Conversamos com Li Edelkoort, uma das principais consultoras de tendências do mundo, sobre intuição, moda e tecnologia
Lidewij Edelkoort, mais conhecida como Li Edelkoort, é uma das mais importantes trend forecasters (ou consultora de tendências) do mundo. Através de sua empresa, a Trend Union, com sede em Paris, ela assina livros de tendências (para daqui a dois anos ou mais), que são ferramentas usadas por estrategistas, designers e marqueteiros no mundo todo.
Li aconselhou, por exemplo, a Coca-Cola sobre como a Sprite deveria se comunicar com os jovens e identificou como as percepções ocidentais da cultura japonesa poderiam ajudar a Nissan a melhorar suas vendas. Em 2003, foi citada pela Time como uma das 25 pessoas mais importantes da moda no mundo.
Em um dos seus estudos, Manifesto Anti-fashion (2014), defende que a moda está fora de moda. Para uma pessoa que trabalha diretamente para esta indústria, seria um tiro no pé, não fosse pela consistência de sua análise. Sua intenção era alertar sobre o caminho superficial que a moda está tomando. Ela alerta, principalmente, para a educação rasa que é dada aos estudantes de moda e argumenta que o fast-fashion é um retrato do valor que a moda tem na sociedade atual: um produto descartável.
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Li esteve neste mês no Brasil, onde apresentou seu estudo de tendências para 2020, com o tema o Folclore Mundial. Segundo ela, em menos de dois anos, as mulheres estarão mais femininas, enquanto peças como sarongues e quimonos vestirão tanto elas quanto os homens.
A consultora também aproveitou sua passagem pelo país para lançar a nova edição de sua revista Bloom, com o tema “A Terra Chama”, que mostra sua preocupação com os recursos naturais e chama a atenção para os riscos dos nossos próprios hábitos. Conversamos com Li, durante sua passagem por São Paulo:
Tpm. Como você percebe uma tendência se formando?
Li Edelkoort. É um processo permanente e intuitivo. Uso meus olhos, meus ouvidos e a minha curiosidade. Presto atenção em tudo que desperta uma sensação especial ou até mesmo quando me arrepio. Mas quando estas sensações se conectam entre si, presto ainda mais atenção, pois é aí que respostas começam a surgir. É como a arqueologia, mas ao contrário: enquanto ela estuda o passado, eu analiso o futuro, ou seja, quando todos os fragmentos das minhas percepções começam a formar uma imagem consistente, sólida, sei que algo está acontecendo.
Como você desenvolveu sua intuição? Ouvindo as pessoas, as mensagens, os sinais. Às vezes, escutava algo em um lugar e depois algo muito parecido em outro. Me impressionava, mas não entendia ao certo o que aquilo queria dizer. Ao longo do tempo, fui confiando mais nestes sinais. Ouvir é um talento que todos temos, mas nem todos usam com sabedoria.
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Como você começou sua carreira? Estudei moda e ilustração na faculdade. Durante uma conferência, escutei pela primeira vez sobre esta profissão [consultora de tendências] e imediatamente soube que poderia trabalhar com isso. No fim da palestra, a pessoa que estava no palco me incentivou e disse que eu tinha esta habilidade naturalmente. Comecei a caminhar nesta direção e meu primeiro emprego foi em uma loja de departamentos, onde pesquisava as tendências para os compradores da loja e depois observava como os produtos expostos se "comportavam". Foi a melhor escola que pude ter. E foi assim que aprendi a ajudar a indústria a desenvolver o melhor carro, a melhor sopa, a melhor linha de maquiagem, a melhor coleção de moda, entre tantos outros produtos.
Com qual antecedência você consegue prever uma tendência? Há 25 anos, fiz um trabalho para uma empresa de transporte público. Naquele tempo, fiz inúmeras reuniões com arquitetos, designers, engenheiros, intelectuais, criança etc. Estes encontros me muniram de informações importantes e que embasaram minha intuição. Desta pesquisa, lancei o livro Fusion, no qual eu previa que, até 2020, o que antes era contraste, se tornaria híbrido, por exemplo, trabalho e férias andariam juntos, as diferenças entre mulheres e homens iriam desaparecer, esportes radicais seriam combinados com atividades zen. E é exatamente isto que está acontecendo, inclusive, telefone e computador são um só hoje em dia.
No que você está trabalhando agora? Em um novo estudo para 2050, mas apesar de toda minha experiência, é muito mais difícil hoje em dia. O mundo está adoecendo, nossos recursos naturais estão esgotando, então a pergunta é: iremos ou não sobreviver? Quem estiver aqui, saberá.
Hoje, as pessoas não falam somente de moda, falam sobre estilo de vida. Por quê? Isso começou nos anos 90, quando elas passaram a prestar mais atenção no jeito com que fazem as coisas, que compram, que arrumam suas casas, que cuidam de seus pets e por aí vai. Logo, cada indivíduo tornou-se um melhor curador de suas compras. Perceba como as casas das pessoas estão cada vez mais confortáveis e cuidadas. Esta foi uma tendência que foi evoluindo por cômodos, começou pela cozinha gourmet, passou para o cuidado com os banheiros, que são quase templos, depois para os quartos. Isso tem a ver com o fato das pessoas viajarem mais e experimentarem bons hotéis, camas bem-feitas, banhos bons. Quando voltam, percebem que seus quartos foram negligenciados e então tomam uma providência.
O que é luxo hoje em dia? Tempo! Ganhar tempo, experienciar tempo.
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Você acha que instigar o consumidor a ser mais ativo, usar mais suas mãos, é bom para a indústria? Lógico, acredito que todo mundo deve usar suas mãos, pois é terapêutico, mas o problema é que ninguém sabe como fazer as coisas hoje em dia, acho que estas técnicas deveriam ser ensinadas nas escolas. Fazer protótipos ou cuidar do jardim, por exemplo, é uma terapia maravilhosa.
Seria como voltar no tempo? Não, de forma alguma, pois não temos como voltar aos anos 50 ou 70, pois nesta época não tínhamos muitas coisas que temos hoje, não havia internet, por exemplo. Devemos usar técnicas tradicionais e manuais e adaptá-las aos nossos dias.
Você acha que a tecnologia vai matar a criatividade? Já matou. Hoje em dia tudo é manuseado através de computadores e se transforma em referência para outras coisas. Uma pena. É preciso voltar a manusear coisas.
Sua conexão com o Brasil e nossas matérias-primas vem de muito tempo. O que você vê aqui que, nós brasileiros, não enxergamos? Como estrangeira, olho o Brasil com olhos frescos. Acho que todos deveriam olhar suas casas com se vivessem como nômades.
Créditos
Imagem principal: Thirza Schaap/Divulgação