por Paula Bastos

Lançando linha plus size, top model revela: ”se tivesse seguido regras alheias, não seria tão feliz quanto sou hoje”

Há seis anos pensar que uma mulher de manequim 48 viraria um ícone internacional no mundo da moda seria um mero sonho. Fluvia Lacerda, a carioca descoberta em Nova Iorque, surgiu no timing certo em um momento em que mulheres que não vestem 38 começaram a pressionar o mercado da moda por mais atenção às suas curvas.

Em entrevista exclusiva ao site da Tpm, a modelo fala sobre aspectos que fogem das obviedades de sua carreira para falar de quem ela realmente é e do que acredita e faz um balanço dos anos como modelo.

A moda brasileira sempre privilegiou corpos esguios. Ao contrário de grandes marcas internacionais, sãs raras as grifes nacionais que oferecem roupas em tamanhos maiores. O que falta para a moda brasileira se tornar mais democrática nesse sentido?
Quando entrei no mercado eram pouquíssimas as marcas que se dedicavam a essas consumidoras. Entre as que existiam, poucas divulgavam seu produto ou se dedicavam para desenvolver um produto melhor de verdade. Naquela época, falar em ter orgulho de se gostar e se curtir como se é, principalmente sendo gordinha, era causa de vergonha. As mulheres se escondiam e as marcas não falavam praticamente nada em relação a fazer roupas para mulheres com manequins maiores. Hoje muita coisa já mudou e evoluiu. Marcas segmentadas nasceram e outras estenderam suas opções para abraçar a consumidora plus size. Acho que estamos caminhando na direção certa e aos poucos a indústria de moda nacional vem entendendo que essa consumidora existe e que tem um poder aquisitivo tão forte e desejado quanto qualquer outra. Vivemos estágios em que opções eram praticamente inexistentes e apenas supriam a necessidade, mas hoje estamos engatinhando em direção a criar moda de verdade. Fico muitíssimo feliz de ver essa evolução, mesmo que em passos de formiguinha. Estamos chegando lá.

 

"Vivemos estágios em que opções eram praticamente inexistentes e apenas supriam a necessidade, mas hoje estamos engatinhando em direção a criar moda de verdade"

 

E as marcas já existentes que se lançaram como plus size, estão preparadas para atender às exigências desse público?
Acho que sim. Não é difícil atender a demanda de um público que ainda não sabe que tem seu estilo ou o que quer exatamente. A consumidora plus size no Brasil sempre viveu na base do “visto o que tem disponível”, ao contrário da consumidora europeia ou norte-americana que sempre teve muitas opções e, por isso desenvolveu, evoluiu ou constantemente mudou seu estilo. A disponibilidade de moda aqui fora nos ajudou a concretizar uma identidade na hora de se vestir. Quando se cria moda para uma mulher que ainda está descobrindo que ela pode, sim, ser estilosa e que pode se expressar através da moda, a dificuldade e as exigências são muito menores. Isso vai mudar porque a mulher brasileira tem personalidade forte e na hora que ela concretizar essa identidade, ela vai se tornar muito mais exigente. Se as marcas não se propuserem a viver numa busca constante por melhorias, elas vão perder essa consumidora.

Tpm – Você é uma das modelos mais requisitadas do segmento. Tem namorado, filha e projetos pessoais. Como concilia tudo isso com uma carreira que demanda tanto do seu tempo?
Fluvia Lacerda – A verdade é que não existem fórmulas ou soluções específicas. Estaria mentindo se dissesse que convivo com muitas coisas ao mesmo tempo sem problemas ou sofrimento algum. Meu estilo de vida é complicado e, quando se tem uma família, tudo fica mais difícil. Conforme minha filha vai crescendo, fica mais complicado estar ausente justamente por ela precisar mais de mim como mãe e amiga. Choramos, sofremos a cada partida e, como qualquer mãe se sentiria nessa situação, me sinto culpada por ter que estar distante, mas tento manter em mente que esse é meu trabalho e faço tudo para que ela tenha uma vida melhor do que a que tive na idade dela. Skype virou nosso melhor aliado! Meu namorado entrou em minha vida quando eu já vivia essa rotina, por isso acho que foi menos complicado para ele. De qualquer forma, a saudade é sempre terrível, mas como moramos juntos agora, as coisas se encaixaram melhor.

Como seu namorado lida com o fato de você ser famosa, assediada, desejada pelos homens e um tanto ausente? Isso o incomoda ou interfere no relacionamento?
Nenhum relacionamento funciona sem confiança mútua. Acho que até ele me conhecer melhor esses aspectos interferiram um pouco, mas hoje, apesar de perceber que rola um ciuminho, ele sabe que o amo muito. Somos muitos companheiros e nossa parceria nos fortalece muito em todos os níveis.

Sua filha é adolescente. Ela entende o papel que você representa na sociedade atual? Vocês conversam sobre padrões de beleza e autoestima? Ela tem algum tipo de encanação com a aparência?
Acho que ela tem um certo entendimento por sempre ver mulheres me parando nas ruas para agradecer pela bandeira que levanto. Entrar na adolescência não é moleza para ninguém e, de repente, ela deu uma boa esticada e ficou mais alta que a maioria das meninas da idade dela e anda um pouco encanada com isso. Busco sempre reforçar o fato de que temos formas diferentes, mas que isso não deve, jamais, influenciar de forma negativa a maneira como ela se vê. Digo sempre que o importante é que ela foque em curtir os esportes que ela ama praticar, pois acima de qualquer coisa, nossa saúde é o quesito mais importante de todos. 

 

"Sinto que se tivesse seguido regras alheias, não seria tão feliz quanto sou hoje"

 

Como é a Fluvia do dia a dia? Como ela usa todos os ensinamentos da carreira na vida pessoal? Qual a lição mais valiosa que você já aprendeu? 
Não me desligo da moda, mas não curto muita maquiagem. Em casa curto andar descalça e adoro cuidar do lar. O mundo ao nosso redor está em constante mutação. Se não formos flexíveis para nos adaptarmos e fluirmos com essas mudanças, seremos os únicos a sofrer. Minhas regras de vida são muito minhas. Acredito que, tirando o respeito ao próximo, os princípios de bom caráter, a conduta moral para com a sociedade e os laços com a família e amigos, no fim do dia suas regras precisam ser de total respeito e lealdade à sua personalidade e essência. No fim das contas, ninguém pode substituir, completar ou criar um bom relacionamento de você com você mesma... Só você pode fazer isso. Vivo da forma que escolhi, mesmo quando o mundo me empurrou para seguir outras regras. Busquei sonhos que pré-determinaram o impossível, o absurdo ou o ridículo. Não consegui me deixar atingir pela amargura ou pela falta de visão de muitos e segui minha própria trajetória e assim faço até hoje. Não sei ao certo explicar esse entendimento e essa certeza que sempre carrego comigo, mas sinto que se tivesse seguido regras alheias, não seria tão feliz quanto sou hoje.

Se pudesse fazer qualquer coisa pelas brasileiras que se sentem oprimidas, julgadas ou menosprezadas por não estarem dentro do padrão de beleza considerado ideal, o que faria?
Considero que já faço há seis anos: agarro com unhas e dentes qualquer oportunidade para expressar os meus pensamentos sobre o imensurável valor da autoestima, meu estilo de vida saudável e minha gana por viver da minha própria forma. Sempre busquei não me deixar aprisionar pela amargura ou negatividade de terceiros. Todos os dias quando acordo e leio muitos e muitos e-mails de mulheres do norte a sul do meu país agradecendo por fazer o que faço e levantar essa bandeira, tenho certeza de que estou na direção certa.

(*) Paula Bastos, jornalista, é criadora do site Grandes Mulheres e colabora quinzenalmente com a Tpm sobre moda. Seu Twitter é o @parispaula e o Facebook é o www.facebook.com/blog.gm

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