por Redação
Tpm #74

Em um momento qualquer de dúvida eu me pergunto onde está Deus, que não O vejo. Se admitisse que estivesse presente, não negaria que muitas vezes não entenderia a coerência de seus planos

Por Patrícia Varella

A voracidade dos meus pensamentos consome minha razão enquanto eu me engano pensando que é justamente esta entorpecida intelectualização que faz de mim um ser racional. Francamente, essa é só mais uma de minhas invenções! Não define minha inteligência ou minha consciência. Tristemente, somente as compromete quando minha sapiência não assimila fatos ou minha presença não absorve o tênue.

Sempre que questiono os acontecimentos que estão fora do meu alcance, subjetivamente atento que não confio na vida ou nos propósitos dela. Mas tenho o atrevimento de dizer tenho fé. Outra criação da minha mente. Se de fato tivesse essa crença cega no invisível eu jamais o contestaria. Obviamente isso nunca tira o meu direito de questionar minhas próprias ações. O que contesto é especificamente minha habilidade em desacreditar na justiça do resultado delas quando claramente não são da minha alçada. Ignorante da situação climática, por exemplo, eu martirizo minha plantação e não aceito as razões da natureza por não vingar minhas sementes.

Essa força que parece ser só um detalhe é na realidade o que dá o tom às cores que escolho para pintar meu mundo, é também, indiscutivelmente, o que rege os acontecimentos da minha vida, aqueles categorizados como destino. A tonalidade definida nessa química sutil de ações minhas e reações da vida transparece um relacionamento íntimo entre a existência e mim. Relação esta que nego impiedosamente ao dizer que sofro de solidão! Como poderia estar só se quem me nutre, não só me dá de comer, mas também opera toda a minha digestão até quando tento evitá-la com somatizações? A vida vence minhas travas e amarras, permitindo que eu a digira como se dissesse: “Urge-se viver!”.

O conhecimento disso, entretanto, não espelha compreensão, pois não reconheço a presença do divino em tudo e todos. Eu observo a vida julgando e condenando o sagrado e o diabólico como se algo fosse menor que o divinizado por aqueles acontecimentos, que, alheios à vontade de cada um, determinam toda uma colheita. Entenda que isso não diz que condutas amorais são regidas pela luz geralmente atribuída ao sublime.

Estas minhas colocações afirmam sim que, independente da ação ou intenção do ser, a vida age decorrente de um poder que lhe é conferido. Não somente meu coração bate, mas também o de pessoas que me são caras e queridas assim como o das que são indiferentes para mim. A vida é impessoal. Eu enfeito a realidade com minhas interpretações desnecessárias enquanto eventualmente procuro experiência sem viver, acumulando palavras sem prática pelo medo de sofrer. Se Deus rezasse o escutaria em oração: “Implora-se viver!”.

Quando eu não encontro o tal do deus, esqueço do evidente poder que faz as flores desabrocharem ou que coloca calor nos raios de sol, o próprio sopro dos ventos ou a consciência que possibilita o pensar, manifestando o pensador que somos. Quando essa breve realização desfaz meu mundo de convicções frágeis, meu falso telhado é destruído. “Ganho as estrelas”, como diz a sabedoria popular. Agora, já emocionada, noto envergonhada que o que penso não existir é debilidade minha. A lei da gravidade já estava em operação muito antes da descoberta de Newton sobre ela. Isso não invalida a força gravitacional, somente a percepção do homem. Sendo assim, Deus, simplesmente perdoa que não te encontre no óbvio evidente de todas as Tuas manifestações.

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