por Maria Ribeiro
Tpm #92

Adquirir peças novas é querer ser outra, mesmo que seja uma ilusão. E que mal há nisso?

Já me conformei com muita coisa até aqui. Não sou boa dona de casa. Quando a pilha do controle remoto acaba, levo em média quatro meses até comprar outra, e, mesmo assim, acho uma tarefa de gincana. São tantos tamanhos diferentes.

 

Tenho dificuldade de jogar as coisas fora. Mas também quem disse que não vou precisar daquela agenda de quando tinha 13? Só eu sei o que é útil pra mim.

Não gosto de ir à praia. Queria gostar, acho lindo quem vai e fica ali. da areia pro mar, do mar pra areia, sem fazer nada. mas eu me angustio só de pensar.

Também já desisti de usar brincos grandes. Eu compro, mas não consigo, acho que ainda não sou adulta o suficiente.

Não consigo acordar tarde, não tenho capacidade pra ler Proust, não gosto de Carnaval e já me conformei com tudo isso, embora ainda me culpe por querer pular fevereiro do meu calendário.

Ter e ser
Mas por que eu tenho que comprar menos roupa? Não é porque faço análise duas vezes por semana que tenho que gastar menos no shopping (eu adoro shopping, desculpem se ofendo, sei que não pega bem e tal, mas paciência!). Uma coisa não exclui a outra. Mente sã em corpo são, vestido com categoria.

Atualmente passo por um momento difícil: grávida de seis meses, meu esporte favorito está comprometido. As roupas não cabem, o prazer não é o mesmo. Porque uma roupa nova é um mundo que se abre. Quando experimento um vestido do André Lima e me olho no espelho, passo a ser outra pessoa. Alguém que dança e se diverte, alguém que ri alto e fala coisas inteligentes, enfim, alguém que não sou eu. Adquirir peças novas para o armário é um ato de inconformismo, é você querendo ser outra, diferente, mesmo que seja uma ilusão.

Que fique claro que não estou aqui fazendo apologia a um consumismo irresponsável. Sou, por exemplo, devota de brechós. Acho uma delícia pagar pouco por um blazer de veludo que parece ter ido a Woodstock, mesmo que tenha sido fabricado no ano passado.

Também adoro assaltar o armário das minhas amigas, embora pressinta que essa atividade romântica vá ficar pra trás. Com 30 o ciúme dos sapatos é maior.

Se eu já aceitei que nunca vou amar aviões e que jamais conseguirei manter óculos escuros por mais de seis meses, por que não consigo passar ao largo de um bazar?

Invejo compulsivos de livrarias, esses seres superiores. Também respeito os que suam diante de uma loja de CDs, mas reverencio mesmo quem não se deslumbra com comprinhas. Reverencio… mas sinto pena. Não são felizes como a fútil que vos escreve.

Porque a questão aqui, na verdade, é outra. É que eu desconfio que exista um momento na vida, e pra mim ele chegou agora, em que finalmente aceitamos nossa natureza e podemos diminuir o Frontal. E admitimos sem vergonha que gostamos do Hugh Grant, mesmo correndo o risco de não agradar a todos.

Até porque eu, que sempre quis agradar o máximo possível de rapazes, já me conformei que atualmente só consigo ter vontade de agradar um, que, por acaso, dorme na minha cama.

 

* Maria Ribeiro, 33, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de Elite, em 2007, e atualmente interpreta uma policial na novela Poder Paralelo, da Record. Seu e-mail: ribeirom@globo.com

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