Os amores de todo dia

por Fernanda Lima
Tpm #155

Fernanda Lima abre as páginas de seu diário e compartilha as paixões da sua vida

Fernanda Lima acaba de fazer 38 anos. Há 15, está na televisão – os últimos dez na TV Globo, onde já se arriscou como atriz (fez as novelas Bang e Bang e Pé na jaca), apresentadora e roteirista. Atualmente à frente do SuperStar, show de talentos que vai ao ar nas noites de domingo, ela se prepara para a volta do Amor & sexo, programa em que escreve, apresenta, dança, canta e sapateia desde 2009.

A seguir, ela compartilha com a Tpm as anotações em seu diário durante cinco dias de junho, em pleno inferno astral – foi a semana anterior a seu aniversário. Não que isso apareça nos relatos: o que está lá são coisas como a vida com o marido Rodrigo Hilbert e os filhos gêmeos, Francisco e João, 7; o fim de semana na serra; o domingão apresentando programa ao vivo; a segunda-feira de folga, sem culpa; as perguntas das crianças; a prática de ioga com jovens da Cidade de Deus; reuniões, gravações, leituras, filmes. Os amores de Fernanda são muitos. A seguir, um bocado deles.

SÁBADO 

No meio de um sono profundo, começo a ouvir gritos vindos da rua. Não sei bem onde estou, fato comum na vida de quem viaja com frequência. Com os olhos meio grudados, hesito em levantar, mas, num rompante de responsabilidade, pulo da cama para entender quem e por que gritam. O quarto é familiar, e, quando espio pela veneziana, quatro galinhas-d’angola com os pescoços esticados fazem uma espécie de serenata histérica bem de-baixo da minha janela.

São quase 10 da manhã, e nem chego a ficar furiosa com as Angolas. Tomo um café com leite bem quente, acompanhado de duas torradas, ovos locais mexidos com a gema um pouco mole, queijo branco, mamão com muesli feito em casa e suco de tangerina também local, fruta que amo e originalmente chamo de bergamota.

Nessa altura, a família já está desbravando a natureza, e vez ou outra escuto suas risadas distantes, o que me deixa à vontade para realizar meu objetivo principal do dia: a leitura. Vou para um lugar mais isolado, carregando uma mochila infantil com estampa de macacos de olhos arregalados. Dentro dela, envelopes com escaleta e roteiro do próximo SuperStar, agenda, caderno de rascunho e livros que estão na fila para serem lidos e aguardam minhas demandas mais urgentes. Dessa vez, Simone de Beauvoir, Machado de Assis, Haruki Murakami.

Optei pelo último, cuja direção de arte me seduziu, apesar de ser em inglês. Ok, tenho tempo para o desafio. The strange library conta a história de um garoto aprisionado no porão de uma livraria por escolher um livro que só poderia ser lido lá dentro. Depois de ler e memorizar o livro, seu cérebro seria devorado pelo velho homem que o prendeu.Quando o menino questiona o motivo de tamanha crueldade, o velho responde: "Porque cérebros cheios de conhecimento são mais gostosos e cremosos, por isso". 

No final do dia, consegui terminar o livro, um tanto confusa por percorrer os labirintos sem fim de Murakami. Os olhos arregalados dos macacos da mochila pareciam ligados à história que acabara de ler. Comemos uma pizza em frente à lareira e fomos para cama antes das 22 horas.

"No segundo em que o programa começa, todos são tomados pelo tempo presente. É bonito paticipar"

DOMINGO

Domingo é dia de relaxar, certo? Só que, entre os meses de abril e julho, eu experimento a estranha sensação da lida aos domingos. Às 23h20, apresento ao vivo o reality musical SuperStar. Mas, desde a hora em que acordo, já me sinto esmagada contra o tempo, que, nesse dia, parece passar mais rápido só porque eu tenho compromisso inadiável.

No café da manha reforçado, já tenho o semblante de preocupação que logo é desmanchado pela alegria e surpresa de ver meus pequenos entrando em casa seguidos por um bezerrinho de uma semana de vida. O bichinho segue os meninos, que, com uma mamadeira cheia de leite nas mãos, me falam: "Mãe, a mãe do bezerro não quer saber dele". "Acontece, filho", respondo um pouco constrangida por dar esse dado de realidade a eles. "Nós é que vamos ter que cuidar dele agora, mãe", eles exclamam, fascinados pelo animal cambaleante, me dando, agora eles, um dado bem real.

A volta da serra para a cidade é intensa, com sistema pare-siga por causa das eternas obras e, também, pelos caminhões pesos-pesados que descem a 15 km/h, obrigando os carros a fazer o mesmo atrás deles. Respirei tantas flores na serra que não me deixo levar pelas irregularidades do nosso Rio de Janeiro.

Às 20 horas, chego ao Projac e levo cerca de 2 horas para o que chamo de "a transformação da Xuxa", que inclui prova de roupa, maquiagem, cabelo e exercícios de voz para evitar gagueiras ou trava-línguas. Às 22 horas, vou para o switcher, local de onde a equipe técnica "decola o avião". Lá, leio roteiro, acerto detalhes com os colegas e me encaminho para o palco, diante das cadeiras lotadas de convidados. Trocamos uma ideia rápida para descontrair e entrar em sintonia, gravo as chamadas da semana, testamos o ponto eletrônico e logo chega a hora que todos esperamos.

No segundo em que o programa começa, todos os envolvidos são tomados pelo tempo presente. É bonito participar de tamanho acontecimento. Até hoje não entendo como é que dá certo.

Meu próximo desafio passa a ser a tentativa de dormir nas 5 horas seguintes.

SEGUNDA-FEIRA

11h30: tomo café da manhã enquanto as crianças almoçam.

Depois do programa ao vivo, fico exausta e me pergunto como vivem Fátima Bernardes e Willian Bonner. Costumo chamar a minha segunda-feira pós-programa de "enfermaria". Faço fisioterapia, acupuntura e ioga. Como feijão com arroz, farofa e ovo, lancho tapioca com queijo branco e vou ao cinema com Rodrigo.

Escolhemos o documentário sobre Kurt Cobain, por quem fui apaixonada durante anos na adolescência (meu marido não sabia disso até ler esta revista). Vejo momentos íntimos da vida dele, e, ao final, concluo com raiva o que eu sempre senti: ele tinha angústia, insegurança e vício em drogas, mas a Courtney Love o levou para o buraco de vez. Ninguém merecia ser casado com aquela maluca. O doc é fantástico, as cenas animadas são modernas, as músicas escolhidas são perfeitas, a direção de arte... tudo dentro do "padrão Nirvana". A frase que fica: "Cuidado com o que você deseja". Me pergunto: por que tantas pessoas desejam coisas grandiosas e, quando elas acontecem, não seguram a onda?

Janto uma canja de galinha. Dou banho nas crianças, coloco na cama, faço um chamego e vou deitar com Rodrigo. Hoje em dia, não me culpo mais por viver um dia da semana assim!

TERÇA-FEIRA

10h: inglês das crianças.

11h: inglês da mamãe.

12h: almoçamos todos juntos, despacho as crianças para a escola e sigo para o bairro de Botafogo, onde serão 5 horas falando de amor e sexo.

Mais de sexo do que de amor, confesso. Num quadro-negro, o líder do grupo criativo desenha, divaga, faz contas e defende suas ideias. No computador, cada membro do grupo procura referências, divide pensamentos e até confissões íntimas. E, assim, novas pastas com ideias são criadas a cada dia, com o intuito de criar mais uma temporada do meu programa Amor & sexo. Há uma beleza nesse trabalho de criação. O sofrimento é constante, há frustração e fragilidade. Mas, quando uma boa ideia aparece, tudo parece valer a pena.

À noite, faço dever de casa com as crianças, dou banho, janta e coloco os meninos para dormir. São 7 anos em que eles alternam entre meninos seguros, durante o dia, e bebês cabreiros, à noite. O ritual de ficar com eles no quarto antes que durmam é importante, pois é nessa hora que surgem as perguntas mais cabeludas e intrigantes.
"Mãe, existe inferno? O que é raciocínio? Eu sou de qual religião? Mas o que é religião? Bandido é mau? Por que meu ‘babaco’ fica duro? O que acontece quando uma pessoa morre? A gente pode ir morar naquele país em que não fica noite? Por que tem criança que trabalha?"

"Mãe, existe inferno? O que é raciocínio? Eu sou de qual religião? Mas o que é religião? Bandido é mau?"

QUARTA-FEIRA

Dia intenso de gravação no Projac, que termina às 16 horas. De lá, sigo direto para a comunidade Cidade de Deus, onde pratico ioga com adolescentes que pertencem ao grupo de teatro Os Arteiros, criado por um amigo querido.
"Os arteiros" são jovens muito especiais, que, a princípio, não entendiam o que era a ioga, mas, aos poucos, vêm sentindo os benefícios da respiração.

Gostaria de um dia poder disseminar essa prática, que me ajudou tanto e é tão simples e barata. Basta um tapetinho e um espaço de 1,8 metro por 60 centímetros. A respiração constante, misturada aos movimentos de alongamento do corpo, propiciam oxigenação, estado de alerta, concentração e uma grande liberação de toxinas. Qualquer pessoa com um corpo saudável pode praticar, sem contra-indicação. Pesquisas comprovam os benefícios da ioga. Eu pratico há mais de 15 anos e me sinto muito bem. Preciso escrever um pouco sobre a ideia de levar a ioga a outras comunidades e tentar correr atrás de pessoas que acreditem nessa prática como eu acredito.

À noite, vejo o filme Samba, do mesmo diretor de Os intocáveis. Junto com Relatos selvagens, O segredo dos seus olhos e Um conto chinês, Sambaé um dos melhores dos últimos tempos.

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