por Nina Lemos
Tpm #107

Da pobreza à Globo, do jornalismo à fama, Glória não faz por menos

Ela foi a primeira repórter negra da TV Globo, primeira (e única) a apresentar o Fantástico e é do tempo em que jornalista não era tratado como celebridade. Cercada de mitos, Glória Maria continua escondendo a idade, tomando suas pílulas naturais e fugindo dos relacionamentos-padrão. Mas, agora, aprende um novo ofício: mãe.

A repórter Glória Maria, ao contrário das moças de sua época, não foi criada para casar. “Minha avó falava que eu tinha que ser livre, que isso era a coisa mais importante. E que não era para eu depender de homem nenhum.” Ela dizia isso porque viu a escravidão de perto. “Minha tataravó foi beneficiada pela Lei do Ventre Livre”, conta Glória, em um ambiente bem distante da infância pobre passada no subúrbio carioca. Estamos num restaurante do Leblon, bairro de classe média alta do Rio de Janeiro, lugar onde ela mora há mais de 20 anos, em um apartamento na quadra da praia (um dos metros quadrados mais caros da cidade).

Glória se atrasa meia hora. E se equilibra em saltos altíssimos. Usa joias, bolsa de grife e quase nenhuma maquiagem. Seu motorista a espera na porta. E, durante as quase duas horas que passamos no local, seus três telefones não param de tocar. Ela carrega um BlackBerry, um rádio e um iPhone. “Já estão ligando da minha casa de novo. A coisa aqui é animada”, ela diz, rindo. O motivo de tanta animação não é só o trabalho. Mas a vida de mãe solteira de Laura, 2 anos, e Maria, 3, irmãs que ela adotou em 2009. A ligação era de uma de suas duas babás, que avisa que Laura está com febre. Glória, imediatamente, aciona o motorista para que a pegue na escola. E liga em seguida para saber o estado febril da menina.

Laura e Maria
Na hora em que chega ao restaurante, às três da tarde, ela avisa: “Tenho uma proposta para te fazer. Eu preciso comprar um presente até as cinco da tarde para as meninas levarem numa festinha. Você vai comigo e a gente termina a conversa lá”.

Isso acontece, de fato. E quando percebo estou em um shopping carioca ajudando Glória a escolher uma joia de presente para a amiga das filhas – o preço bate os quatro dígitos, diga-se de passagem. Todos ao redor olham para Glória Maria. Claro. Ela é uma instituição. Desde que éramos crianças, a víamos na TV. Primeiro, como repórter, fazendo coisas incríveis como voar de asa-delta, escalar montanhas no Himalaia etc. Em seguida, como apresentadora do Fantástico, cargo que ocupou por dez anos. Depois de dois anos afastada da TV, ela voltou e hoje faz as vezes de repórter do Globo Repórter.

A jornalista carrega o trunfo de ter sido a primeira repórter negra da Globo e a primeira a apresentar o programa dominical. “Muita gente não se conformava, como se fosse uma agressão eu estar ali”, lembra Glória, para quem o racismo ainda existe, sim. E muito.

Porém, ela não perde tempo se lamentando. Rompe barreiras não só na vida profissional. Casou uma vez, mas separou porque não queria morar junto. Vive um relacionamento “sem rótulos”. Não pensava em ter filhos. Até conhecer Laura e Maria e mudar seu estilo de vida. A moça, que criou mitos ao não revelar a sua idade (e continua não revelando. Estima-se que tenha 60 anos) e ao afirmar que toma centenas de pílulas por dia, é de vanguarda sem levantar bandeira. E totalmente hiperativa. “Você vai achar que sou louca, não é? Faço mil coisas ao mesmo tempo”, ela diz, enquanto liga para o motorista para dizer que ele precisa deixar o presente em casa, levar as meninas à festa, voltar para o shopping para pegar Glória, que decide passar em outra loja e... assim é um dia com Glória Maria.


Como você virou jornalista? Eu não pensava em ser jornalista. Nem tinha como sonhar com isso e naquela época nem existia direito essa profissão. Eu era muito boa em redação na escola. E, uma vez, uma amiga que trabalhava na Globo me disse que tinha uma vaga para estágio lá. Fui e fiquei. Ao mesmo tempo, comecei a trabalhar como telefonista na empresa que era a estatal de telefone na época. Não dava para trabalhar sem ganhar nada! Aquilo era um luxo que eu nem podia pensar em me dar. E o estágio não era remunerado. Por um ano, trabalhei nos dois empregos, inclusive nos fins de semana. A minha vida era assim: eu chegava na Globo às oito da manhã e saía às oito da noite. Ia para meu cursinho pré-vestibular, depois para casa e dormia uma hora. Acordava para passar a madrugada na companhia telefônica. Passei um ano assim. Até que a Globo me contratou.

Você imaginava que um dia ficaria famosa? O próprio jornalismo de televisão estava começando. Não tinha essa coisa glamorosa que as pessoas imaginam e eu não pensava em aparecer na TV. Não existia isso. Quando comecei, os repórteres apuravam, mas não apareciam. Eu estava feliz por poder viver de escrever. E tinha outra. O Jornal Nacional era apresentado pelo Cid Moreira e pelo Sérgio Chapelin. Pronto. Aquilo era uma instituição. O grande sonho na época era ser repórter do Jornal Nacional.

Você acha que os jornalistas que entram hoje na TV sonham com o quê? Acho que o sonho de ser repórter não existe mais. A reportagem passou a ser só um caminho para você atingir seu verdadeiro sonho, que é apresentar um programa e virar uma celebridade.

Mas você tinha o sonho de ser uma celebridade? Claro que não! Não existia isso! Ninguém ficava famoso no jornalismo. Só o Cid e o Sérgio. Não existia cultura de celebridades na época. Como é que você pode sonhar com uma coisa que nem existe? E depois, quando virei repórter que aparecia no Jornal Nacional, eu ía de bicicleta para o trabalho e depois para a praia com uma turma incrível. Eu, Cazuza, a Isabel do vôlei. Ninguém me achava nada de mais porque eu era jornalista, imagina.

Você era quase adolescente na época. Como era isso? Tudo se misturava. Eu tinha 16 anos e os câmeras que trabalhavam comigo tinham 18, por aí. Somos muito amigos até hoje. Saíamos para dançar toda noite. Não tínhamos um centavo no bolso, mas éramos caras de pau e descolados. Isso foi me dando uma outra visão do mundo. Era ao mesmo tempo meu trabalho e a minha turma. Eu, claro, achava tudo isso absolutamente divertido.

Você é workaholic? 
Nunca fui. O jornalismo para mim é uma paixão. Nunca senti aquilo realmente como um trabalho. E, como nasci em família muito pobre, fui acostumada com uma vida dura e sem frescura. A gente sempre acordava cedo, era o normal. E levei esse modo de vida espartano para a vida de repórter.

Você era muito pobre? Era. Nunca passei fome, mas era tudo contadinho. Meu pai era alfaiate e minha mãe dona de casa. Ela tinha mania de organização. A gente podia ter só um vestido. Mas estava sempre arrumadinho. Eu herdei isso dela. Sou obsessiva com limpeza. Minhas filhas trocam de roupa umas quatro vezes por dia [risos].

Como foi a sua infância? Morava no subúrbio do Rio, perto de Jacarepaguá. Meus pais se separaram e fui criada por muito tempo pela minha avó, que era uma verdadeira matriarca. Tudo na família girava em torno dela. Era aquela infância de passar o dia inteiro na rua, de subir em árvore. Acho que foi isso que me tornou uma pessoa tão ativa. Tenho esse problema, faço milhões de coisas ao mesmo tempo. Preciso estar sempre em movimento.

“Fui para a praia com as meninas e me fotografaram de biquininho. Eu já tinha desistido de ir à praia. Mas, com as minhas filhas, pensei: ‘Ah, que desperdício’. Mas aí fotografaram. Não é legal. Mas também não é um drama”

Mas hoje você é uma celebridade. Como se sente sendo famosa? Não consigo me ver assim. Não adianta. A minha formação é de jornalista. Nunca tive segurança, assessor de imprensa, nada disso. Ando na rua normalmente, faço as minhas coisas. Mas é claro que jornalista de TV virou celebridade. Ainda mais eu, que apresentei por dez anos o Fantástico. Antes, já era conhecida porque fazia coisas inusitadas. Fui a primeira mulher a fazer matérias de aventura na televisão [ela escalou o Himalaia e o paredão mais alto do Grand Canyon e desceu por uma corda o bondinho do Pão do Açúcar], a voar de asa-delta, a cobrir guerra [como a guerra das Malvinas, em 1982]. Mas acho que fiquei conhecida mesmo porque subia em todos os morros e favelas sem problemas. Não pensava em nada, só ía. Mas era normal. Hoje, as pessoas olham, mas existe um respeito por eu ser jornalista. Claro, tem paparazzo. Só que sempre morei no Leblon [bairro do Rio de Janeiro onde os paparazzi dão plantão], não vou mudar de bairro por causa disso. Outro dia fui para a praia com as meninas e me fotografaram de biquininho. Eu já tinha até desistido de frequentar a praia por causa disso. Mas, com as minhas filhas, pensei: “Ah, que desperdício”. Mas aí fotografaram. Não é legal. Mas também não é um drama.

Você foi a primeira mulher negra a ser repórter da Globo. Depois, a primeira negra a apresentar o Fantástico. Enfrentou muito preconceito? A minha avó me contava sobre um bisavô que foi laçado nas montanhas de Minas Gerais. A minha tataravó foi beneficiada pela Lei do Ventre Livre. Então, a minha avó me ensinou assim: você tem que ser livre, não tem que procurar marido, nada disso. Tem que buscar a sua liberdade da alma. Então, a minha preocupação era em combater o preconceito racial. Primeiro dentro de mim, para que isso não me deixasse uma pessoa triste, amarga. E também para que eu não usasse isso como uma defesa. Tipo, receber uma crítica e dizer: “Ah, estão falando só porque sou negra”. Sempre foi um exercício muito grande na minha vida isso. Li muitos livros sobre o assunto. E também fiz quase 20 anos de terapia, claro.

Você chegou a ter problema em um hotel. Fui a primeira pessoa do Brasil a usar a Lei Afonso Arinos. Na época, racismo não era crime, era só contravenção. Mas uma vez um gerente de um hotel tentou me proibir de entrar pela porta da frente. Aí chamei a polícia. Foi quando percebi que tudo o que eu tinha tentado aprender na minha vida deu resultado. Não me fiz de vítima, não me fiz de algoz. Simplesmente soube usar a lei.

“Minha avó me ensinou assim: ‘Você tem que ser livre, não tem que procurar marido, nada disso. Tem que buscar a sua liberdade da alma. Então, a minha preocupação era em combater o preconceito racial”

Você acha que o racismo diminuiu? Acho que não. O que existe hoje é lei. E a lei não acaba com o racismo, que é um sentimento das pessoas. Hoje, você tem negros protagonistas de novela, como a Taís Araújo, o Lázaro Ramos. Mas mesmo hoje está tendo uma discussão enorme porque o Gilberto Braga colocou o Lázaro Ramos de galã da novela sem enfatizar que ele é negro. Aí disseram: “Mas como não vão debater a questão racial?”. Agora, gente, quando colocam um branco debatem essa questão? É a mesma coisa que eu falar: “Hoje conheci uma jornalista da Tpm, ela é branca”. Isso não acontece. Mas ainda falam: “Ah, uma negra”. O racismo está aí. Mas existe um desejo de que diminua. Então, existem as cotas, a vontade de colocar protagonistas negros. Mas só isso ser notícia já prova que existe racismo. Senti isso na pele quando apresentei o Fantástico.

O que aconteceu quando você foi colocada com tanto destaque? Para muita gente, era uma agressão eu estar lá. “Como uma mulher negra pode estar apresentando um programa que é símbolo de glamour, de mulheres lindas?” Eu era muito mais cobrada. Agora, na TV Globo, nunca houve racismo. E, quando falo isso, falo da família mesmo. Já recebi várias propostas para sair. Nunca saí por causa disso. Só cheguei onde cheguei porque me abriram espaço. Fui a primeira repórter do Jornal Nacional, apresentei o Fantástico quando ele estava no auge. Hoje, sou uma das principais repórteres do Globo Repórter. O doutor Roberto [Marinho, dono da Rede Globo, falecido em
2003
] acreditava no talento. E só. Nunca fui vista como uma pessoa estranha no ninho. Isso pelo primeiro escalão. Agora, pelo segundo, às vezes tinha aquelas coisas. “Por que ela e não eu?” Para você ter uma ideia, teve gente que disse que eu estava apresentando o Fantástico por causa do movimento negro. Vê se pode.

Você foge dos padrões também na vida pessoal. Você nunca casou. E agora adotou sozinha suas filhas... Nunca pensei em ter uma família nos moldes. Casei uma vez, no papel, mas também foi uma coisa muito diferente. Casei em um cartório de Copacabana, ninguém ficou sabendo. Só os padrinhos e um motorista. Só contei para as pessoas quatro anos depois, quando me separei. E, no mesmo dia em que casei, registrei em cartório uma declaração dizendo que, por mais que a gente tivesse casado, a gente nunca ia morar na mesma casa. Ele não era brasileiro. Mas o homem sempre acha que a gente está fazendo isso de charme, e que depois vai mudar de ideia. Aí ele começou a trazer as coisinhas dele. Depois de três anos, viu que não ia rolar. E aí acabou.

Você nunca morou junto? Morei. Morei sem estar casada. E não gostei. Sou muito livre. Depois dessa experiência jurei nunca mais morar junto. Mas nunca fui de planejar as coisas.

Não planejou nem na hora em que decidiu adotar suas filhas? Não planejei nada. Eu tinha pedido para sair do Fantástico. Trabalhei todo fim de semana por dez anos, sem parar. Estava cansada dos quadros que fazia, de tudo. Conversei com o meu diretor e, como reconhecimento de uma vida inteira dedicada à empresa, me deram um sabático de dois anos. Eu queria fazer várias coisas. Viver sem câmera, viajar. E também fazer trabalho com crianças abandonadas. Porque eu viajava, via crianças em situações péssimas e tinha vontade de fazer alguma coisa. Passei meses na Índia fazendo trabalho voluntário na cidade mais pobre do país. Acordava às três da manhã, servia café, cuidava de crianças abandonadas e de mendigos. Fiquei maravilhada. Depois, fui sozinha trabalhar com crianças abandonadas no interior da Nigéria. Voltei para o Brasil e pensei que precisava fazer algo parecido. Fui para o Festival de Verão, em Salvador. Quando cheguei lá, encontrei pessoas de uma instituição e me ofereci para ser voluntária. Aí vi as minhas duas filhas. Olhei para uma, o mundo parou. Olhei para outra, o mundo parou. Logo, já estava querendo saber a história delas e como adotá-las. A Laura tinha 17 dias. E a Maria 9 meses.

Você não teve dúvidas? Não. Elas são minhas. De outra vida, ou de agora. Não é aquilo: “Ah, elas são filhas do coração”. Elas são minhas. De verdade. Fiquei um ano cuidando delas na Bahia, dos papéis. O que elas me ensinam todos os dias, você não imagina. Outro dia eu estava dando uma bronca na Laura, porque sou uma mãe bem dura, sabe? Não dou mole não. E ela me fala: “Mãe, feliz, feliz. Não precisa ficar nervosa”. O que eu faço depois de ouvir uma coisa dessas? Acabo parando de dar a bronca, né? E pensando que ela tem razão, que eu não preciso ficar nervosa, que posso levar aquilo com leveza.

Mas você sempre gostou de criança. Sempre amei. Tenho quatro afilhadas. Amo todas, absolutamente igual. Mas uma sempre foi muito próxima. Desde os 8 meses ela ficava comigo. E estava com uma idade em que podia viajar. Ficamos muito próximas, olha aqui [Glória mostra uma pulseira que não deixa de usar em que está escrito “Julia”]. Ela é, de certa forma, minha filha. Hoje, minhas filhas são apaixonadas por ela. E ela adora as meninas. É quase uma relação de irmãs mesmo. São grudadas. É a coisa mais linda do mundo. Por isso que te falo. Estava feliz como tia, madrinha, sempre tive criança perto de mim. Não planejava mesmo adotar as minhas filhas. Mas também sempre fui uma pessoa que nunca disse nunca. Acho que tudo pode acontecer.

O que mudou na sua vida prática com a adoção das meninas? Tudo. Minha vida estava perfeita, maravilhosa. Moro em um apartamento enorme, mas tinha quebrado todas as paredes e feito um quarto e sala. Todo branco, imagina. Tive que reformar o apartamento inteiro de novo. Tinha uma empregada que cuidava de todas as minhas coisas. Hoje, sou mãe sem marido. São duas meninas praticamente gêmeas, com menos de um ano de diferença. Então, uma babá ficou inviável. Tenho que ter duas. E mesmo assim eu faço muito, claro. Porque, se estou em casa, elas só querem saber de mim. E tenho que dar atenção para as duas. Se vou dar comida, coloco as duas sentadas. Dou uma colherada para a Maria, outra para a Lalá. Se tenho duas babás, tenho que ter uma pessoa para arrumar a casa. Tenho mania de limpeza, sou paranoica. Quero deixar tudo sempre arrumado, o que com duas crianças é impossível. Com tanta gente em casa, tem que ter uma cozinheira, e eu praticamente não como.

Como assim não come? Só como peixe, salada e macarrão missô. Em restaurante, só vou a japonês.

Por quê? Por alguma questão ligada à saúde? Não. Fui me adaptando por causa da vida de jornalista. Desde muito cedo passei a ir para lugares distantes, aqueles confins da Amazônia. Aí fui restringindo. Passei a comer peixe, a levar uma lata de sardinha. Isso acabava com o problema da alimentação. Tem gente que tenta preservar a sua vida. Eu não, fui me adaptando ao jornalismo. Não como farinha, por exemplo. Aí como um ovo cozido, que é uma coisa que tem em qualquer lugar. Prefiro comer um ovo com sardinha a qualquer iguaria. Fui ficando assim. Se você vai para o Himalaia, uma lata de sardinha vai te garantir.

Por que você se recusa a revelar a idade? O tempo de cada um é diferente. Isso é uma coisa que aprendi com o budismo. O que é 24 horas para você, é diferente para mim. Se o seu tempo não é igual ao meu, por que a gente vai medir o tempo cronológico das pessoas com a idade? Isso é uma bobagem! Mas não tenho nenhuma queixa. Tá tudo certo. Não quero ser mais nova. Nem mais velha. Estou do jeito que queria estar. No meu tempo. E não escondo a idade desse jeito também não. Se virou uma lenda, eu mantenho. Agora, ando com meu passaporte para cima e para baixo.
Meus amigos que começaram a trabalhar na mesma época sabem a minha idade e até brincam. Quando fui fotografada de biquíni, um deles ligou para mim e disse: “Pô, você com essa idade de biquininho, vou começar a te chantagear!”.

“Tenho orgulho de nunca ter feito plástica nem preenchimento, essas coisas. Tenho pavor de Botox. As pessoas falam que sou louca por causa das minhas pílulas, mas tomam injeção na testa de uma toxina que paralisa”

E o que você acha da cobrança pela eterna juventude, ainda mais na TV? Nunca me cobraram. As pessoas é que se cobram. Agora, entrou todo mundo na paranoia do HD. Quando comecei a trabalhar, era filme. O filme tem uma resolução muito mais forte que o HD. Então, é o seguinte: quem é do tempo do filme não teme o HD. E essas meninas mais novas ficam nessa piração: “Ai, tenho que botar filtro, não sei o quê”. Eu, por exemplo, nunca fiz plástica. Tenho orgulho de nunca ter feito plástica nem preenchimento, essas coisas. Provo para você [ela afasta os cabelos e mostra atrás da orelha] e tenho pavor de Botox. Nunca fiz. As pessoas falam que eu sou louca por causa das minhas pílulas, mas tomam injeção na testa de uma toxina que paralisa. Quer fazer, tudo bem. Cada um tem que fazer aquilo que faz se sentir melhor. Mas o que me faz bem mesmo são as minhas pílulas.

Quando você começou a tomar as pílulas? Aqui, ó [ela tira da bolsa uma caixinha de remédios lotada de pílulas de todas as cores e formatos]. Isso aqui não é nada. É só para a parte da tarde. Tomo centenas por dia. E cada vez que viajo trago novas, compro nas lojas naturais. Eu comecei sabe como? Com o Armando Nogueira [ex-diretor de jornalismo da Globo, morto em 2010]. Ele começou a tomar vitamina C, vitamina E. E falava para mim: “Você precisa tomar também!”. Aí comecei a viajar e comprar outras e tomar.

E o que os médicos falam disso? Nada. Eles não têm nada a ver com isso. Eles precisam saber é se a minha saúde está boa. E em geral está. Tenho uma nutróloga em São Paulo, uma médica maravilhosa no Rio. E eles não falam nada, porque a minha saúde está boa.

E essas pílulas são para rejuvenescer? Não! Esse é mais um dos mitos que as pessoas têm sobre a minha vida. As minhas pílulas são para tudo. Tomo para o sistema imunológico, para ter energia, para prevenir o envelhecimento das células do cérebro, para absolutamente tudo. É uma mania minha. E uma coisa que me faz bem. E todas são absolutamente naturais.

Você é muito vaidosa? Não sou! Esse é um dos outros mitos que as pessoas têm sobre mim. Olha para a minha cara. Eu não estou maquiada! E, sim, eu tenho rugas. Só que, como sou preta, tenho uma pele boa. Mas também muito sensível. Odiaria fazer plástica, por exemplo, e ficar com queloides. Sei que preto tem muita propensão a formar queloide, por isso tomo cuidado. Cuido da minha saúde.

Você é muito preocupada com a saúde? Sou. Não fumo. Parei de beber há uns dez anos e não uso drogas. E faço pilates e caminhadas. Se bem que relaxei um pouco desde que adotei as minhas filhas. Meu maior exercício agora é carregar criança.

Você disse que é uma mulher muito livre. Como os homens lidam com isso? Os homens? Ah, eles ficam apavorados, né? No início acham lindo. No primeiro mês, saem correndo [risos]. Eles não estão acostumados com mulheres livres. Mas livres de verdade, do fundo da alma. O homem brasileiro é muito, muito machista. Acabei me relacionando muito com estrangeiros. Homem acha que vai ser cuidado. E não é isso o que eu vou fazer. A maioria, no fundo, ainda acha que a gente vai agir. Mas sempre dei sorte e tive homens maravilhosos na minha vida.

Você está namorando? Tenho uma pessoa. Mas não é para chamar de namorado. É uma relação maravilhosa. Ele convive com as minhas filhas. É meu companheiro, uma pessoa com quem eu posso contar para tudo. Mas é uma relação que... Não tem um rótulo que se aplique. A gente se ama profundamente e estou muito feliz. Mas, sinceramente, não tem um rótulo que sirva.

Além de ser famosa, você sai bastante e é uma espécie de socialite carioca, não? Eu tenho amigos de todos os tipos. A Yolanda Figueiredo [socialite carioca], por exemplo, é minha amiga há 30 anos. Era uma outra época. Você não ficava amigo de alguém porque aparecia na televisão. Mas porque frequentava os mesmos lugares. A Yolanda é minha amiga de Regine’s, das boates. E o Cazuza era meu amigo de praia e do Baixo Leblon. A gente ficava horas na praia, depois ia para a casa dele e ficava lá, cantando, falando. Era a época do Circo Voador no Arpoador. E você saía de uma boate para outra andando. Voce ia do Regine’s para o Hippopotamus andando. Era uma maravilha.
Conheci o Zózimo [Barroso do Amaral, colunista social], por exemplo, porque éramos flamenguistas. E ficamos amigos, pronto. As pessoas circulavam e se conheciam mais. O Rio era mais livre e mais verdadeiro.

Hoje você ainda sai à noite? Acho chatérrimo. Deus me livre ir para essa noite. Na época, você dançava desde a hora que chegava até as oito da manhã. Hoje, não existe mais uma boate que você vá para dançar. Não tinha esse negócio de rave, onde todo mundo tem que estar doidão. As pessoas até ficavam doidas de outras coisas, cada um no seu quadrado. Mas era outro mundo. Hoje é um tédio. Saio quando viajo. Antes de adotar as meninas, eu ia todo ano para Saint-Tropez, aí saía para dançar toda noite. Era um mês da minha vida que ia para a praia e saía para dançar. Uma coisa que eu adoro. Adoro a noite.

Você é de família pobre e ficou rica. É arrimo de família? Ah, sou, claro. Há muito tempo, né? Sustento um monte de gente. Mas isso para mim é uma coisa natural. A minha mãe mora a duas quadras de mim. Se eu moro no Leblon, ela vai morar onde? Ela vai morar no mesmo bairro que eu, claro. Se eu tenho, ela também tem. Ajudo minha mãe, minha irmã, meus sobrinhos, todo mundo.

Você parece muito alegre. Já passou por algum momento de depressão? Sabe que não? Tenho momentos de tristeza, claro. Mas nunca fiquei totalmente abatida. E aprendi a lidar com as perdas. Tive a perda da minha avó, por exemplo, uma das pessoas mais importantes da minha vida. E meu pai morreu quando eu tinha 15 anos. Fiquei muito triste. Mas tudo o que eles me ensinaram está dentro de mim. De uma forma muito forte. O que me deixa muito triste é injustiça, a maneira como as pessoas julgam as outras. Se nem eu me conheço, como os outros podem se sentir no direito de me julgar? Isso acontece o tempo todo. E eu não me conformo.

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