Eu adoro ficar menstruada!

por Mara Gabrilli
Tpm #1

Mara Gabrilli em carta aberta para uma amiga revela sua fascinação por essa feminilidade

Querida Ana Paula*,
   
Quando o Fred me procurou pedindo que eu colaborasse escrevendo para a Tpm, eu já sabia que havia o seu toque sugestivo. Você sempre gostou do que escrevo. Fiquei muito preocupada por não saber como iria fazer isso. Os meus textos sofreram grandes alterações na passagem da escrita à mão para a máquina até o computador. Minha mão escrevia na velocidade dos meus pensamentos. Como eu não era rápida para digitar, os textos foram se incrementando de boa forma - e de censura também. Depois que sofri o acidente e perdi os movimentos dos braços, comecei a digitar com a boca por meio de uma vareta. A dificuldade e a lentidão derrubaram a beleza estética dos escritos e ainda tolheram minha liberdade de explodir no papel. Ana Paula, meus textos ficaram medíocres e não gostei disso. Fui parando de escrever. Tentei ditar para alguém e piorou: mais gente proibindo. Perdi o tesão de escrever.

O convite do Fred deixou minha criatividade cheia de ruídos...O nome da revista já havia tocado fundo, travando um compromisso nas minhas entranhas. Fiquei me sentindo obrigada a achar um jeito de me deleitar em alguma página desta Tpm, revelando meu poderoso segredo visceral:

 

EU ADORO FICAR MENSTRUADA!

Desde menina me fascina a feminilidade de sentir meus seios intumescidos, doloridos! A anunciação "daqueles dias" vem vermelha, vibrante, com uma vulnerabilidade tão castigante que me apaixono até por personagens encontrados na minha memória remota.

Gosto de sentir o sangue escorrer quente nas coxas. Fico tomada de desejo, com um tesão incontrolável e uma estranha tristeza que sorri. Nunca pude ter um namorado que não gostasse do meu sangue... Eu viro um bicho, de lábios mais carnudos, pele quente e arrepiada.

"Ficar de Chico" é encanar que está todo mundo olhando sua calça que manchou.

A primeira promessa que fiz a Deus foi pedir a menstruação. Fiquei um ano sem tomar sorvete! Na verdade, pedi peitos e bunda. E Ele me deu tudo isso e ainda um ciclo de 22 dias que não desregulou nem quando quebrei o pescoço. Foi um presente de mulher que nunca me deixou. Porém, como todo sujeito apaixonado sofre de inquietação, eu me sinto levada pelo medo de um perigo, talvez uma queda, ou o frio de uma perda, reflexo do desprendimento da parede do útero, que faz sangrar e dói... Dói na existência e na barriga. A cólica é a dor de ser mulher!

Às vezes sangro e me sinto um "algo" do além usando a vestimenta de carne, perambulando desvairada e sem porquê numa Terra para outros. Mas tem períodos que nada sou senão matéria mesquinha e errante no cativeiro da generosidade. Como se eu fosse uma mulher que veio ao mundo de corpo e alma - mas sem a alma. E isso nada tem de profundo; é o mesmo que ir a uma boutique fazer compras e ficar tão ensimesmada a ponto de esquecer a alma no provador. Nunca gostei de roupas vermelhas, mas quando começo a pensar em calcinha vermelha, t-shirt, tênis, comer morango, gelatina de frutas selvagens e chiclete de canela, sei que o sangue está por vir. Em certa ocasião que estava bem afetada, comprei uma jaquetinha de couro vermelha. Não posso nem olhar aquilo no armário, pois é horrível. Mas, quando estou completamente louca, é nela que me envolvo.

Ficar menstruada é não estar bem. E quanto a isso, tudo bem! Essa frase é o maior viver "apesar de" que temos, e quase a maior força de felicidade disponível. Digo "quase", pois nada na mulher é maior do que a força da concepção e dos afetos derivados.

TPM para mim é mistério e paradoxo... é desconhecer o conteúdo emocional do próximo mês. Isso é muito atraente, assim como a dimensão que o amor, a aflição, o medo e a coragem assumem nos diferentes momentos do ciclo da mulher. Eu me sinto transfigurar diante do espelho e da vida... TPM é o enigma de acordar com ou sem barriga, emergindo do inferno de Dante ou descendo das regiões do éter!

Mulheres, o belo da TPM está na qualidade da nossa impressão, nos dando a coragem ou não de raciocinar fora daquilo que há milênios rege nossa jornada coletiva.

Ana Paula, queria te contar que escrevi essa revelação pessoal com um dedo e uma pessoa levando o meu braço às teclas. Diferentemente do que eu afirmara acima, não senti nenhuma censura, e ainda fiz questão de escrever durante a minha própria TPM. Espero que goste!

Com carinho,
Mara Gabrilli


* é diretora de projetos especiais da Editora Trip; Fred Melo Paiva foi diretor de redação da Tpm. 

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