por Nina Lemos
Tpm #95

Clara de ovo, drenagem linfática e malhação. Assim que as peladas do Carnaval se preparam

É uma quinta-feira de janeiro e o clima está quente na Cidade do Samba, área ao lado do sambódromo carioca onde ficam alojados os barracões das escolas de samba do grupo especial. Faz um calor de 41 graus e as musas da Mangueira se encontram para mais um compromisso profissional. No caso, dar uma entrevista e tirar fotos para a Tpm. Isso para elas é trabalho muito sério. É preciso estar bem na foto. Por isso, cada uma chega acompanhada de um stylist-maquiador, com roupas de passista e em cima de saltos altíssimos. “Cada uma tem um veado”, diz um dos maquiadores. Mariana Souza, dançarina do grupo de funk Tchakabum, é a mais tensa. “Estou horrível nas fotos!”, esbraveja para o fotógrafo. Mariana não está nervosa por acaso. Seus dias têm sido tensos, passados entre shows, dietas, ginástica e cuidados com o filho de 5 anos. “Estão achando que é fácil? Não é não”, reclama, pelos cantos.

Depois de desfilar na Mangueira, Mariana sonha em conseguir um convite para posar nua. E assim comprar uma casa, trocar de carro, arrumar a vida. Quer fazer sucesso no “meio artístico”. Essa expressão, vaga, é usada por quase todas que se preparam para ser destaque-pelada-furor do Carnaval carioca. A dieta muda um pouco entre uma e outra, mas a base da pirâmide é a mesma: muita malhação e o máximo de exposição pública possível. O resultado do esforço é ter a bunda exibida por alguns minutos na TV Globo. De preferência com o nome escrito e a palavra “destaque” ao lado. Mas tem algo mais importante que o nome. “Você não vai tirar nenhuma foto de baixo?”, pergunta uma das moças para nosso fotógrafo.

Miss Melão
Ser destaque de escola de samba é coisa séria e o clima nos bastidores dos barracões lembra o de um concurso de miss. Há familiares acompanhando jovens, fofocas (quem será a namorada do jogador Adriano?) e competição. O clima tenso tem fundamento. Se exibir na passarela já criou mitos como Luma de Oliveira, rainha de bateria e ex-mulher do bilionário Eike Batista. Na sombra de Luma, vieram Adriana, a Bombom, e Renata Frisson, a Mulher Melão.

A Melão, inclusive, orgulha-se ao contar que virou quem é (uma celebridade, oras) depois de fazer sucesso desfilando nua na Vila Isabel em 2008. Durante o ano passado, boatos pipocaram dizendo que a moça comprou seu cargo de rainha de bateria da Lins Imperial. Ela desmente: “O que fiz foi comprar a fantasia, que é cara, e pagar pela festa de coroação”. Ela assume ter gasto cerca de R$ 50 mil. Quem não quer ter o mesmo poder?

Glenda Santos, musa da Mangueira, quer. Sua entrada no tal “meio artístico” se iniciou ao ser escolhida para ter o corpo exibido na abertura da reprise da novela Pantanal, no SBT, em 2008. “Depois disso, posei para a revista Sexy. Agora, quero conseguir algo na TV ou outro convite para posar”, diz a moça, que assume: “O Carnaval é um momento bom para a gente que trabalha com exposição do corpo”. Para expor o seu, ela treina todos os dias e ingere cápsulas de um aminoácido usado para reconstituição muscular. Quanto mais “rasgada” (leia-se bombada, musculosa), melhor.

Quem não gosta de samba...
“Este vestido não está meio largo?”, pergunta Nicole Bahls, conhecida por ser uma das Paniquetes (assistentes de palco do Pânico na TV), na praça de alimentação da Cidade do Samba. Ela usa um vestido com paetês que “acabou de chegar de São Paulo”. Nicole vê a oportunidade de desfilar de forma pragmática. Já foi convidada para posar nua, mas, segundo a própria, o cachê era baixo. “Se, além de ser Paniquete, eu arrasar como musa, esse cachê sobe.” Para “arrasar”, Nicole aproveita suas férias da TV para sambar na quadra da Mangueira e malhar todos os dias durante uma hora e meia. Sua dieta é basicamente frango e arroz integral. Ela também ingere diariamente 12 claras de ovos. Sua musa é Luma de Oliveira, sua ex-sogra. Sim, Nicole já namorou o filho de Luma e Eike.

A presença de moças como Nicole, que até poucos meses nunca tinha estado na quadra da Mangueira, é, claro, vista com desconfiança por muitos membros da indústria do Carnaval. “A mídia transformou o Carnaval em um desfile de bundas e peitos”, diz Wagner Tavares, diretor de Carnaval da Imperatriz Leopoldinense. Ele tem 30 anos de avenida e se declara contra a invasão das beldades dos tempos modernos nos desfiles. “Se a gente não tomar cuidado, um dia a ala de baianas vai ser formada por mulheres de 20 e poucos anos, malhadas e peladas”, exagera. Wagner conta que é assediado por moças que querem desfilar sob os holofotes da Imperatriz. Não só por moças, mas por mães de moças. “Existe mulher que tenta vender a filha. Elas dizem que a filha é linda e soltam: ‘Já disse pra ela que precisa casar com um homem mais velho, para dar estabilidade’.”

Para sair na Imperatriz, segundo Wagner, tem que gostar de verdade do Carnaval. E estar com o corpo em forma. “Não tenho meias palavras. Quando vejo uma passista da escola gorda já aviso que precisa emagrecer, senão está fora.” Ele conta que, a partir do segundo semestre, elas se transformam. “No meio do ano estão barangas. Aí começam a tomar bomba, fazer ginástica e param de comer. Depois volta tudo de novo.”

“No meio do ano estão barangas. Aí tomam bomba, fazem ginástica e param de comer. Depois volta tudo de novo”, Wagner Tavares, diretor de Carnaval da Imperatriz Leopoldinense

A ex-BBB Priscila Pires, que estreia este ano como musa da Salgueiro, tem aulas semanais de samba para não atravessar na avenida. “Se na hora a menina se distrai , fica olhando para o lado, pode atrapalhar a escola”, explica a assessora de imprensa salgueirense, Flávia Cirino, que garante: “Na escola, famosa ou não, todas são tratadas iguais”.

Mas a postura das moças é diferente. A entrevista com as musas da Salgueiro foi marcada na quadra da escola. Priscila chegou com uma hora e meia de atraso, depois que suas colegas já haviam ido embora. “Que pena, ainda não conheço nenhuma das meninas. Sou a única que está desfilando pela primeira vez?”, pergunta à repórter.

Priscila tem todo o estereótipo de uma neofamosa. Vestido branco curto, saltos altos, BlackBerry na mão. Está acompanhada de uma empresária e garante não estar com esperança de conseguir trabalho algum após o desfile. “Meu cachê já é alto”, esnoba.

Você deve tudo isso ao Big Brother? Claro que sim. Se eu não tivesse ido para o BBB você não estaria me entrevistando.

Mas eu não estou te entrevistando porque você é ex-Big Brother, e sim porque você é musa da Salgueiro. Mas se eu não tivesse participado do Big Brother não seria musa no Carnaval.

Recesso parlamentar
Elaine Azevedo, a colega de Priscila no cargo de musa, não precisa de aulas de samba. Ela já desfilou como destaque cinco vezes e foi rainha de bateria da Estácio de Sá. “Meu pai é amigo do presidente da Viradouro e comecei a conhecer as pessoas do meio.” No ano em que foi rainha, Elaine foi eleita a bunda do ano por um portal de internet. A moça, jornalista formada e concursada, é assessora parlamentar em Goiânia, mas tirou férias para se preparar para o Carnaval. Foi à entrevista acompanhada pela mãe, que se comporta como mãe de miss de carteirinha.

Outra musa da Salgueiro, Fernanda Figueiredo diz que fez o sacrifício de deixar sua família em Vitória, no Espírito Santo, pelo Carnaval. Trocou a casa por um quarto e sala no Grajaú. “Antes eu vinha para o Rio só no Carnaval. Este ano decidi mudar de vez”, conta a moça. Sua irmã veio junto para dar uma força com os compromissos. “Já consegui algumas coisas, como aparecer no Caldeirão do Huck”, revela. Fernanda malha três vezes por semana. Em outras duas, faz drenagem linfática. Sua agenda ainda tem espaço para sessões de corrente russa. “É aquela coisa em que você fica tomando uns choques na barriga”, descreve.

“Se eu não tivesse participado do Big Brother, não seria musa do Carnaval”, Priscila Pires, que estreia na Salgueiro este ano

A rainha de bateria da Portela, Juliana Portela (o sobrenome foi adotado por ela em homenagem à escola), tem a mesma dedicação. E já é recompensada. Em um ensaio, fãs se ajoelham aos seus pés e ela, de saia prateada e top com as cores da escola, tira foto com crianças. Mas Juliana é caso raro no Carnaval. Por três anos consecutivos, os músicos da bateria portelense fizeram abaixo-assinados pedindo que ela fosse eleita para o cargo. Isso porque a moça foi criada na rua Clara Nunes, em Madureira, em frente à escola, e é figura carimbada nos ensaios. A vontade do povo foi atendida depois da desistência da musa Luma de Oliveira. Ela conta que se prepara sambando três vezes por semana, malhando todos os dias, tomando suplementos alimentares e comendo oito claras de ovos por dia. Ser rainha de bateria de uma escola como a Portela pode transformar radicalmente a vida de uma garota.

De acordo com o filósofo Mario Sergio Cortella, tanto nervosismo faz sentido. “Essas meninas estão se preparando para um momento em que tudo é fugaz. Desde o tempo em que desfilarão até a fama que podem ganhar”, pondera. Cortella compara o cargo de musa com a profissão dos jogadores de futebol. “É como se elas estivessem concentradas, esperando pela hora em que vão ser descobertas por algum olheiro”, afirma. No caso dos jogadores, o olheiro pode oferecer um contrato em um time internacional. No das moças do Carnaval, um convite para posar nua está mais que bom.

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