Discutir a relação de novo?

Tpm

por Letícia González
Tpm #132

Ficar junto e brigar é só começar. Sobreviver e evoluir com os confrontos é outra conversa

Ficar junto e brigar é só começar. Sobreviver e evoluir com os confrontos já é outra conversa, como mostram casais e terapeutas

O fotógrafo Bruno, 38 anos, e a art buyer Camila, 29, que preferem não revelar seus nomes verdadeiros, já passaram por momentos graves juntos: em 2009, precisaram vender um apartamento recém-comprado para pagar dívidas. A crise mundial tinha afetado o trabalho dele com publicidade, e uma má administração do estúdio de Bruno fez estragos nas finanças do casal. Mas foi só dois anos depois, com o nascimento do filho, que a crise se instalou entre os dois. “Ele parou de me olhar como mulher e eu me senti largada”, conta ela. Na época, o casal viveu o inverso do que vivem muitos outros: o pai tinha uma conexão tão forte com o recém-nascido que chegava a excluir a mãe.

Camila propôs que os dois fossem a um terapeuta juntos. “Eu estranhei, nunca tinha feito isso e não sabia o que esperar, se a gente ia acabar ou não”, lembra Bruno. As sessões começaram em fevereiro, e somente no consultório ele começou a se abrir. “Em nove anos de relacionamento, eu perguntava: ‘O que houve?’, e ele só respondia: ‘Nada’. Era angustiante”, diz Camila. No dia a dia, ela sempre foi explosiva, mas não conhecia as consequências disso. “Ele começou a contar coisas do tipo: ‘Uma vez ela foi grossa comigo e depois veio querer transar. Não quis, ainda estava chateado’. Eu não fazia ideia dessas coisas!”

Depois do início da terapia, eles tiveram o que foi, para ela, o melhor sexo da vida. “As coisas melhoraram mesmo”, concorda Bruno. “Estamos ouvindo mais um ao outro, tendo mais paciência. É estranho, mas estou gostando. Como a nossa terapeuta diz, foi bom não termos esperado demais para pedir ajuda. Alguns casais chegam e já estão para acabar.”

Antes do fim

Em média, os casais enfrentam seis anos de problemas antes de procurar uma terapia. É tempo suficiente, por exemplo, para terminar um doutorado, ter um filho e alfabetizá-lo, mudar completamente de carreira. A demora parece ainda maior se considerarmos que os piores defeitos de um relacionamento são identificáveis logo no comecinho. É o que comprovou o psicólogo americano John Gottman, considerado o papa da terapia de casais, em uma série de estudos iniciados nos anos 90. Em um deles, a partir de entrevistas com 190 recém-casados, Gottman e sua equipe passaram a elencar os pontos fracos dos apaixonados e prever quais se separariam. Cinco anos depois – e isso explica o fato de ele ser uma das maiores referências atuais no assunto –, tinham acertado 84,7% das apostas de divórcio.

 

A maioria dos casais vive seis anos com problemas antes de buscar um terapeuta

 

O exercício não tinha objetivos sádicos, mas terapêuticos. Ao identificar os elementos mais nocivos, Gottman poderia criar um método para combatê-los – hoje usado por mais de 30 mil profissionais treinados com técnicas que incluem detecção de microexpressões faciais, filmagem e medição de batimentos cardíacos dos pacientes. O que eles procuram: críticas, postura defensiva, desprezo e a mania de fechar-se em si mesmo. São as quatro atitudes mais prejudiciais a médio e longo prazo, segundo o método. “Quando você percebe essas coisas em um casal, principalmente desprezo um pelo outro, é preciso corrigi-las, caso contrário o relacionamento tem muitas, mas muitas chances mesmo de fracassar”, diz à Tpm o terapeuta Don Cole, um dos 11 psicólogos no grupo de elite do Instituto Gottman.

Se fosse para resumir os quatro pontos ruins num só, o grupo diria: a negatividade. Enxergar mais coisas ruins do que boas no parceiro é o primeiro passo para acabar com uma história a dois. Inversamente, vislumbrar qualidades entre os defeitos pode ser crucial para sobreviver às brigas. Os atores Thiago Lacerda, 35 anos, e Vanessa Lóes, 41 – juntos há 12 e pais de Gael, 6, e Cora, 3 –, sabem disso. Eles se separaram duas vezes quando ainda eram namorados. “Tinha muito a ver com a questão do meu amadurecimento. Quando começamos a namorar, eu tinha 23 anos, era muito novo”, conta Thiago, que ficou famoso como ator aos 20, na minissérie Hilda Furacão, e hoje viaja o Brasil com a peça Hamlet.

O ator diz que a diferença de idade pesou no início, quando ele tinha 23 anos e ela, 29. “Seis anos é bastante tempo, principalmente porque as mulheres são, por definição, mais maduras que os homens. Então esses seis anos viram dez ou mais. No início, a diferença era gritante, e foi diminuindo com o tempo. Mesmo assim, ainda há essa diferença que falei entre feminino e masculino. Eu tenho muito bom senso, mas a Vanessa é mais estável do ponto de vista de amadurecimento afetivo mesmo.”

 

Os homens precisam de, em média, 30 minutos para se acalmar. As mulheres, 20

 

Medir os prós e contras foi inevitável. “Aos 23, um menino e uma menina devem ter outras coisas na cabeça. Mas, ao mesmo tempo, foda-se, eu identifiquei essa mulher maravilhosa e apostei nisso”, lembra Thiago. As duas separações duraram poucos meses. “O tempo vai passando e vemos que ainda existe um sentimento, ele é real, e ainda acreditamos na história. Isso fez a gente voltar nas duas vezes”, completa Vanessa.

Mesmo assim, em 12 anos de relação, o casal nunca parou de brigar. Até aumentou o ritmo. “Ao contrário do que seria razoável, a gente não se poupa e discute mais do que antes”, analisa Thiago. “Qualquer motivo é motivo. Principalmente a obra que acontece na nossa casa há três anos”, diz ela, que hoje interpreta uma astróloga em Malhação. Os dois assumem ser bons de briga e não desistir fácil de uma discussão. “Temos uma dureza, um jeito muito parecido de levar as questões até um ponto difícil”, confessa Thiago.

Daí para perder a cabeça... “Quando fico tentando dizer alguma coisa e a pessoa não me compreende, é um ponto da discussão em que a comunicação falha e a emoção vai tomando conta. Quando você vê, está furiosa e dizendo coisas que nem sente”, conta Vanessa. “Já tive duas ou três discussões em que descarreguei um monte de coisas e me arrependi.”

Filhos sem trilhos

Falar o que não se pensa é o maior sintoma de que a raiva vai contra uma conversa sensata. Tanto é assim que os terapeutas do Instituto Gottman gastam boa parte das sessões tentando acalmar e abaixar os batimentos cardíacos dos seus pacientes quando eles se alteram. O doutor Cole explica: “Aprendemos em pesquisas que, quando o coração passa dos 100 bpm [batimentos por minuto] e a pessoa não está se exercitando, mas se aborrecendo, ela não está numa conversa produtiva”. O processo de esfriar a cabeça é demorado, bem mais do que os poucos segundos que podem levar a um acesso de fúria. Os homens, em média, precisam de 30 minutos para se acalmar, e as mulheres, 20.

A terapeuta brasileira Tai Castilho, fundadora do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo e consultora de

casais há 20 anos, explica que, muitas vezes, eventos felizes podem ser uma fonte de intensas discussões. “É muito comum o casal com filho pequeno procurar ajuda. O nascimento do filho, principalmente do primeiro, traz muitas mudanças na vida do casal. Tem um terceiro elemento para onde vai o foco, e alguns conflitos se acirram.” Foi o que aconteceu com Vanessa e Thiago. “A chegada do Gael foi um momento delicado porque eu virei uma leoa, fiquei completamente obcecada. Foi um momento difícil pro Thiago, até ele conseguir se inserir nesse contexto – e eu deixar ele se inserir também.” Por causa da dificuldade, o casal procurou um analista juntos. “Às vezes uma pessoa que está de fora consegue conciliar melhor as emoções envolvidas, de pai, mãe, filho, filha. Acho superválido”, diz Vanessa, que também faz análise individual e considera a prática fundamental para detectar as brigas que valem a pena ser compradas.

Pedir desculpas

Para todas as outras que não valem, existe a opção de pedir desculpas. “Saber se reconciliar é importantíssimo”, aponta o psicanalista Luiz Alberto Hanns, que também trabalha com casais há duas décadas e coordenou a nova e mais recente tradução das obras de Freud feita direto do alemão, pela editora Imago. “Às vezes um casal tem uma briga intensa, mas depois baixa a guarda, mesmo sem resolver o conflito. Isso é fundamental”, explica, e completa dizendo que a paz absoluta nunca foi sinônimo de um casamento feliz. Em agosto, Hanns lança A equação do casamento – O que você pode ou não mudar em sua relação (editora Paralela), seu primeiro livro destinado ao público leigo (leia a entrevista na página ao lado). Na união de Thiago e Vanessa, uma diferença aparece: “Tenho mais facilidade em pedir desculpas que a Vanessa”, afirma Thiago. “Por outro lado, ela processa melhor a briga, é mais sábia nesse aspecto.”

Em entrevistas separadas, os dois foram claros quanto à dificuldade de permanecer junto: “Depois de 12 anos, é difícil à beça”, “Você fica cansado de reivindicar as mesmas questões”, “Diz que não aguenta mais, que não dá mais”. E concordam que ganhar uma briga não acrescenta grande coisa no dia a dia. Hoje, Vanessa diz preferir ser feliz a ter razão, e Thiago garante que a maioria dos assuntos em que discordam é irrelevante. Ele conclui: “Hoje, com a velocidade em que a gente vive, é tudo muito fácil, na primeira dificuldade [as pessoas] já querem separar, quando o legal de você insistir é ver o porquê de a relação estar dando errado. O barato do relacionamento é insistir em se melhorar, aprender coisas novas e dar oportunidade para fazer diferente”.

*Colaborou: Gabriela Sá Pessoa

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