Aos 63, Regina, mãe do estilista Alexandre Herchcovitch, se prepara para a carreira solo
Quando os dois filhos de Regina Herchcovitch tinham 12 e 16 anos, apareceram em casa com uma novidade: queriam fazer uma tatuagem. Até aí, normal. Eu também passei por isso. E levei um “não” da minha mãe quando contei o plano. Só que Regina fez diferente. “Aproveitei e fui junto, já que eu também estava louca para fazer”, conta a mãe do estilista Alexandre e do administrador Artur Herchcovitch. Nessa tarde dos anos 80, Regina voltou para casa com uma aranha tatuada em um dos dedos. “Cada um de nós fez um bicho, virou uma coisa nossa.”
A atitude diz muito sobre a personalidade de Regina e sua família. E no decorrer deste texto você vai perceber que não dá mesmo para separar uma coisa da outra. Os Herchcovitch são tão unidos que se homenageiam em tatuagens. Regina tem também uma caveira desenhada pelo filho em um dos braços. O pai, o engenheiro Benjamin Herchcovitch, gravou o mesmo desenho em cada um dos braços, também para homenagear o estilista da família. E Artur desenhou nas costas um retrato do pai e da mãe.
Regina é conhecida no mundo da moda como a “mãe do Alê”, título que aceita com orgulho de mãe judia assumida. Mas a ex-bancária que sempre adorou moda nunca ficou só no papel de mãe orgulhosa. Trabalhou, por 15 anos, com os dois filhos. Era ela quem cuidava da produção de roupas da grife Alexandre Herchcovitch até um ano atrás. Artur, o “filhinho mais novo”, administrava o financeiro. “Deixávamos o Alexandre com uma base boa para que ele pudesse criar, tocar seus outros projetos e viajar sem se preocupar.”
Agora, aos 63 anos, a matriarca vai se lançar em carreira solo no mundo da moda. Este mês, inaugura a loja Le Look, em sociedade com Artur. Regina é amiga das agulhas faz tempo. Ainda menina, começou costurando para fora e teve uma confecção de lingerie. E não teve dúvidas em largar tudo quando o filho estilista estava montando sua grife e pediu: “Preciso que você venha me ajudar”. Alguma mãe resiste a um pedido desses? Regina não resistiu. E só “largou” o filho agora por achar que ele está seguro. Bem seguro. “Parei de trabalhar com o Alê porque ele está bem amparado.” O que chama de amparo é na verdade a venda da grife de Herchcovitch para o conglomerado In Brands, realizada ano passado.
E o que uma mãe judia faz quando percebe que um filho está seguro? Passa a cuidar do outro. Regina escolheu investir com Artur em uma grife de grávidas e bebês por uma razão peculiar. Sua nora, a esposa do caçula, está grávida de Davi, o primeiro neto da família. “Fui comprar uma roupa para ela e tive dificuldades para encontrar uma coisa moderna. Achei então que seria legal fazer uma grife para grávidas e acabei incluindo peças de bebês.” A mãe judia se prepara agora para ser uma avó judia.
Posso cortar o cabelo?Regina recebeu a reportagem da Tpm em meio às obras da reforma da loja, em um sobrado do bairro paulistano da Vila Madalena. Vestia uma camiseta de malha estampada de caveiras e um blazer da Cori, também desenhado pelo filho. Os cabelos loiros, que batiam na cintura, foram cortados há menos de um ano. “Tive vontade de mudar e perguntei a opinião do Alê. Ele me mandou ir ao Celso Kamura.” O filho é tão dedicado que, antes, ligou para o badalado cabeleireiro a fim de discutir o corte da mãe. “Não faço nada sem a opinião dele”, assume. E se o filho tivesse falado para ela não cortar? “Eu não teria cortado.” A obediência é recíproca. O estilista também não faz nada sem o conhecimento de Regina. “Compartilho tudo com ela, de momentos engraçados a fofocas”, conta.
A união da família é daquelas que fazem até um anarquista passar a acreditar em valores familiares. Todas as peças que mobiliam a loja de Regina foram escolhidas pelos dois e por Alexandre. E Benjamin também participa, do seu jeito. “Ele só usa roupas do Alexandre. Vai trabalhar tão moderno que às vezes eu falo: ‘Menos, Benjamin!’”, diverte-se Regina. Em todos os desfiles de Alexandre, sem exceção, os dois estão sentados na primeira fileira. De mãos dadas. “Tenho o melhor marido do mundo”, derrete-se.
A sinceridade com que Regina se refere ao marido também quebra paradigmas e faz com que qualquer pessoa descrente em casamentos reveja seus conceitos. “Ben é o tipo de pessoa que acorda rindo, que sempre apresenta soluções, que não faz drama.” Detalhe: estão casados há 40 anos. “Nos encontramos na casa de um tio quando eu tinha 13 anos e ele, 14. Nos apaixonamos.” Isso existe. O casal é a prova. “A gente vai ficar junto para sempre, isso é certo”, diz o marido de Regina, chamado por ela, carinhosamente, de Ben.
Ela e o Boy George
Mas não estamos falando de um mundo perfeito de comercial de margarina. Regina perdeu o pai quando tinha 6 meses. Foi morar, ela e os dois irmãos, com os avós em Botucatu, no interior de São Paulo. Voltou para a capital no início da adolescência, quando a família ficou sem dinheiro e decidiu que só um dos filhos poderia estudar. Regina, já muito prática, foi trabalhar como bancária. E depois de casada começou a costurar uma peça aqui, outra ali. “Aprendi sozinha, com aquelas revistas que vinham com moldes.”
“Minhas maiores influências são a minha mãe e o Boy George.” Alexandre Herchcovitch costuma falar isso em entrevistas. “Quando eu era adolescente ficava observando a maneira como ela se vestia e combinava as roupas. Esses momentos, presentes até hoje em minha memória, me influenciaram muito”, explica. “Isso aconteceu no meio dos anos 80, quando roupas justíssimas andavam lado a lado com silhuetas mais folgadas. Se observar meu trabalho, vai perceber que essas formas se repetem.”
Além de ter o “melhor marido” do mundo, Regina também é mãe dos “melhores filhos”. “Eles são maravilhosos, nunca me deram trabalho.” Mas nem quando eram adolescentes? “As rebeldias deles nem eram assim tão rebeldes. Eu era chamada na escola, por exemplo, porque o Alê estava com o cabelo pintado de rosa, todo espetado. Aí eu perguntava: ‘E o que isso tem de mais?’.” Nesse caso, a própria Regina havia tingido as madeixas do filho – que começou sua carreira desenhando figurinos para drag queens e travestis.
O door e blogueiro Marcelo Ferrari, conhecido como Marcelona – um ser tatuado que muitas vezes está vestido de mulher –, é amigo de Herchcovitch desde a adolescência e conta que nunca deparou com um preconceito sequer na casa da família do amigo. “A dona Regina pode me encontrar de homem, de mulher, sem dente, pedindo esmola ou fazendo compras em Nova York. O tratamento é sempre o mesmo.” Regina não tem problemas em ver os amigos do filho montados, tampouco o próprio. Quando soube que certa vez o estilista quase saiu na capa da Tpm vestido de mulher, soltou: “Ele fica lindo de mulher!”. Precisa dizer mais alguma coisa?