Pianista de 27 anos lança seu primeiro disco com show no Sesc Vila Mariana
Quem não conhece o mundo da música instrumental pode achar que é uma coisa para gente mais velha e até mesmo um ambiente mais masculino, já que escutamos falar de poucas mulheres na área. Felizmente, amanhã o público de São Paulo terá a oportunidade de diminuir esses preconceitos
Aos 27 anos, a pianista Julia Tygel fará apresentação de seu primeiro disco, Entremeados, no Sesc Vila Mariana. Empolgada com o show, a compositora se diferencia por ter em seu repertório versões mais eruditas para canções populares de Edu Lobo, Chico Buarque e Tom Jobim. Além da junção destes dois estilos, uma das coisas mais importantes para Julia é a receptividade do público. "Quando as pessoas conhecem os temas elas se identificam e reconhecem o que estou fazendo em termos de arranjo. Isso é muito prazeroso, tocar as pessoas é pra mim o principal sentido em se tocar um instrumento", conta a jovem.
Outro aspecto que torna a apresentação ainda mais interessante e especial são os músicos de apoio da pianista. Reafirmando de vez o “girl power” na música erudita, as violoncelistas Vana Bock e Adriana Holtz enriquecem os arranjos.
Em conversa em clima de despedida com o site da Tpm, pois em breve vai morar em Nova York, a compositora falou de sua iniciação musical, seus compositores preferidos e suas expectativas para o show no Sesc.
Como foi seu primeiro contato com a música?
Quando eu era pequena minha mãe me colocou em todas as possibilidades de vivência artística: aulas de teatro, dança, música, acho que artes plásticas também. Eu fui gostando da música, influenciada também pelo fato de que minha avó tocava muito bem (mas não profissionalmente) e meu pai tocava um pouco também, de forma amadora. Minhas primeiras aulas de música foram em Campinas aos sete anos, já no piano.
Você pensou em seguir outra carreira ou sempre quis trabalhar com música profissionalmente?
Eu tive dúvidas sim, porque gosto de muitas coisas. Pensei também em letras e psicologia. Também tenho um vínculo com a antropologia, área da minha mãe. Tanto que fui fazer pesquisa em etnomusicologia (uma área que estuda a música na cultura, uma espécie de união entre a musicologia e a antropologia) trabalhando com culturas tradicionais e com uma forte ênfase na ação social. Me sinto bastante responsável sendo musicista num país com tanta riqueza cultural e tanta pobreza e desvalorização materiais. Mas aos poucos foi "caindo a ficha" sobre meu papel nesse mundo, que só poderei cumprir se for uma pessoa realizada. E minha realização é mesmo na música.
Por que o piano e não outro instrumento?
Como comentei, era o instrumento da minha avó, que tinha um piano de cauda no Rio de Janeiro, e do meu pai, que tinha um de armário na casa dele (meus pais são separados, contudo moram na mesma cidade). O piano é um dos instrumentos mais apropriados para a iniciação musical de uma criança, é muito didático. Acho que foi algo natural... Ao longo da vida eu senti falta de ter experimentado outros instrumentos na infância para poder ter escolhido, recomendo aos pais que deem essa oportunidade às crianças que vão fazer música - a criança tem que experimentar. Mas acho que o piano é de fato o meu instrumento "ideal", é muito abrangente e cheio de possibilidades, facilita o pensamento composicional e tem um som que eu adoro.
Qual a principal diferença, para você, em tocar composições populares e eruditas?
No meu caso a diferença básica é o repertório e não a abordagem. Eu estudo os arranjos que escrevi como se estivesse estudando uma peça de um compositor erudito, a postura como intérprete no meu caso é semelhante. A diferença básica para mim está na relação com o público e em fazer uma música que nesse sentido é bastante viva: as pessoas em geral conhecem os temas, se identificam, reconhecem o que estou fazendo em termos de arranjo.
Você tem um músico ou compositor favorito? Que tipo de música você costuma escutar em seus momentos de lazer?
Se fosse pra escolher um, seria Bach. Mas "viva a diversidade", tem tanta gente... Eu sempre gostei basicamente de música popular brasileira (canção e instrumental) e música erudita da grande tradição européia (nisso incluam-se compositores não-europeus, como Villa-Lobos por exemplo). E tive oportunidade de viajar bastante e ter muito contato com cultura popular, de rua. Então no meu toca-CDs circulam Scriabin, Brahms, Debussy, Ligeti, Berio, Bartók, Mozart, Beethoven, ao lado de Edu Lobo, Chico Buarque, Guinga, Lea Freire, Egberto Gismonti, Benjamim Taubkin (que tive a honra de ser o produtor musical do CD), André Mehmari... fora as músicas tradicionais: samba-de-roda Suerdieck, do Recôncavo Baiano, música dos índios Timbira (ambos grupos com os quais trabalhei). Mais recentemente tenho tido a oportunidade de ouvir compositores de música instrumental de outros países da América Latina, que ainda não são tão difundidos no Brasil, e são de grande beleza. É quase um sacrilégio mencionar apenas algumas referências.
Quais são as suas expectativas para o show no Sesc? O que o público pode esperar?
Esse é meu primeiro show em um Sescé significativo. Já apresentamos este trabalho em outros espaços muito bacanas, como o Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, e o Centro de Convivência Cultural de Campinas. Mas esse show será o mais completo, com as duas violoncelistas que gravaram o CD - Vana Bock e Adriana Holtz. A maioria das músicas são arranjos de canções de Edu Lobo, Chico Buarque e Tom Jobim, retrabalhadas para o duo piano e violoncelo com uma concepção que vem mais da música erudita. Mas também há uma música para dois violoncelos sem piano, piano solo... Algumas composições próprias e algumas referências diretas a Bach e Debussy. Estou bastante animada!
Quais são seus próximos planos profissionais?
Esse show no Sesc é uma espécie de despedida musical de São Paulo para mim, por algum tempo. Atualmente faço curso o doutorado em música na USP na área de análise musical, o que me ajuda bastante a escrever música. Recentemente fui contemplada com uma bolsa e estou indo em cerca de duas semanas para Nova York fazer uma parte do doutorado em uma universidade de lá. Com muita dedicação, tenho mantido paralelamente as áreas de música como prática e como pesquisa/estudo na universidade. Acho que ambas enriquecem uma a outra. Mas exigem muito também e sempre há aquela vontade de poder ir mais fundo em cada uma.
Vai lá: Lançamento do disco Entremeados, de Julia Tygel
Quando: 26 de julho, terça, às 20h30
Onde: Sesc Vila Mariana. Rua Pelotas, 141 Auditório - 131 lugares
Preços: R$ 12 (inteira); R$ 6 (usuário inscrito no SESC e dependentes, maiores de 60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino); R$ 3 (trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo, matriculados e dependentes).
Telefone: 5080-3000/0800-118-220
www.myspace.com/juliatygel