Um menino que transgrediu a lógica da não cidadania me traz esperança de um Brasil mais digno
Um menino de Fortaleza que transgrediu a lógica da não cidadania me traz a esperança de um Brasil mais digno
A Fátima Braga é uma daquelas mulheres raras de encontrar pela vida.
Quando seu filho Lucas tinha cerca de 4 meses, uma sucessão de problemas respiratórios veio à tona. Hospitais, ambulâncias, UTIs e médicos que desconheciam a origem do problema passaram a ser os protagonistas de sua história com Lucas.
Demorou para que ele fosse diagnosticado com amiotrofia espinhal progressiva tipo 1.
Essa é uma doença degenerativa de origem genética. É uma das mais comuns do sistema nervoso central: com incidência de um caso para 10 mil nascimentos, estima-se que uma a cada 50 pessoas seja portadora da AME1.
Lendo sobre a doença, você tem a informação de que as crianças não passam dos 3 anos de idade e que a principal causa de óbitos desses pacientes é o comprometimento no desenvolvimento do sistema respiratório, que apresenta um retardo fatal para essas pessoas. É uma doença que paralisa dos pés à cabeça, tirando a respiração e a deglutição voluntárias.
A Fátima fundou uma associação, a Abrame. Enquanto ela e os profissionais que ela foi agregando à família iam aprendendo a prover para o Lucas qualidade de vida “apesar de sua condição física”, foi se desenvolvendo uma espécie de laboratório de política pública para doenças paralisantes em Fortaleza. Conseguiram levar 21 crianças da UTI para casa, com ventilação mecânica, atendimento home care e assistência de todos os profissionais, inclusive das empresas fornecedoras de equipamento.
Nosso guerreiro Lucas deixou a escola particular que o atendia em casa para que a escola pública tivesse a grandiosa oportunidade de oferecer educação domiciliar a todas essas crianças que possuem energia vicejante e uma potencialidade esperando tecnologia e conhecimento para se expressar.
Fui realizar um sonho antigo de conhecer o Lucas pessoalmente.
Inclusão
Nosso encontro foi no hospital infantil Albert Sabin, onde o Lucas voltou depois de 11 anos, como convidado, para comemorar o Programa de Atendimento Ventilatório Domiciliar (PAVD). Com apenas sutis movimentos dos olhos e voz quase inaudível, saímos às ruas numa mobilização por uma Fortaleza mais acessível.
As pessoas que necessitam de respiração invasiva, como é chamada a necessidade de crianças como o Lucas, foram excluídas da Portaria 2.527 do Ministério da Saúde, que institui o Serviço de Atenção Domiciliar (SAD). Só em São Paulo, 30% dos leitos de UTI são ocupados por doentes crônicos. Esse programa custa quatro vezes menos pro governo do que uma pessoa mantida na UTI. Meu desafio agora é incluir o equipamento na portaria e multiplicar o programa por todo o Brasil.
Deixo aqui a minha gratidão ao menino de tórax grande, que transgrediu, aos 3 anos, a lógica da morte, do corpo definhado, mirrado, da não alegria e da não cidadania. O Brasil mais saudável, mais humano, mais barato, mais digno e muito mais feliz agradece por você morar em casa!
Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br |