem o “efeito Madonna” [risos]. Elas querem mostrar que ainda são jovens, lindas, querem mudar o vestuário. É importante, mas nem tanto. O mais importante é cuidar da saúde.

Você já teve a sua “fase Madonna”? Tive sim. Já fiz plástica. Tinha pouco peito, coloquei silicone. Mas me arrependi. Fiz por modismo, que é a pior coisa que existe. Já mexi, mas consegui não me transformar. Nunca fiz boca, por exemplo. Nem lipo. Tem coisas no meu corpo que não estão mais do mesmo jeito, mas tudo bem. Acho que a mulher madura é tão interessante... Quando você é jovem, tem a coisa da jovialidade, do descompromisso. Mas, depois, quando se fica mais velha, é tão bom... Te dá um poder.

Aos 24, já pensa em envelhecimento? Yasmin. Não é que me preocupe. Mas, por causa da minha profissão, penso nisso, sim. Sei que sou muito nova, mas, para a profissão de modelo, sou velha. Existe essa cobrança pela idade. Mas com ruga, por exemplo, não tenho a menor preocupação. Acho lindo. Assim como gosto de tatuagem. Acho que tudo isso conta uma história.

E hoje envelhecer não é mais a mesma coisa, não é? Luiza. Imagina! A minha mãe, quando tinha 40 anos, era uma senhora. Hoje, ela tem 75 e é uma gata. É independente, não quer saber de cuidar de neto, o que acho ótimo, dou a maior força. Ela viaja umas quatro vezes por ano com as amigas, fala de sexo, de tudo. E não era assim, era cheia de tabu. Mas foi rejuvenescendo e acompanhando as mudanças do mundo.

E o seu pai? Meu pai morreu aos 59 anos, muito jovem. Era alcoólatra. Então, tive uma infância muito difícil. A gente não sabia nunca como ele ia chegar em casa. Se ia estar bêbado, se ia estar bem, se ia estar agressivo. A coisa da bebida deixava todo mundo tenso. Mas, mesmo assim, meus pais eram muito apaixonados.

E a sua adolescência, como foi? Yasmin. Horrível. Acho que adolescência não é fácil para ninguém, né? Cheguei a levar um soco de uma menina na escola. Tinha uma turma de garotas que me tratava muito mal. Peguei pavor da escola. Não queria ir para a aula de jeito nenhum. Tinha poucos amigos. Comecei a me vestir de preto, achava que era gótica [risos]. E minha melhor amiga era a [escritora] Mayra Dias Gomes. A gente se chamava de “as weird” [as estranhas], para você ter uma ideia. Não suportava ir para a escola.

Como lidava com essa fase? Luiza. As meninas são muito cruéis. A Yasmin estudava em um colégio de padrão alto. Você tem que ir, saber o que está acontecendo, mas deixar eles se entenderem porque é uma briga de território deles. O mais importante é a mãe dar um colo e mostrar que quem está fazendo isso, destratar uma pessoa, é um bando de bobões. Que o mais importante é a pessoa manter a sua personalidade. Que ela não deixe de ser ela para se enquadrar nas outras pessoas.

Quando percebeu que ficou famosa? Foi tudo muito natural. Ao mesmo tempo em que foi rápido, parece que foi aos poucos. Não foi assim: “Agora tenho que andar com segurança”, “agora as pessoas começaram a correr atrás de mim”. Foi acontecendo rápido, mas em decorrência do meu trabalho.

Enquanto isso, você já nasceu famosa... Yasmin. E odiava. Era o tempo todo comparada com a minha mãe. Quem se veste melhor, quem é mais bonita. Criavam uma competição. Achava isso doente. Isso começou a me revoltar. Detestava os fotógrafos, os jornalistas, tudo. Por isso ficava quieta, no meu canto. E as pessoas achavam que eu era mimada [risos]. Mas é porque eu não aguentava mais ser conhecida como a filha da Luiza Brunet. Sabe o que mais me irrita? Quando um jornalista pergunta: “Como é ser filha da Luiza Brunet?”. Gente, essa pergunta é absurda! Me dá vontade de perguntar: “E como é ser filho da sua mãe?”. Todo mundo tem pai e mãe. É normal. Fui para Nova York por isso, para ser só a Yasmin.

Luiza, você ficou realmente famosa quando virou modelo da Dijon? Luiza. O Humberto Saad [empresário, dono da marca] fazia uma coisa muito esperta. A moda não era globalizada. Então, ele criou uma personalidade, um marketing ousado. Quando entrei, ganhei uma visibilidade muito grande. Nos anúncios era eu, de calça jeans, sem sutiã, com ele do lado. E a gente viajava muito, fazia campanhas fora do país. Eu tinha exclusividade com a Dijon e adorava ser a garota Dijon. Trabalhava muito, foi muito bom. Era também um conforto. E foi quando explodi, por causa das páginas inteiras em jornais, editoriais em revistas. Causou uma comoção no Brasil. Fui capa da Veja como a grande top model brasileira, olha só! E foi quando fiz a minha primeira viagem internacional, para Paris, e de lá fomos para Côte d’Azur. Dois anos depois, resolvi sair porque não queria ficar mais como modelo exclusiva.

Na sua época, Luiza, modelo podia ter curvas. O que acha dessa obsessão por magreza na moda hoje? Fico preocupada com a Yasmin. Ela sempre acha que está acima do peso, apesar de não estar. Na minha geração, a curva era mais valorizada. A Betty Lago, que trabalhava muito lá fora, era uma mulher com curvas. Os anos 80 foram generosos com as modelos. Depois que veio aquela moda de heroin chic, a Kate Moss, as modelos supermagras. É também a era dos estilistas estrelas.

Você, que é de outra geração, o que acha dessa ditadura da magreza? Yasmin. Eu sinto muito essa ditadura da magreza, essa cobrança. E acho horrível. Acho que é muito triste. Acho que é impossível uma modelo ser saudável. Essa coisa de que “eu sou assim e pronto” é mentira. Você tem que se privar de comer o que te dá prazer. Tem que se matar na academia. As meninas sofrem muito com isso e a maioria delas é doente. Mas as pessoas colocam um véu em cima de tudo, fingem que é uma vida cheia de glamour, como se você viajasse de primeira classe, tivesse as melhores roupas. E não é. As meninas vivem em depressão.
Ninguém está feliz com o próprio corpo. Estou sempre me comparando com as minhas amigas. Tem muitas que olho e penso: “Meu Deus, queria ser você”. Fui para Nova York muito cedo. Tive estrutura da minha família, mas acho que não tinha estrutura interna. Sofri muito quando cheguei lá, quando entrei de vez no mundo da moda internacional, dos castings.

“Acho horrível a ditadura da magreza, mas as pessoas colocam um véu em cima, fingem que é uma vida de glamour” Yasmin Brunet

Como se sente quando vai a um casting? O casting é uma coisa muito cruel. Você entra em uma sala para ser julgada. Para te descascarem e falarem: “Você não serve para mim”. É muito, muito cruel. Você tem que aprender a ter uma pele muito grossa. E a não levar o que as pessoas falam para o lado pessoal. Te machuca. Mas você tem que pensar que, para elas, aquilo é só trabalho. E que para elas tempo é dinheiro.

Vocês acreditam que isso influencia nos casos de distúrbios alimentares das adolescentes? Yasmin. Além de causar problema para as modelos, cria para as outras meninas. Elas pensam: “Se essas modelos são assim, vou ter que ser igual”. Isso é uma parte que me envergonha. Sei que alguma menina pode estar doente por se espelhar em mim. Isso me deixa culpada.

Luiza. Influencia com certeza. Criou-se uma visão deturpada de que a mulher tem que ser alta e magra. E de que quem não está dentro desse padrão está fora, não vale nada. Isso desencadeou uma série de meninas que começaram a ter bulimia, anorexia. Essa parte da moda criou uma coisa muito ruim. A Yasmin tem o corpo magro, ela sabe que tem meninas que morrem de anorexia, mas mesmo assim se acha gorda. Eu fico do lado. Mas tem muita mãe que não se preocupa com isso. Que joga a filha para ganhar dinheiro e não quer saber se está morando bem, andando com boas pessoas. Isso para mim não é mãe. Mãe para mim é a que está perto.

O que acham que pode ser feito para que isso acabe? Luiza. Acho que o mundo da moda já começou a pensar mais. Mas tem que ser ainda mais generoso com a mulher. E tem outra: acho que um bom estilista veste qualquer corpo. O que é ruim é que precisa da modelo magra.

Yasmin. Acho que todo mundo tem que começar a se revoltar, a falar. Tem muita modelo linda com corpo maior. Você vê a Lara Stone [top model holandesa, 28 anos, que ficou famosa por não vestir 36 e mesmo assim estar em campanhas da Prada, Tom Ford e Louis Vuitton], ela veste 38. Aquela é uma mulher linda. Deviam colocar mais mulheres que nem ela nas campanhas e incentivar a ter um corpo saudável. Mas não tenho muita esperança de que mude.

A Paula Lavigne disse à Tpm que os homens podem envelhecer e ficar ótimos de cabelo branco. Já a gente, se ficar com cabelo branco, vai ser apedrejada. O que acha disso? Luiza. Concordo! Inclusive o Caetano agora está um gato. Acho que se salvam poucas mulheres que ficam bem de cabelo branco. Tem que segurar o look e ter muita personalidade. Eu pinto o cabelo toda semana. No Brasil tem muito homem mais velho quererendo pegar mulheres mais jovens. Na Europa não é assim, é mais equilibrado. Você vê casais da mesma idade, acho incrível. Mas a pressão é em cima da mulher mesmo. A gente tem que estar sempre impecável. O homem, se tem uma barriguinha, fica tudo bem. Vai ver é a gente que se cobra mais.

Você já contou que fez aborto aos 17 anos, no começo do primeiro casamento. É a favor da legalização? Sou a favor da legalização, sem dúvida. Mas tem que ter uma conscientização também. As pessoas não podem tratar o aborto como se fosse pílula anticoncepcional. Tem que usar camisinha, sim, porque não é para proteger só da gravidez, mas também de doenças. E ter filho é uma coisa muito séria. Tem que explicar isso para os filhos desde cedo. Tem que ensinar que têm que usar camisinha, mas, se engravidarem, vai ser um problema deles.

“As mulheres têm que estar sempre impecáveis. O homem, se tem uma barriguinha, fica tudo bem. Vai ver é a gente que se cobra mais” Luiza Brunet

Por que decidiu contar que tinha feito aborto? Sou muito transparente. Fiquei grávida logo depois de casar, era muito nova, não queria isso. Queria ter uma carreira. Lembro que meu ex-marido não queria que eu fizesse. Foi uma decisão minha. Acho que o aborto tem que ser legalizado junto com uma campanha. Mostrando que pode ser um trauma para o resto da vida. Não é simplesmente legalizar. Tem que educar, ver se o país está preparado para isso, sabemos que as clínicas clandestinas fazem e que muitas meninas morrem por isso.

Você também quebrou tabu assumindo que tem vitiligo. Essas doenças são desagradáveis. É bom contar, porque muita gente se sente mal. Eu tenho pouco, mas tenho que controlar pelo resto da vida. Tinha 2 anos quando nasceu uma mancha pequenininha. Tenho foto de modelo em que elas aparecem, já que não tinha Photoshop. Quando o Antônio nasceu, tive um problema no parto, fiquei muito nervosa, e as manchas aumentaram. Quando me separei, apareceu na mão. É de estresse mesmo. É uma coisa que preferia não ter, mas, já que tenho, não escondo. Se a pessoa fica olhando, já levanto a mão para a pessoa ver de uma vez [risos].

Você não encana muito com os problemas, né? Tento minimizar os problemas. Penso que eles são pequenos perto de outros, tipo você ter um filho com problema, essas coisas. Nunca caí em depressão, nem vou cair. Problema é para resolver.

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