Mulheres podem ser passionais inclusive no uso do dinheiro, sejam elas precavidas ou perdulárias
Mulheres podem ser passionais inclusive no uso do dinheiro, sejam elas precavidas ou perdulárias. A produtora Regina Trama faz a linha das que amam uma planilha e não só mantêm as contas em dia como sempre têm dinheiro guardado. Já a vendedora C.K. – que preferiu o anonimato para evitar mais encrencas –, é daquelas que acham que gastar ajuda a esquecer dos problemas
Nome Limpo | por Regina Trama*
"Gosto de falar de dinheiro, até porque meu trabalho envolve controle de gastos, mas é da minha personalidade ser organizada. Pra mim educação financeira deveria ser ensinada na escola. Tem umas coisas básicas que deveríamos aprender desde criança. No meu caso, nunca tive aula, mas, por ter cinco irmãos, sempre tive noção de poupar e compartilhar. Quando era adolescente, tinha uma conta conjunta com meu pai e era tão controlada que ele confiava em mim. Sempre guardei dinheiro, mesmo que ganhasse só R$ 100. Acho que o que faz diferença é ter um foco específico na hora de gastar o dinheiro. O objetivo pode ser um sapato, um vestido, mas pode também ser um apartamento. Juntar dinheiro sem estímulo é difícil.
Quando me casei, percebi que era muita conta para administrar, então entrei no maravilhoso mundo das planilhas. O meu marido é super-relapso, então ele adorou quando eu passei a tomar conta de tudo, aquela coisa de “meu dinheiro é seu dinheiro também”. Nesse caso também é legal guardar uma grana porque os planos começam a ser maiores. O apartamento novo é um puta investimento, por isso, se você vai se comprometer com esse gasto, tem que ter tudo certinho – as contas de um, as do outro, as dos cartões de crédito, os gastos futuros... Olho todos os dias as contas, fazer esse acompanhamento estimula e tranquiliza. E isso não tem a ver com o quanto a pessoa ganha, mas com a maneira de administrar o que tem. Uma amiga que ganha dez vezes mais que eu já me pediu dinheiro emprestado.
Outra coisa importante é ter paciência. Quero trocar de carro, mas, se estou com um que está me levando e me trazendo numa boa, vou esperando até ter a grana para pagar à vista. Quando aparece uma viagem ou preciso parcelar alguma coisa, vejo os juros. Se não tem juros, acho OK. Se tem, nem compro. Quando divido algo e a primeira parcela cai no mês, coloco na planilha. E o resto já entra nas planilhas dos próximos meses, pra me lembrar que esse dinheiro tem que sobrar. Eu adoro cartão de crédito, ele me ajuda a fazer muitas coisas, desde compra pela internet até algo maior. A questão pra não se enterrar em dívida e economizar é usá-lo a seu favor. Quem se enrola usa da maneira errada.
Agora estou grávida e me planejando para ter meu filho, mas sem stress. O mais importante é manter o mínimo de reserva que eu tenho, isso é sagrado. Fica lá para qualquer urgência que pode aparecer com a chegada dele. Minha vida vai mudar, claro, mas a real é que eu vou saber melhor quando acontecer. Tem gente que me fala: ‘Mas você não comprou chupetas ainda? Tem que comprar a X e a Y, compra logo uma caixa’. Mas eu nem sei se ele vai gostar de chupeta!”
*Regina Trama, 36 anos, é produtora
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Nome sujo | por C.K.*
"Aconteceu há três ou quatro anos, a data certa não sei. Tive uns problemas quando terminei um namoro, fiquei muito triste e comecei a gastar. Sabe quando você acha que isso vai fazer você esquecer dos seus problemas? Gastei muito, extrapolei. Tinha vários cartões com limite muito alto e passava todos os meus gastos neles. Frequentava o salão mais caro de São Paulo e gastava R$ 1 mil toda semana, ia na Daslu e gastava R$ 2 mil em maquiagem. Fiz várias viagens, fui pra Europa, pros Estados Unidos e pra Buenos Aires. Estava completamente perturbada. Hoje, tenho uma dívida de mais de R$ 100 mil.
Na época eu trabalhava com câmbio, vendia dólar e euro. Apesar de trabalhar com dinheiro, não cuidei das finanças. Não tinha renda fixa, porque ganhava por comissão, mas eu ganhava bem, sempre conseguia pagar minhas contas. E também recebia um dinheiro do meu pai. Mas aí fui extrapolando, perdi a noção, nunca imaginei que fosse ficar num buraco desses. Todo dia eu ia ao banco ver se tinha cheque voltando, como estava minha conta, se eu ainda tinha limite. E ainda tinha, então continuava gastando, mas depois a dívida começou a ficar muito alta, uma bola de neve, sabe? Aí o banco não liberou mais crédito e eu achava que dava pra pagar, mas não deu.
Pensava que se gastasse iria ficar feliz e só piorou tudo. Minhas amigas viram que eu estava muito mal, porque não saía mais de casa. E não saía com medo de chegar correspondência e meu pai descobrir. Minhas amigas falavam que eu não podia viver daquele jeito, que tinha que abrir o jogo. Na verdade, eu tinha que ter contado antes, mas não tive coragem, sabe? Foi uma fuga, um momento de descontrole. Costumava gastar muito com coisas caras e continuo assim, mas hoje compro menos. Às vezes sinto falta, porque comprar é um prazer momentâneo, depois passa. É uma sensação superficial.
Eu preciso resolver a minha dívida, que ainda não consegui pagar. A última vez que vi, chegava a mais de R$ 100 mil, não sei exatamente o valor. Não tenho mais o costume de olhar a conta ou ir ao banco porque não tenho mais tanto dinheiro. Estou esperando juntar um pouco pra poder começar a pagar.”
*C.K., 35 anos, é vendedora
Juros e correçãoSamy Dana*, professor de finanças da Fundação Getúlio Vargas, comenta o caso de nossas duas personagens e como uma pode aprender com a outra Existem diversos perfis de consumidor: alguns são mais conservadores, pensam no futuro e preservam mais o que ganham, enquanto outros são mais ousados e satisfazem seus desejos instantaneamente. No caso em questão, temos dois exemplos claros de extremos opostos. De um lado está a Regina, uma boa poupadora que mantém todas as suas contas na ponta do lápis, evitando dívidas e mantendo-se paciente enquanto aguarda o momento certo para efetuar uma nova grande aquisição. Essas características são típicas de um perfil conservador, que dificilmente terá problemas com a saúde financeira, pois planeja e controla os gastos para que o orçamento familiar seja preservado e bem utilizado. Para tanto, a produtora utiliza um método bastante eficiente: definir um objetivo claro. Normalmente, damos preferência à satisfação de desejos atuais e esquecemos das necessidades futuras. Com o estabelecimento de um foco a longo prazo – como a compra de um apartamento novo –, torna-se mais fácil poupar e reduzir gastos supérfluos. Com esses conselhos, C.K. provavelmente não chegaria à situação em que se encontra atualmente. Em seu caso, o consumo funcionava como uma válvula de escape, mas no fim pode ter se tornado uma dor de cabeça maior do que o esperado. Não se deve atribuir ao dinheiro a função de trazer felicidade ou curar feridas, mas sim considerá-lo uma ferramenta que favorece esses fins. Por isso, é importante ter controle para que o dinheiro exista sempre. A satisfação dos desejos termina hoje, mas as dívidas continuam, não são passageiras e apresentam tendência a piorar. Em geral, Regina se sai melhor em termos financeiros e pode deixar alguns conselhos para nossa vendedora. Marcar todas as receitas e despesas da família, por exemplo, é uma forma simples e extremamente eficiente de equilibrar o orçamento. Dentro das despesas, é importante incluir não somente custos fixos, mas também gastos com diversão, aquisições e viagens, pois dedicar-se apenas ao controle financeiro e esquecer o restante também é um exagero. Por mais que a vida seja feita de renúncias, não se pode abrir mão de todos os prazeres, e nisso C.K. com certeza possui muitas experiências para contar. Por último, é necessário guardar um pouco do que se ganha e colocar na poupança ou em alguma modalidade de investimento mais adequada ao seu perfil. Dessa forma, algumas horas semanais de trabalho na organização de uma planilha de gastos podem representar, futuramente, uma boa aposentadoria e uma vida financeira bem mais saudável. *Samy Dana é economista, PhD em business e doutor em administração. Professor da FGV-SP, é autor do livro 10x sem juros (ed. Saraiva) e coautor de Como passar de devedor a investidor (ed. Cengage) |