por Redação
Tpm #64

Vestido bufante, sogros, Paulo Ricardo, casamento da ex. Teve até Luciana Gimenez no final de semana da nossa colunista guerreira

 

Digamos que eu não seja lá muito fã de casamentos e formaturas, embora comidinhas e bebidinhas sejam de graça e o vestido bufante-brega da madrinha sempre dê um show à parte. O problema é que depois que cresce é você quem se torna a madrinha do vestido bufante-brega. Paga o mico de se espremer com um monte de tia velha para pegar o buquê enquanto tudo está sendo filmado. E passa a prestar atenção na trilha sonora, que é sempre a mesma: começa com músicas dos anos 70, tem um axé e um putz-putz no meio e termina com "Whisky à Go-Go". Tudo muito previsível, muito igual. Quem já foi em um casamento ou em uma formatura já foi em todos.

Mas tudo na vida pode piorar. Que tal um casamento da ex-namorada do namorado, cujo namoro durou mil anos e a família dela é amicíssima da família dele? Logo comigo, defensora ferrenha da teoria de que ex bom é ex morto (exceto os meus ex bacanérrimos). E se, como o namorado, ela partilhar do gosto pela natureza, pelos pernilongos, pelas plantas exóticas, pela água salgada, pelos borrachudos, por suco de clorofila, enquanto seu sinônimo de diversão é tomar uma latinha de cerveja, quente ou fria, sentada na calçada da avenida Paulista emporcalhando o seu cabelo com a fuligem dos ônibus? Eu sim é que gosto das coisas simples da vida.

E lá fomos nós para Ilhabela, litoral norte de São Paulo, às 7h da manhã do sábado. Sogro, sogra, namorado, eu e minha espinha gigante bem na ponta do nariz, dividindo espaço no carro. Depois iriam a cunhada e o co-cunhado em outro carro.

Tudo corria tranqüilamente bem durante a viagem até a rádio da capital sair do ar e inventarmos de colocar uma musiquinha. Eu tinha acabado de comentar com o Daniel que estava com vontade de ir ao show do Motorhead, quando a minha sogra colocou um CD desconhecido com o Paulo Ricardo tentando cantar uma música desconhecida. Mas, como era de se esperar, ele não conseguiu e aquilo começou a me enjoar. Ainda não era a serra ou o queijo quente devorado no Frango Assado, bem no meio da estrada.

Quando o meu sogro olhou pelo espelho retrovisor, eu já estava da cor azul-claro e ele resolveu trocar de CD. Aí tocou um Luís Miguel e eu fui me segurando, respirando pelos cantos da janelinha, buscando ar e soltando aos poucos. Em uma última tentativa desesperada, a minha sogra colocou um CD gravado, onde a única informação sobre o conteúdo era um "Vários" escrito a caneta. E eu fui metralhada com Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana.

Na balsa de São Sebastião para Ilhabela, ouvindo Toni Garrido (mas ainda viva), fui salva pelos acordes de Tears For Fears vindo do carro ao lado. E chegamos, sem nenhum vexame. Da minha parte.

Fomos para a pousada onde a sogrona tinha reservado três quartos, bem ao lado do local onde o casamento seria realizado. Lugar bonito, à beira de um mar azul, sem nenhuma nuvem no céu, o que afastava a possibilidade de chuva e de um trauma para o resto da vida, já que o traje exigido era roupa branca e, caso a previsão da Globo estivesse certa, todos nós ficaríamos seminus durante a cerimônia.

Guardamos as coisas no quarto e fomos encontrar a família da ex para os cumprimentos pré-cerimoniais. Logo na entrada, o cunhado da noiva:

- Daniel, há quanto tempo não te vejo! Você lembra de quando estávamos andando de bicicleta em 1923, na época que você ainda namorava sua ex e vocês estavam apaixonadíssimos?

Recordar é viver e os 20 minutos seguintes de conversa foram feitos de bonitas lembranças de um tempo em que eu não existia. E, ao que parece, continuava não existindo, mesmo com uma espinha gigante na ponta do nariz. Por um momento, desejei estar em uma serra ouvindo Toni Garrido.

Depois, fomos caminhar em uma praia "incaminhável". Na Ilhabela, a areia é grossa e a praia é repleta de pedrinhas e conchas quebradas, todas com as pontas devidamente viradas para cima. Sentamos em um quiosque, pedimos uma cerveja e eu e o Daniel resolvemos entrar no mar. Dois passos depois, a água não dava mais pé e eu estava sem minhas bóias de braço.

Enquanto discutíamos a relação, eu e Daniel caminhamos um pouquinho para a direita e pisamos no que parecia ser uma placenta de baleia, ou um lodo formado pela sujeira do mar. Apesar de azul, milhares de barcos petrolíferos dividem espaço e um pouco de seu óleo diesel com os turistas.

-Me tira daqui, Daniel! - eu gritava, fazendo um tremendo esforço para me manter agarrada em seu pescoço, embora eu estivesse pra lá de escorregadia.

Saímos de lá, besuntados e com o cheiro daquela maresia-petrobras. Voltei para a pousada, tomei um banho, e encontramos minha cunhada e o co-cunhado para almoçarmos. Então fomos todos para o Deck, um bom restaurante de Ilhabela que vende de frutos do mar a comida alemã. De entrada, uma lulinha frita e um caipirinha de maracujá de 300 ml.

Eu pedi um já nada singelo e delicioso risoto de creme-limão e parmesão com camarões enormes. Mas o Daniel superou todas as expectativas e escolheu o cinematográfico Viagem ao Mar. Um macarrão feito de polvo, vongole, lagostin, camarão médio e lulas. Depois, tomou um sorvetinho de jaca para dar aquela rebatida e para fechar pediu um cafezinho em uma livraria ali bem próxima.

Na tal livraria, uma outra surpresa. Estávamos eu e minha cunhada sentadas e torcendo pela digestão do Daniel quando a apresentadora-modelo-manequim Luciana Gimenez entrou no lugar. "Luciana Gimenez em uma livraria?", em uma observação para lá de pertinente feita pelo amigo Júlio ao ouvir meu relato. E, como ninguém é diva o tempo todo, ela estava de camiseta suja, com um boné sujo e um cabelo sujo, mas, justiça seja feita, continuava bonita.

Minha sogra resolveu contar para o meu sogro que a celebridade estava no lugar e, como homem é nada discreto, ele se levantou da cadeira e foi lá ver Luciana bem de pertinho. O Daniel tentou disfarçar mais e arranjou uma vontade súbita de fazer xixi no banheiro bem próximo de onde ela estava.

- Só o meu namorado que é comportado! - observou minha cunhada.

Mas o co-cunhado fingia ler uma revista enquanto observava a mulher.

Voltamos para a pousada e eu e Daniel resolvemos dar uma cochilada antes da cerimônia, que começaria dali a uma hora. Uma hora depois eu acordei o rapaz, que foi tomar um banho e começou a fazer ruídos estranhos no banheiro.

- Você está passando mal, Dani?

Saiu do banheiro um namorado com a cara inchada, vermelha, os olhos lacrimejando, como se tivesse comido um macarrão cheio de frutos do mar e tomado um sorvetinho de jaca com um cafezinho.

- Eu estou muito mal.

Mesmo assim, firme e forte, ele foi ver a ex casar com um homônimo. Não é que o noivo também tinha seu nome (e era filho de um sujeito chamado Ulisses Guimarães)? Obsessão ou não, tudo o que eu tomava, a partir dali, pedia para alguém dar um golinho antes.

Todos os convidados cumpriram a regra: estavam de branco, suuuuuuuperdescolados com suas sandálias havaianas coloridas. Momentos antes de a cerimônia começar, encontrei um rosto conhecido. A moça olhou para mim, eu apertei os olhinhos como se dissesse "te conheço!" e bem na hora que eu ia perguntar o seu nome, ela soltou:

- Leonor?!

Mas que droga! Como é que eu ia perguntar seu nome se ela lembrava do meu? Eu olhei para o Daniel, olhei para ela, e os dois estavam com cara de que queriam ser apresentados.

- De quem você é amiga aqui? - mudei de assunto.
- Do noivo e você?
- De ninguém!

Conversa vai, conversa vem, e nada de eu descobrir quem era a menina. Aí fui salva por uma senhora sem cabelos que começou a falar. Prestei mais atenção e vi que era ninguém mais ninguém menos do que a Monja Coen, a número um do budismo no Brasil, contratada para dar a bênção aos noivos.

Como o casamento foi realizado ao ar livre e ela é extremamente calma, foi bem difícil entender o que era falado. Ela tinha algumas coisas no altar que simbolizavam outras coisas que não faço a menor idéia do que eram.

- Para que servem os três cálices? São para simbolizar o...
- O que foi que ela disse?
- O incenso? Ele simboliza a...
- O quê????
- E o bambu?

Este é mesmo o país da piada pronta.

Vinte minutos depois eu tinha 35 picadas de borrachudo nas pernas e quatro caipirinhas na cabeça. Foi quando o vexame se anunciava e eu vi passar um garçom segurando uma garrafa de Red Label. Mas nem deu tempo de vomitar na pista ao som de "La Bamba". Ainda nos anos 70, a pressão do Daniel caiu e ele exigia cuidados.

Nos despedimos da família e encontramos um amigo do Daniel bem na saída que, provavelmente, também havia achado o garçom do whisky.

- Vocês já vão embora??????????????????
- Sim - respondeu Daniel, ameaçando desfalecer.
- Não vão não!!!!!
- Eu estou meio mal e...
- Deixa ele lá e volta! - negociou o moço, puxando o meu braço.
- Ela vai cuidar de mim e...
- Volta, vai! - segurando com mais força.
- Eu estou quase desmaiando e...
- Volta! Volta! Volta! - insistiu o pudim.
- Tá bom! Ela volta, caceta!

Mas é claro que eu não voltei. Salva por um sorvete de jaca.

Olhei no relógio e eram 19h40 quando chegamos ao quarto da pousada. Ainda estava na hora da novela das 7h, cujo nome é Pé na Jaca e causou diversos efeitos colaterais no Daniel. Fui até a recepção, busquei um pouquinho de sal e coloquei debaixo da língua do namorado, conforme instruções lidas no Manual do Escoteiro Mirim.

Aos poucos ele foi melhorando e conseguimos dormir em Paraíso Tropical, a novela das 8h da Globo. Acordamos 12 horas depois com vontade de comer um búfalo, mas nem dei a idéia para Daniel porque ele certamente toparia. Comi um pãozinho com manteiga e fui para a piscina-banheira de hidromassagem da pousada, que ficava ao ar livre.

Aí meu namorado engatou um papo de duas horas com um amigo sobre corridas, tênis de corrida, relógio de corrida, boné de corrida e como seria bom ter uma namorada corredora. Eu, como não corro nem para pegar ônibus, dormi.

Acordei para buscar minhas coisas e vir embora para São Paulo, onde a gente sabe bem qual é a merda que estamos pisando. Dessa vez, sem música.

Servicinho sujo

Sob uma chuva de pedras dos amigos naturebas, explico aqui que Ilhabela é cortada por uma avenida que a divide em dois lados: o podre e o limpo. Ou norte e sul. O podre é onde ficam os melhores restaurantes, as melhores baladas e as praias mais sujas. No limpo é onde estão as belas praias e pencas de borrachudos. Norte ou sul? That is the question.

Pousada Bonns Ventos (com dois enes mesmo): Rua Benedito Serafim Sampaio, 371 - Perequê - Ilhabela - Fone: (12) 3896-2725  - e-mail: pousada@pousadabonnsventos.com.br.

Lugar bonito, café-da-manhã gostoso, piscina pequeniníssima (e ela será útil desse lado de Ilhabela). O quarto é limpo, mas o banheiro é menor do que a piscina. Para fechar a porta é quase preciso sentar na pia. Meu sogro avisa para tomar cuidado com o degrauzinho assassino na porta do quarto. E quem achar um pedaço do dedão do pé dele, favor devolver.

Deck Bar e Restaurante:

Da lulinha frita ao prato principal, tudo vale a pena. Exceto a caipirinha de lima, que tem gosto de gelo, parece de água e não tem lima. Mas a de maracujá é boa e vem em um copinho de quase 300ml. Não acredito no garçom se ele disser que um prato não dá para dois. A não ser que o seu acompanhante seja tão ogro quanto o meu. A comida é bem temperada, mas o preço é salgado.


www.deckrestaurantehotel.com.br

A jornalista Leonor Macedo, 24, é mãe de Lucas e viajante profissional. Ela topou nos ceder seus relatos (encontrados no blog Indecências) sobre as experiências que viveu em cada viagem.

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