Ensaio de Américo Pinheiro Júnior

Américo Pinheiro Júnior
Renan Dissenha Fagundes

por Américo Pinheiro Júnior
Renan Dissenha Fagundes
Tpm #170

Um dos mais importantes nomes do stand-up paddle no Brasil, o atleta nasceu e cresceu nas águas de Arraial do Cabo (Rio) e chega aos 44 anos levando a vida que pediu a Netuno

1. Ano passado e este está sendo a melhor época da minha vida sim, aos 44 anos. É tipo vinho. Tô muito feliz. E é engraçado que bem agora que me aposentei das competições estou conseguindo viver de esporte. Tenho patrocínios, minha assessoria esportiva e sou técnico da seleção de SUP race do Brasil. Agora só faço o que me desafia, ou o que é muito legal. E estou sempre em outras provas como preparador também. Em setembro fui para a Holanda com o repórter Clayton Conservani e a equipe brasileira de stand-up. Eles remaram 220 quilômetros. Eu tinha que acompanhar, mas também aproveitei pra comer um pouco de chocolate e beber cerveja.

2. A maior preocupação da minha vida hoje é que meus filhos, Kauai, 13 anos, e o Maui, 8, entendam o que eu faço, que eles não achem que eu sou vagabundo. Por que minha rotina é de esportista. De manhã eu vou treinar com a minha mulher, a Lena – uma das melhores do SUP feminino do Brasil. Depois levo um filho na natação e o outro no surf. Daí em diante defende, às vezes vou treinar, outras pescar. 

“É engraçado que bem agora que me aposentei das competições estou conseguindo viver de esporte”
Américo Pinheiro Júnior

De noite, trabalho no computador, na assessoria esportiva de stand-up paddle e canoa havaiana. Atendo gente do país todo, eles treinam com GPS, eu vejo os resultados, mando planilhas novas. Não posso reclamar, é uma rotina muito boa, só fico encanado se meus filhos vão achar que estou no Facebook. Meu sonho era ter um trabalho que viajasse muito. Eu consegui e o que aconteceu? Descobri que a melhor coisa é voltar pra casa. Ficar longe da família pra mim é dureza! Fim de semana que estou em Arraial é uma felicidade, mas são poucos.

3. Conheci a Lena num Carnaval na Ferrugem, faz quase 14 anos. Eu a vi na praia, o Carnaval quase no fim e não conseguia chegar nela. Até que nos encontramos numa noite, já perto do dia de ir embora, e então eu disse: “Desculpa, não sou louco, não tô bêbado, mas preciso falar com você”. E também já previ que a gente ia casar e ter filhos. Um mês e meio depois ela estava grávida. Lena é uma mulher muito forte. Vai treinar stand-up de manhã e à noite dá aula de nutrição na faculdade. Já foi vice-campeã brasileira de SUP três vezes. Este ano ficou em quarto na travessia de Molokai pra Oahu [54 quilômetros!], atrás apenas de três mulheres que moram no Havaí. Hoje ela vai remar 25 quilômetros, está se preparando para a etapa do Pantanal. A Lena foi um dos maiores presentes que ganhei na vida.

4. Meu lance sempre foi esporte de pancadaria: luta, surf, motocross, caça submarina. Eu não achava que ia me dar bem num esporte de endurance, como o stand-up, mas hoje é a minha paixão. Descobri por causa de uma lesão na coxa. Me machuquei de verdade. Eu treinava jiu-jítsu com o Alexandre Pantoja, que é aqui de Arraial e está agora no TUF, reality show de MMA. Foram dois meses de cadeira de rodas. Depois muleta, bengala. Fiquei manco. Um dia vi um SUP e pensei: “Vou fazer isso”. Não aguentava mais fisioterapia.

5. Sempre gostei de inventar, de fazer coisas novas. Um dia eu tava remando na Praia Grande, lá no fundo, parecia que estava de pé em cima da água, e o povo na areia se perguntando o que era aquilo. Era 2012, bem no começo do SUP, ninguém conhecia. Alguém disse: “O que é eu não sei, mas deve ser o Américo”. 

“Pra remar bem precisa ter leitura de mar, sentir o que está acontecendo. Dou trabalho para os mais novos”
Américo Pinheiro Júnior

Depois me convidaram pra uma prova, a volta de Búzios, de 9 quilômetros. “Tu tá de sacanagem que eu vou remar 9 quilômetros”, eu disse. Sou muito competitivo, mas resolvi levar na boa. Fui remar ouvindo Bob Marley. Cheguei em segundo. Pensei: “Imagina se tivesse colocando AC/DC!”.

6. Pra remar bem precisa ter leitura de mar, você tem que sentir o que está acontecendo. Eu dou trabalho para os mais novos com isso – porque eu tô há mais tempo na água, mas também porque tive um grande professor, um mestre: meu avô. Ele sacava tudo de mar. Até hoje, se você conversar com os pescadores mais velhos, falam dele por aqui. Ele me passou todo o conhecimento de leitura de mar, parece que eu vejo uma linha na água. Meu avô teve o primeiro barco a motor de Arraial. Ele era faroleiro, veio do Maranhão trabalhar aqui. A pescaria está na família. Eu gosto de caça submarina, de mergulhar, mas não gosto disso como esporte. Eu pego o que vou comer. Se tô pegando muito vou embora.

7. Morei no Rio para estudar, quando fiz a faculdade de educação física, mas não dá pra morar muito tempo em cidade grande. Agora quero levar todo mundo para passar uma temporada em Maui ou na Califórnia, mas com o dólar atual, deu uma zoada. É para melhorar o meu inglês e os meninos aprenderem. 

“Não dá pra morar muito tempo em cidade grande. Minha vida aqui em Arraial é muito boa”
Américo Pinheiro Júnior

Estou pensando mais na Califórnia, porque Maui é tipo Arraial e já tem uma galera que eu conheço lá. Na Califórnia tem muita coisa pra estudar de assessoria esportiva. E dessa vez eu não quero ensinar, e sim aprender. Veremos.

8. Minha vida aqui em Arraial é muito boa. As coisas vão acontecendo naturalmente. Ter uma vida saudável, em família, já é ganhar pra caralho. Pra que se matar de trabalhar, se encher de dinheiro? Sempre fiz as coisas do meu jeito e está dando certo. Vou dizer que não é boa? Fingir que eu vou pro escritório trabalhar? Minha vida é boa!

Créditos

Imagem principal: Pedro Loreto

Assistente de foto: Marcio Marcolino Coordenador de produção: Alex Bezerra Agradecimento: starpoint.dftstores.com.br

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