Amigas há 20 anos, Nina Lemos e Jô Hallack falam sobre os 17 dias que passaram em Berlim
Jô e o “golão”
Que você se considere malvestida em viagem de frio na Europa não é novidade. “Pense que elas não sabem usar Havaianas com vestidinho”, a Nina tentava me consolar. Mas baixa de autoestima é assim mesmo. Você só precisa de uma desculpa. Como não se vestir moderna e chique como uma berliner. Foi aí que eu descobri que tudo não passava de um mero detalhe. Uma espécie de gola postiça de lã. Às vezes, as golas eram tão grandes que parecia que a sujeita estava com um daqueles imobilizadores de pescoço que a gente usa quando sofre acidente. Um imobilizador de pescoço lindo. Era um golão fashion. Que, claro, se transformou numa obsessão! Nefertiti? Punks com palavras de ordem? Museus de arte contemporânea? Nada parecia ser suficiente. Na minha cabeça só ecoava a palavra golão, golão, golão, golão. Até que comprei um, numa loja sub-H&M. E nunca mais fui a mesma! Agora, no Rio, quando fico macambúzia, visto meu modelo, ligo o ar-condicionado, abro a porta da geladeira e recito: golão, golão, golão!
Nina e a polaina
A primeira polaina custou 1 euro e foi comprada na loja de um turco em Kreuzberg. Depois da primeira a minha vida mudou. Eu era uma berlinense! Eu poderia entrar em qualquer lugar me achando cool. Viciei em polaina e já tenho quatro no armário. Quero usar minhas polainas agora. Quero viver de polaina. Será que a rua onde eu moro está preparada para uma mulher de polaina turquesa?
Frequentar squats, um sonho realizado
A gente ficou amiga porque gostava de algumas coisas em comum. Isso faz 20 anos. Há 20 anos a gente era punk de classe média. Vinte anos depois, continuamos sendo punks de classe média. Mas demoramos 20 anos para realizar um sonho que acalentávamos no CA da ECA (a faculdade onde a gente “estudou”): frequentar squats! Na verdade, na época queríamos morar em squats, coisa que não queremos mais. Squats são os míticos prédios ocupados por pessoas que vivem de graça, como uma comunidade. Em Berlim, frequentamos squats de todos os tipos. Destaque para a festa com música dos Bálcãs em um squat de Friedhein nada turístico, com entrada de 1 euro e água de graça da torneira. O lugar era sujo e lindo. E para o Schokoladen, que tem um bar ótimo. E, o que interessa, os caras do bar eram simpáticos e lindos. Mas, o que realmente interessa, eles são SQUATERS! Outro sonho realizado: “falar com squaters”.
Atividades bizarras
• Descer de tobogã no dia da comemoração da queda do Muro, em Postdamerplatz. A comemoração foi um flop, vários chefes de Estado estavam reunidos e um dominó caía perante um povo alemão imóvel. Foi então que olhamos para um tobogã de gelo, por onde você desce em um pneu. E corremos para ele. Na hora de descer, Jô, em pânico, tentou suplicar com o homem do tobogã que empurra as pessoas: “I’m afraid, please, help me”. O homem não se fez de rogado e nos empurrou com força.
• Ganhar abraço de graça. Uma senhora fazia essa performance em Alexanderplatz, e Jô, sem pensar, se dirigiu a ela. Nina também ganhou um abraço. A mesma Jô ganhou um “passaporte” para entrar na parte leste da cidade, uma performance que uns adolescentes faziam.
Knut & Giovana
Tem gente que viaja para fazer programas hypes. Tem gente que prefere os programas pensata. E existe um terceiro tipo de adulto que, quando viaja, faz programa de criança. Nós! Afinal, quando é que a gente teria a oportunidade de ver um urso-polar. Na verdade, Knut, o ursinho celebridade. Desculpe, se você não sabe quem é Knut é preciso rever suas prioridades de vida. E foi assim que chegamos ao zoológico de Berlim, basta descer na estação em que a Christiane F. se picava! Que não se chama “estação de metrô que a C. F. se picava”, e sim... Zoo. No zoológico tinha vários bichos exóticos, mas ficávamos tipo zumbis abordando passantes e dizendo: “Polar bear?”, “Polar bear?”. No fundo, queríamos dizer “Ursinho Knut!”, mas achávamos que para nossa idade ia pegar mal. Até que conseguimos ver “a ursa-polar”, o Knut ninguém sabe ninguém viu. E o melhor de tudo: ela é namorada do Knut e se chama Giovana! O que foi a glória máxima, principalmente para a Jô (que é homônima).
Como não brigar em viagem
Muito simples, brigue com outras pessoas! Conseguimos passar quase 20 dias dormindo na mesma cama porque Nina resolveu brigar com um amigo que não-estava-hospedado-na-mesma-casa por causa de uma coisa superséria: a Nefertiti. O amigo teimava que ela já estava exposta há muito tempo, e Nina, que não gosta de museu e nem foi ver a Nefertiti, jurava que ela estava há pouco tempo no New Museum. Resultado. O amigo chamou a Nina de louca, que respondeu com um palavrão. A única briga que tivemos foi uma discussão por causa da maquiagem mineral. “Quero ir comprar uma base da Neutrogena”, diz Nina. “Você precisa usar maquiagem mineral, é melhor”, diz Jô, séria. “Mas eu quero a da Neutrogena!”, Nina, irritada. “Mas a maquiagem mineral não vai te dar espinhas”, Jô, insistente. “Não tô em idade de pensar em espinha, daqui a pouco vou pensar em plástica”, Nina, puta da vida.