Lembra, Joaquim?

Tpm

por Tania Menai

Lembra, Joaquim, quando você me ligou quase às nove da manhã e disse: “Tanita, liga a CNN”? Um pouco mais tarde , você deixou seu escritório e veio pra cá. Minutos depois, apareceram dois repórteres cariocas – tinham chegado naquela manhã, de férias na cidade. Estavam mais perdidos que cego em tiroteio. Passamos o dia ao telefone e na internet entre editores, família, e, pior, buscando os amigos. E o Caio, que não deu sinal de vida o dia todo? Lembra da nossa aflição? Sem falar que enquanto o mundo desabava, vocês, homens, reclamavam da comida natureba da casa. A primeira matéria já estava entregue, mas o telefone não nos deixava sair de casa pra matar a fome.Você e eu éramos famosíssimos por odiar celular – não tínhamos! Aí deixamos aquele recado histórico na secretária eletrônica: “Estamos vivos, só saimos para almoçar. Deixe o seu recado. Valeu!”. Foi a melhor idéia do dia mais surreal que já vivemos.

Passei o fim daquela tarde e noite de 11 de setembro no St. Vincent Hospital, o maior dos quatro hospitais que receberam gente depois dos atentados. Vocês não quiseram ir. Acabei encontrando um amigo, voluntário, que me colocou para dentro - mas eu não podia dizer que era repórter. A mídia só podia ficar do outro lado da rua. As macas com soros ficavam na calçada. Sofás foram cobertos com lençóis. O Starbucks da rua liberou café. Médicos chegavam de carro de cidades como Chicago. Desconhecidos despejavam galões de água. Outros preparavam sanduíches. Parecia que aquilo tinha sido ensaiado. A fila das famílias para checar os nomes dos feridos nas listas foi, de longe, o que mais me chocou. Imagine a margem de erros de sobrenomes indianos, judaicos, búlgaros e espanhóis escritos à pressa, à mão. Vai vendo. A lista era atualizada a cada meia hora, e circulava entre os quatro hospitais que atenderam os feridos.

Joca, sabia que os 2.749 que morreram pertenciam a 87 nacionalidades? Bom, já que era para ter acontecido tudo isso, pelo menos foi em Nova York, uma cidade de gente pró-ativa. O cheiro era de queimado, mas ninguém ficou olhando pra anteontem. Cada um aqui tem a sua vida, mas aquele evento fez com que todos nós tivéssemos pelo menos uma coisa em comum. As semanas que se seguriam foram tão exaustivas (eu entrevistava chorando e escrevia chorando) que, claro, acabei de cama. Hoje, ao lado do hospital, estão centenas destes azuleijos, feitos por crianças do país todo. Tirei essa foto aí. Tá vendo como são coloridos? Ninguém quer mais luto. Mas também não podemos, de forma alguma, esquecer esta data.

Nestes cinco anos a cidade se reajustou, como você pôde ver. Nossos amigos tiveram bebês lindos. Entrevistei muita gente sobre o assunto, incluindo o [prefeito de Nova York à época dos atentados] Rudy Giuliani e a Irshad Manji, jornalista muçulmana que virou amiga. A cidade tem sangue novo, muita gente que mora aqui hoje não vivenciou nada disso. Inclusive, ontem fui tomar brunch meus amigos paquistanêses, muçulmanos. Rimos muito. Você vai adorar conhecê-los. Nem todos os 11 de setembro foram péssimos. No ano passado, por exemplo, acordei com um entregador de flores à minha porta. Eram rosas, vermelhas e brancas, de um italiano com quem troquei umas palavras num vôo no dia anterior. Assim, do nada. Viu, Joca? O mundo tinha que ser liderado por homens italianos. Esse negócio de texano e troglodita da caverna é receita pro fracasso. Auguri.
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