por Ronaldo Bressane
Tpm #80

Cláudia Abreu vive o paradoxo de uma estrela que almeja preservar a vida pessoal

Cláudia Abreu detesta aparecer e tem coceira de paparazzi. Em cartaz no cinema com Os Desafinados e na TV como protagonista da nova novela das sete, ela vive o paradoxo de uma estrela que almeja preservar a vida pessoal – até pra manter certo mistério

Já ouviu falar na Lady Godiva? Santoro e seus desafinados que me desculpem, mas fundamental nesse filme é mesmo Cláudia Abreu. É que para editar a peste de informação que emperra o pensamento, separar o jóia do joio, sempre aplico um exercício simplório ao ver um filme: qual é a imagem aqui que nunca vi? Assim, resumiria Os Desafinados à cena em que Gloria se vinga de seu affair. A cantora, que namora Joaquim (Rodrigo Santoro) em Nova York, descobre que ele é casado no Rio de Janeiro com Luiza (Alessandra Negrini). Sentindo-se traída pela cafajestagem lírica do músico, ela enche de água a banheira que fica... na sala onde Os Desafinados ensaiam (Angelo Paes Leme, Jair de Oliveira e André Moraes). Para constrangimento do boyfriend, surge linda e impávida – nua.“É absolutamente preciso que tudo seja belo e inesperado”, escreveu Vinicius em “Receita de mulher”.

É o primeiro nu total de Cláudia Abreu, aos 37 anos e com tudo em cima. Foi difícil ficar tão pelada? “Duro, complicadíssimo”, conta ela, com cuidado. “Nessa cena, o motivo é a exposição da nudez, sem a função de sedução, mas sim de desafiar: a Gloria quer dar um tapa na cara do namorado. E, cara, fora a equipe, tinha vários amigos meus em cena... Mas a personagem é uma mulher liberada nos anos 60, que mora sozinha em Nova York e põe um monte de homem em casa, e a cena é importante no roteiro. Tive que passar por cima da vergonha.”

De fato, Cláudia não gosta de se expor. Dá poucas entrevistas e raramente aparece em eventos. Casada com o cineasta José Henrique Fonseca (filho do escritor Rubem Fonseca e um dos sócios da Conspiração Filmes) e mãe de Felipa, 1 ano e meio, e Maria, 7, prefere festas em casas de amigos a baladas na quente noite carioca. É um negócio complicado ser famoso no Rio de Janeiro, nossa adorável mistura de Hollywood com Freakolândia. Você passeia pelo Leblon e saca uns tipos pendurados em árvores, escondidos em orelhões e até agachados por trás de hidrantes. Não são mendigos – são paparazzi, arraia-miúda na cadeia alimentar em que os predadores são... o respeitável público? Ou as celebridades globais?

“Olha, por favor, tome cuidado com as minhas palavras”, pede. “Não quero dar uma de Greta Garbo, ‘I wanna be alone’, nem julgar quem está nessa pilha de aparecer. Mas a imprensa precisa respeitar quem não está a fim”, pondera. É clichezão falar, mas ser celebridade custa caro – e Cláudia viveu isso a fundo quando fez a insaciável “cachorra” Laura em Celebridade, talvez sua personagem mais marcante. “É muito chato! Já aconteceu de eu ir à praia às sete da manhã com a minha filha e depois saírem cinco páginas com as fotos mais horríveis, porque é isso que querem: o mico do artista”, irrita-se. “Adoro dançar, me jogo mesmo. Mas pô, como eu vou fazer isso num show? Você perde toda a espontaneidade. O ator tem que manter um mistério. Se você aparece no seu trabalho e fica aparecendo o tempo todo fora dele, o que sobra para o espectador imaginar?”

Por exemplo, é difícil imaginá-la freqüentando o curso de filosofia na PUC – que Cláudia conclui em 2008, após sete anos.“Com o tempo, você vai ficando gasto. Sente falta de um estofo intelectual, quando vê está falando só clichê. Aí vai estudar e descobre vida inteligente além do seu mundinho!” E sobre o que é a monografia? “O Nascimento da Tragédia, de Nietzsche. É uma discussão sobre a luta no teatro entre o instinto dionisíaco, mais espontâneo, e a racionalização do gesto artístico, que vem com Sócrates. ”Você é mais dionisíaca ou platônica? “A loucura é fundamental, dá o tempero, mas Apolo é essencial pra dar um equilíbrio...”

A cantora de Os Desafinados é, como várias personagens na galeria de Cláudia, uma mulher independente, determinada, sexy e firme. Mas, sempre ponderada entre Apolo e Dionísio, ela diz que gosta de variar os papéis – daí ter preterido ser a protagonista de Beleza Pura para ser uma das Três Irmãs, novela das sete de Antonio Calmon, que estréia este mês e devolve a atriz ao registro cômico. Nessa variedade de personagens, só lamenta não ter podido soltar a voz de verdade em Os Desafinados. “A dublagem é da filha de Walter Lima Jr., Branca, que canta muito bem, ia fazer a voz guia para mim e acabou sendo escolhida pelo diretor. Eu canto no carro, é ótimo! Minha última pretensão tem sido dublar a Amy Winehouse.”

O que é isso, companheiro?
Do que tem gostado no cinema brasileiro? “Sou suspeita para falar, mas gosto do jeito que a Conspiração produz seus filmes. Curto o trabalho do Beto Brant. Um dos meus favoritos é o Tudo Bem, do Arnaldo Jabor.Agora fiz um filme com o Pedro Cardoso, Todos Têm Problemas Sexuais, dirigido pelo Domingos de Oliveira – ainda sem data de estréia. São vários casais. No nosso, que tinha uma vida sexual ótima, faço a mulher do cara que sente curiosidade em, digamos, ser ‘dominado’ por ela. Aí ele acaba querendo ser ‘dominado’ por homens. Pra que foi experimentar, né? [Risos].”

Mãe-menininha, Cláudia Abreu é musa da geração dos pré-quarentões (lembra, ela foi a Helena de Anos Rebeldes, heroína dos caras-pintadas que assombraram Collor).Aos 37, desmente o tempo.“É um alívio o tempo passar, você perde a ansiedade de ter que fazer tudo.”Como cuida dos invariáveis 52 quilos dentro do 1,65 metro? “Nada! Gosto do corpo do jeito que é. Raramente vou pra academia. E continuo maníaca por chocolate: agora que descobri o Lindt vermelho, me acabo...”, confessa a atriz, cujo apelido é, por conta da chocolatria, Cacau. E a cabeça? “Faço análise há dez anos, mas sem uma freqüência regular. É ótimo, você vai lá e descarrega seus demônios sem ser julgado!” Sente-se oprimida entre os papéis de mãe, profissional, mulher? “Olha... vou às 7h pra faculdade, volto e coloco a Felipa no balé, depois levo a Maria pra estudar música, daí pego a Felipa, volto, dou banho, faço questão desse momento de intimidade, depois vou levar a Maria na escola... Só então vou trabalhar! E tenho dormido pouco... Felipa quer mamar no meio da noite, daí depois quero tomar um vinho com o marido, ver um filme... Sempre tive olheiras, agora elas estão maiores, vou assumir minha cara de francesa.”

Vítima de dois assaltos, só o que parece abalar a frágil guerrilheira Renée de O Que É Isso Companheiro? é a violência do Rio. “Sim, tenho medo. Sempre foi uma cidade louca, mas agora enlouqueceu de vez, parece a Loucademia de Polícia 13. Não dá! Essa mistura de religião com política é uma coisa horrorosa. Agora estamos ameaçados por esse bispo Crivella... Tudo o que eu queria é que o Fernando Gabeira melhorasse nas pesquisas. Ele nunca se omitiu do debate. E ninguém acredita que ele vai montar uma quadrilha pra roubar dinheiro.”

O barquinho vai
Pouco antes de começar este ensaio, Cláudia vagava pela varanda da cobertura do fotógrafo Murillo – aberta para uma vista escandalosa da lagoa Rodrigo de Freitas. A tardinha caía nublada e, meio que pra ninguém, a atriz apontou lá embaixo um veleiro amarelo, sozinho na água fosca: “Que cena linda aquele barquinho no meio desse cinza...”. Mais tarde, na conversa, ela diria que se incomoda com a alegria obrigatória do brasileiro – e, por síntese, do carioca. “Sou alegre, mas cada vez mais gosto de silêncio.” Claro: se a nossa Lady Godiva não fosse tão discreta, a gente nem se espantaria com sua nudez. Assim como se o dia não estivesse nublado o veleiro amarelo seria só mais um veleiro amarelo.

 

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