Delaíde Miranda Arantes

por Nina Lemos
Tpm #130

Ministra do Tribunal Superior do Trabalho e ex-doméstica: ”temos que trabalhar em dobro pra provar que somos boas”

Nos anos 50, Delaíde Miranda Arantes era uma menina pobre da zona rural de Goiânia. Nos anos 60, uma empregada doméstica. Hoje é Ministra do Tribunal Superior do Trabalho


“Onde está a ministra?” Os funcionários de um hotel de luxo no Rio de Janeiro, onde acontece um seminário sobre direito trabalhista, apontam imediatamente para uma sala. Dentro daquele ambiente cheio de garçons e pessoas sérias, Delaíde Miranda Arantes é autoridade máxima. Motivo: aos 60 anos, ela é uma dos 27 ministros do Tribunal  Superior do Trabalho (cinco são mulheres), o equivalente ao STJ, na área do direito trabalhista. O ponto mais alto da carreira de um advogado. Foi indicada pelo ex- presidente Lula. Trabalha em uma sala de 100 metros quadrados, comanda 40 empregados, tem três secretárias, motorista particular.

Esqueça qualquer imagem de figura sisuda que se masculinizou por alcançar o poder. Essa jovial senhora sexagenária é vaidosa. Demais. Usa as unhas pintadas de rosa e um colar que chama a atenção. Se movimenta rápido e pega o celular para exibir fotos de seus três netos pequenos. “Vou te convidar para ser minha amiga no ‘Face’”, diz ela.

 

"As domésticas vão diminuir no Brasil, mas eu acho isso ótimo. É sinal de progresso"

 

Agora a história de vida por trás da figura pública. A ministra, que convive hoje nas altas rodas de poder (“A Dilma esteve outro dia no Tribunal”), foi criada na roça, na zona rural de Pontalina, a 130 quilômetros de Goiânia. É filha de um agricultor e de uma dona de casa, em uma família com nove irmãos. Para “sair da roça” e realizar seu maior sonho de vida (estudar), ela trabalhou como empregada doméstica por duas vezes. A primeira quando tinha 16 anos. A segunda aos 20 e poucos, para pagar seus estudos em Goiânia. “Tem gente que experimentou uma ascensão social muito grande e se tornou uma pessoa revoltada. No meu caso não. Sou grata a tudo o que vivi.”

Vida de doméstica

Não por acaso, ela é especialista em legislação de empregadas domésticas. Lançou o livro O trabalho doméstico – Direitos e deveres, dirigido a empregadores e empregados, e estudou o assunto por mais de duas décadas. Como ministra, esteve no congresso em Genebra, em 2011, que estabeleceu pela primeira vez uma lei trabalhista mundial para os empregados domésticos, que são a maioria dos empregados no Brasil, conforme ela explica. Na ocasião, contou sobre sua situação de campo, cozinhando, ajudando a cuidar de crianças.

Delaíde já militou no Partido Comunista e diz querer uma vida socialista. “Não podia ser diferente depois de tudo o que passei. Vejo meus amigos de Pontalina, que não puderam estudar por causa da desigualdade social que existe no país.”

Ainda sonha com um mundo em que as empregadas domésticas sejam tratadas como “trabalhadoras normais” – graças à PEC (Proposta de Emenda à Constituição, com aplicação imediata, que dá às empregadas o direito de terem hora extra e jornada de oito horas diárias), que foi aprovada por unanimidade na sua primeira votação no Senado (e seguia, até o fechamento desta edição, para a votação em segunda instância), e ao documento assinado em Genebra, que reconhece a profissão como “as outras”. “Sim, as domésticas vão diminuir no Brasil, mas eu acho isso ótimo. É sinal de progresso. Se as madames ficarem chateadas, problema delas. Vão ter que se adaptar.” Isso significa pagar hora extra, cumprir jornada de trabalho e não praticar discriminação. “Separar comida de empregada da comida da casa é assédio moral”, ela explica. Tudo sem rancor. Com voz doce.

Ela usa a mesma voz doce para avisar que nós, mulheres, estamos ferradas. Ainda ganhamos menos. Temos que trabalhar mais para alcançar posições de chefia e trabalhamos 26 horas por mês em média cuidando da casa. Ela conta todas essas más notícias sorrindo e fazendo piada. “Homem ajuda em casa, mas é cuidando do carro da família”, ela ri. Ódio aos homens? Imagina! Ela é casada há 20 anos com o segundo marido, o ambientalista e ex-deputado Aldo Arantes (do primeiro casamento teve Patricia, 32 anos, e Lorena, 30), e define a sua vida com uma frase característica (e otimista): “A minha vida é uma delícia”.

“Lembro de pedir a Deus todas as noites para que ele me ajudasse a estudar”

Tpm. Como foi a sua infância?

Delaíde Miranda Arantes. Tive uma infância muito feliz. Morava na zona rural, mas sempre tive desejo de estudar. Desde quando tinha uns 7 anos lembro de pedir a Deus todas as noites para que ele me ajudasse a estudar, porque era muito difícil. Meu pai, que era agricultor e uma pessoa muito humilde, me dizia: “Não adianta, você não vai poder estudar, não tenho condições financeiras para isso”. Na roça o estudo ia só até o quarto ano. A minha mãe conta que acordava de noite e eu estava estudando com luz de lamparina. Acordava com o nariz todo sujo.

Hoje você é uma ministra que mora em Brasília. Ainda é próxima da sua família de origem? Meu pai tem 84 anos e minha mãe, 79. Eu vou vê-los todo mês, às vezes mais de uma vez. Não dá para esperar quando tenho saudade deles. E a gente não tem pai e mãe a vida toda. Somos nove irmãos, alguns ainda moram em Pontalina, e sou muito ligada a eles. Tenho mais de 20 sobrinhos.

Como você deu seus primeiros passos para conseguir estudar? Saí da zona rural com 14 anos para estudar. Fiz até o quarto ano primário em uma escola rural. Aquelas escolas onde o professor dá aula para a primeira à quarta série na mesma sala. Meu professor dessa escola foi na minha posse [como ministra do Tribunal Superior do Trabalho], uma gracinha. A minha mãe trabalhava em casa. Eu aprendi a cozinhar tão pequenina que subia em uma banquetinha para cozinhar no fogão a lenha.

Como conseguiu sair desse ambiente de falta de recursos e se tornar ministra? Deus atendeu às minhas preces e fiz a minha parte com as minhas ações. Na primeira fase, trabalhei como doméstica em Pontalina, com 16 anos. Esse trabalho tinha o objetivo de custear os estudos. Depois fui recepcionista de um consultório médico. Depois fui para Goiânia e fiquei uns seis meses trabalhando como empregada doméstica, também para custear meus estudos. Trabalhei em casa de construção, em escritório de advocacia, como secretária e acabei conseguindo virar secretária executiva.

Como foram suas experiências como empregada doméstica? A primeira foi muito boa. Quando fui trabalhar na casa deles, não tinha experiência. Meu passado era na área rural. Meu patrão era contador de um banco, o que era quase equivalente ao status do juiz do banco [risos]. E a minha patroa era diretora de escola primária. Eles eram meu espelho. Parâmetros do que eu queria ser. Eles foram meus padrinhos de casamento e meu padrinho até hoje me diz: “Não entendo por que fui tão importante para você”. Mas, gente, eles, além de me tratarem bem, eram meu espelho.

O que você fazia? Cuidava de criança, cozinhava. Mas minha patroa me ensinou muito. Minha casa era muito simples na zona rural. Ali tinham móveis, utensílios, coisas que eu nem conhecia. E vou te contar uma coisa, minha experiência como empregada doméstica me fez ser uma dona de casa exigente. Porque sei passar, sei fazer cama, tudo. Então, se alguma coisa está malfeita, eu reclamo. Mas sem cometer assédio, viu? A minha segunda experiência como doméstica foi diferente. Uma das pessoas da casa era muito exigente. Tudo o que eu fazia era ruim. Mas as outras eram legais. Era uma casa que pais de Pontalina alugaram para manter as filhas em Goiânia. E elas ajudavam. Eu tinha um quartinho, que não chegava a ser um quartinho de empregada.

 

"Às vezes, quem experimenta uma ascensão social fica revoltado. No meu caso não"

 

E por que você decidiu ser advogada? No interior, as opções culturais e de lazer são muito poucas. A cidade tinha uma sala de cinema e as festas anuais da Igreja católica. Boa parte da população lotava as sessões dos tribunais de júri. Achava aquilo lindo. E tinha a figura do juiz de direito. A gente falava: “Ali é a casa do juiz”. Essa era uma figura muito respeitada, que chamava muito a atenção de uma criança, de uma mocinha. Acho que foi por isso que me tornei advogada.

Você era empregada doméstica e hoje é ministra. Qual o choque causado por essa mudança? Às vezes, a pessoa que experimenta uma ascensão social dessas fica revoltada. No meu caso não. Foi uma infância muito feliz, uma juventude feliz. Eu tenho muitas lembranças boas. Outro dia me perguntaram como eu definiria a minha vida e respondi: “A minha vida é uma delícia” [risos].

E como é o seu trabalho no Tribunal? Ocupo a vaga da advocacia. Advoguei por 30 anos. É uma experiência muito interessante. Quando vou examinar um processo, é muito importante a minha ótica de vida e de experiência de campo. O Tribunal Superior do Trabalho cuida das causas que são julgadas nos tribunais regionais e tem decisões que contrariam a Constituição. Trabalho escravo, trabalho infantil, negociação sindical, isso tudo. E tem um volume muito grande de casos. Sou uma dos 27 ministros e julgo por mês cerca de 900 processos. São todos os tipos de questões.

E como foi seu envolvimento com o direito das trabalhadoras domésticas? Pesquisei isso por 20 anos e escrevi um livro chamado O trabalho doméstico – Direitos e deveres [1995]. É dedicado a ambas as partes, para orientar empregadores e empregados.

E o que você aprendeu com isso? Acho que existe um histórico de discriminação contra as domésticas. Em 1943, tivemos a primeira lei trabalhista e os trabalhadores domésticos foram excluídos da Constituição. Em 1972 veio uma lei outorgando alguns direitos aos trabalhadores domésticos: salário, férias de 20 dias e só. E em 1988, depois de muita discussão, passeatas, novamente os trabalhadores domésticos foram excluídos da nova Constituinte. Mais de 20 direitos dos trabalhadores entraram na Constituição. Desses, apenas oito ou nove foram dados aos domésticos. Os trabalhadores domésticos foram discriminados! De 1988 até 2006 foi discutido nos tribunais trabalhistas o direito de a mulher ter garantia de emprego por gravidez. Essa lei só veio em 2006. Eu coloco isso no meu livro. Gente, não importa se a mulher é doméstica, executiva ou ministra. Se ela ficou grávida, isso tem que ser um direito para a mulher. Eu posso dizer até na linguagem do direito que está em jogo um serviço para a sociedade. Se essa mulher perder o emprego, como fica a criança? Isso é completamente absurdo e injusto! E só em 2011 foi aprovada em Genebra a implementação dos direitos dos trabalhadores domésticos. A lei ainda não foi ratificada. Mas isso tem que ser executado agora em caráter de emergência. Porque isso trata de direitos humanos.

O que vai mudar na vida das empregadas domésticas daqui para a frente? Vai mudar a jornada. Dormir no trabalho passa a ser parte da jornada. Elas também terão fundo de garantia. E temos a PEC [Proposta de Emenda à Constituição, com aplicação imediata, que dá às empregadas o direito de terem hora extra e jornada de oito horas diárias], que acaba de ser aprovada. Às vezes me perguntam: “As pessoas vão ficar desempregadas?”. Não, não vão ficar! Se alguém vai ser prejudicado, serão os empregadores. Ontem conversava no avião com uma pessoa que tinha três empregadas. Ela vai ter que reduzir para uma. Mas, como vivemos uma situação de pleno emprego no país, vai haver uma absorção delas pelo mercado de trabalho. Não vai ter um desemprego em massa, garanto. Mas não tem nada que justifique que a maior categoria de trabalhadores do Brasil, de 7 milhões de pessoas – e o Brasil tem o maior número de domésticas do mundo –, seja tratada como subcategoria.

O quanto isso está arraigado na sociedade? Quando voltei de Genebra fui visitar uma amiga e um homem me serviu um café e um pão de queijo. Dez da noite veio o mesmo homem me servindo um café. Ela falou: “Como vamos ficar, você que veio de Genebra?”. Ora, ela vai ter que pagar dois turnos para esse trabalhador. E os salários no Brasil são muito baixos.

Além do problema da jornada, muitas patroas, por exemplo, separam a comida das empregadas da que se come na casa, e as proíbem de comer em restaurantes. Isso é crime? É discriminação mudar a comida. É discriminação não levar uma babá em um restaurante [agitada]! Mas no nosso país não temos legislação que garanta o emprego. Então, a pessoa fica com medo de reclamar. Mas a babá se dá por satisfeita por poder comer alguma coisa, mesmo que seja diferente da que ela serve para a criança.

Isso é assédio moral? É, é assédio moral, sim. Uma babá poderia processar. Mas acho que isso vai melhorar aos poucos, com a sociedade avançando, estudando mais e ficando mais consciente.

E na vida das mulheres de classe média, como fica o trabalho doméstico? Temos a chamada dupla jornada. Não acho nem que é dupla, é tripla, quádrupla [risos]. A divisão de tarefas em casa é um assunto muito sério. A mulher ocupa 22% de seu tempo com afazeres domésticos e da família. O homem, 9%. E eu brinco que esses 9% do homem são gastos no tempo que ele passa limpando o carro com os filhos [risos]. Se eu entro em casa com meu marido em um sábado, com o jornal, adivinha quem vai ler o jornal? Ele, né? Porque sábado de manhã eu tenho uma série de cuidados com a casa, cuidado com as plantas, ver se está tudo bem. Temos que ensinar isso para nossos filhos e para nossos netos. Para que os meus netos não achem que eles não vão poder lavar prato. Precisamos mudar isso, para que melhore a vida da mulher. Poderemos estudar mais, viver mais.

E como é a situação da mulher no mercado de trabalho? A mulher ganha menos que o homem. O padrão do Brasil é de 14% a menos. Mas se o cargo é alto, como uma engenheira, uma advogada, a diferença é de 40%. Quanto maior o cargo, maior a diferença. No serviço público, por exemplo, o salário é igual. A diferença é que o homem é mais promovido, chega mais às posições de poder. No serviço judiciário, nas posições de poder, apenas 18% são mulheres. Poder é coisa de homem, né?

 

"É discriminação não levar uma babá a um restaurante"

 

Além de ganhar menos, temos que trabalhar mais para provar que somos boas? Sim, temos que provar mais. Temos que trabalhar o dobro para provar que somos tão boas quanto eles, o que é absurdo. A gente acaba se esforçando mais no tempo em que está trabalhando. No escritório, você tem que trabalhar mais, em casa também... Olha que maravilha [risos].

Como você lida com a jornada dupla e tripla de trabalho na sua vida? Consegue relaxar? Eu procuro uma alternativa. Vou ao cinema nos fins de semana. E vou ficar com meus três netos em Goiânia, vou para o parquinho com eles. Minha filha fala: “Você deve sentir falta da estrutura de Brasília”, mas não. Sim, tenho três secretárias, motoristas, mas quando chego em casa eu sou avó. Pego o carro, dirijo, esqueço que sou ministra.

Como você se sentiu quando soube que tinha virado ministra? Sou ministra há dois anos. Fiquei muito feliz. Eu estava no trabalho, em Brasília. Quando recebi o telefonema, nossa, passou todo o filme da minha vida na cabeça. Era toda uma sorte de pessoas que me ajudaram, que aconselharam meu pai a me deixar sair da roça, tanta gente, tanta coisa que até me assustou. Foi muito, muito emocionante.

Você chorou? Ministra chora no trabalho? Não chorei, acredita? Nem no dia da minha posse. Eu não sou muito de chorar, sabia?

Como seus pais reagiram quando você virou ministra? Meus pais ficaram muito orgulhosos e me incentivaram muito. Minha mãe foi à posse, meu pai não porque ele tem mal de Parkinson. Depois ele foi a meu gabinete, que é muito bonito, tem uma vista linda para o lago Paranoá. E ele perguntou: “Quantas pessoas trabalham nesse gabinete?”. E levou um susto quando eu falei que era só eu [risos]!

Hoje você ajuda os seus pais? Sempre tive a noção de que nasci em condições de poucos recursos financeiros e que precisava vencer. Uma das razões para isso era poder dar uma vida melhor para os meus pais. Cuido deles. Comprei uma casa para eles antes de comprar meu primeiro apartamento, minha casa própria. Graças a Deus hoje eles têm uma vida tranquila.

E, no meio de tanto trabalho, sobra tempo para namorar? Estou casada há 20 anos com o meu atual marido, que é ambientalista. Ele se chama Aldo Arantes, foi perseguido pela ditadura militar, preside uma ONG e é uma pessoa maravilhosa. Me separei com minhas filhas pequenas. Falei para uma amiga: “E agora, como vou cuidar dessas meninas, uma de 5 anos e outra de 7?”. E ela falou: “Que diferença vai fazer?” [risos]. Mas psicologicamente fazia. Casei dois anos depois e meu ex-marido ajudou também, do jeito que homem ajuda, né [risos]? Minhas duas filhas são maravilhosas, fantásticas, as duas também são advogadas trabalhistas. Em um determinado momento conquistei uma independência profissional. E abri um escritório em Goiânia. Hoje as minhas filhas cuidam dele. É muito bom. Elas e dois irmãos meus. Tudo em família, uma maravilha.

Ainda existem muitos casos de assédio sexual e moral contra mulheres? Existem, sim, muitos casos de assédio sexual, e sempre contra as mulheres. Quando fui secretária, isso era muito comum. Tivemos um caso muito interessante. Éramos sete secretárias. E tinha um gerente de banco que cada vez convidava uma das secretárias para almoçar. Fizemos um plano, o convidamos para almoçar com a gente, as sete [risos]. Ele teve que pagar o almoço para todas e nunca mais nos convidou.

Essa linha do assédio é tênue, né? A linha é tênue, sim. Geralmente, quando existe uma denúncia de assédio, é assedio mesmo, na maioria das vezes. O que caracteriza muito é a subordinação hierárquica. Se um secretário convida uma secretária para sair, não é assédio. Mas, quando existe uma posição hierárquica grave, que a pessoa pode ser prejudicada, aí é assédio mesmo e deve ser denunciado.

E o assédio moral, é mais em cima das mulheres? Esse é outro assunto muito sério que precisa ser denunciado. A pessoa que é assediada fica muito desmotivada, se sentindo por baixo. Além de ficar com medo de perder o emprego. O assédio moral faz um mal psicológico muito grande para a pessoa. E o assédio moral é mais em cima da mulher, porque ela é mais vulnerável. E nesses casos é possível tomar uma medida contra a empresa e contra a pessoa também. Por danos morais.

 

"O assédio moral é mais em cima da mulher, porque ela é mais vulnerável"

 

Além de advogada, você tem algum envolvimento político? Tenho uma história de militância política no PC do B. Me desfiliei para tomar posse do meu trabalho no Tribunal. Mas fui militante por 20 anos. Antes era simpatizante do PT. Gosto de política desde criança. Meus avós eram Arena e eu e meu pai, MDB [Movimento Democrático Brasileiro]. Sempre fui apaixonada pelo Juscelino Kubitschek, acho que ele foi um dos grandes presidentes que o Brasil teve. A minha condição, de ter lutado tanto para poder estudar, ver vários amigos meus que ficaram até hoje na roça porque não tiveram como sair de lá, não puderam estudar, me fez pensar nas injustiças. Sempre soube que não podia lutar só por mim, que tinha que lutar por um mundo menos desigual.

Você se considera comunista? Não sou mais filiada ao Partido Comunista. Mas a minha visão socialista do mundo continua. Eu quero um mundo mais socialista, sim. Quando defendo os profissionais domésticos, quando defendo trabalhadores, isso é por razões sociais.

Você está arrumada, de unha pintada de rosa. É muito vaidosa? A vaidade eu herdei da minha avó materna. Ela era uma mulher impressionante para a época dela. Faleceu com 70 e poucos anos e deixou um estoque de cremes antirrugas. Meu genro, que está casado com a minha filha há cinco anos, diz: “Nunca vi minha sogra desarrumada”. Eu trabalho muito em casa, mas, mesmo assim, arrumada. Passo uma maquiagem leve, ponho uma roupa boa. Não consigo trabalhar em casa de camisola, por exemplo.

Você é consumista? Não sou muito compradora. Gosto de colar, de brinco, de bolsa. Mas não tenho um guarda-roupa grande. Contribuo com instituições, com a minha família. Isso seria até incompatível com o que acredito. Gosto de um bom sapato, de uma bolsa, mas tenho poucos, claro. Porém vou sempre ao dermatologista, ao cabeleireiro.

E como cuida do corpo, faz esporte? Emagreci 30 quilos. Operei o estômago. Sempre fui magra, mas em dez anos engordei 30 quilos por causa de um problema na tireoide, que ainda tenho que operar. Então, tenho que me cuidar. Não precisei fazer plástica depois porque parti para a malhação. Só fiz uns tratamentos no rosto. Acordo às seis da manhã e vou para a academia, eu e meu marido, três vezes por semana. Ir para a academia na minha idade é uma exigência médica.

Como é a sua rotina? Chego no Tribunal nove e meia e saio lá pelas oito horas. E sempre levo trabalho para casa. E ainda faço um curso de direito constitucional e estudo inglês. O inglês é o que está mais mal resolvido na minha vida. Tento fazer uma aula por semana e não consigo. Claro, não pude estudar inglês jovem. Hoje, se viajo, não passo fome. Mas para falar em eventos, por exemplo, preciso de intérprete.

E dá para tirar férias e desligar? Tenho uma capacidade de fazer mudanças muito grande. Consigo mudar. Quando estou na casa da minha mãe, sou só filha e sobrinha das minhas tias da zona rural. Se eu estou com as minhas filhas, sou mãe. Com meus netos, sou uma avó babona. Não sou ministra o tempo todo. E costumo tirar férias, sim. Gosto de passear, de sair. E tenho uma preferência por lugares boêmios, como Paris, Veneza. Gosto de festa. E, quando bebo, tomo um uísque, mas pouco. Quando vou a uma festa de casamento com meu marido, ele quer ir embora às 11 horas, já eu quero ir embora uma e meia.

Você disse que rezava muito para Deus para conseguir estudar. É uma pessoa religiosa? Sou evangélica desde os 15 anos de idade. E vou até hoje à igreja rezar. E isso me faz muito bem. Em Goiânia, o Partido Comunista deve ter 30%, 40% de evangélicos. Nem todo comunista é materialista. Eu às vezes tenho conflitos na igreja, claro que destoo de algumas questões. Mas incompatibilidade completa eu não tenho e nunca tive.

Você é evangélica e feminista. Isso faz você ser contra ou a favor da legalização do aborto? Se eu sou a favor? Eu não sou contra. Acho que a mulher que tem que decidir. A Igreja não deve se meter com isso nem o Estado. Se a religião dela não atingir isso, qual o problema? A mulher que tem que decidir. Ninguém tem nada a ver com isso mais do que ela.

O que você acha da presidenta Dilma? Gosto muito da presidenta. Ela é uma mulher extraordinária. Sou fã dela. Ela tem um outro olhar para o Brasil, para o social, para os excluídos. Claro que ainda tem muito o que fazer. Mas já é um outro olhar. Você chega no aeroporto hoje e tem todo tipo de gente. Tem quem reclame, mas eu acho isso lindo. Ver uma senhora calçando chinelo no aeroporto, tem quem não goste. Mas o nome disso é inclusão.

E você tem empregada doméstica? Sim. Hoje, tenho uma diarista na minha casa em Goiânia e uma em Brasília. Quando minhas filhas eram crianças, tive empregadas que cuidavam da casa e olhavam as meninas, mas não dormiam. Fiz questão que todas elas fizessem faculdade. Minhas filhas diziam: “Você trata melhor as empregadas do que a gente”. Mas, pela condição social delas, elas precisavam mais de mim.

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