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“Deixei o corpo falar”

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Administradora de um grupo voltado a pessoas trans e LGBQIAP+ no Facebook, Skyler Alarcon conta como foi lidar com os questionamentos sobre quem realmente é

Há quatro anos, Skyler Alarcon se permitiu perguntar quem realmente era. A estudante de matemática de 22 anos começou sua busca pela internet, encontrou respostas em grupos do Facebook voltados a transgêneros e hoje administra TRANS, NB e LGBQI+ Acolhimento/Moradia e Ajuda, comunidade que conta com 8 mil membros. Sky conta à Tpm sobre o trabalho da comunidade no FB e como foi seu processo de transição, iniciado há quatro anos:

Questionamentos

“Com 8, 9 anos já sabia que eu não era quem todo mundo falava que era. Mas por morar numa casa muito machista, sexista e conservadora, acabei deixando isso de lado, literalmente bloqueando na minha mente, falando para mim mesma: 'Isso está errado, eu preciso seguir o que é certo'.

Em 2016, comecei a praticar swordplay [uma simulação de batalhas medievais com espadas]. Conheci muita gente diferente e acabei saindo com uma delas que tinha uma cabeça mais aberta. À medida que conversava com ela, começava a me questionar: será que aquilo que me falaram que sou é quem eu realmente sou? Então, comecei a pesquisar.

Naquele mesmo ano, meus pais se separaram. Segui morando com a minha mãe e isso cortou a parte conservadora de casa, que era basicamente meu pai. E aí tive mais liberdade para tratar dessas questões internas, para me questionar, de não ter alguém dizendo 'é isso ou é aquilo'.” 

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Não-binariedade

“Um ano depois, fui chegando numa ideia mais concreta do que sentia, de quem eu era, que se aproxima mais da não-binariedade. Deixei o corpo falar, e não a mente falar pelo corpo. Aos poucos, fui percebendo que me aproximo muito do gênero feminino, não necessariamente binário, mas algo perto dele. 

Binariedade são os dois extremos: homem e mulher, feminino e masculino. Se uma pessoa cis [que se identifica com seu gênero de nascimento] ou trans se identifica apenas com um desses dois, ela é uma pessoa binária. Uma pessoa não-binária sai desses dois polos extremos, ela fica no meio, pode se identificar com nenhum ou com todos, isso muda de pessoa para pessoa. Sou uma pessoa com o gênero um pouco mais fluído, que a gente chama de demimulher [alguém conectado parcialmente com o gênero feminino]. Não é exclusivo se sentir mulher, em alguns momentos isso flutua, mas eles são raros.

No começo, é muito difícil porque a informação é escassa para quem não sabe nada. Mas fui pesquisando sobre o assunto, entrando nas comunidades do Facebook, encontrei alguns grupos brasileiros e outros do mundo todo. São grupos para pessoas trans e alguns mais específicos para pessoas não-binárias.” 

Mudança de nome 

Em 2018, decidi que iria trocar meu nome, pesquisei e acabei achando este, Skyler. Gostei demais porque não dá para saber se é homem ou mulher. Sinto que combina bem comigo.

Este ano, mudei meu nome nos documentos. Essa parte é muito difícil, não há informação [disponível] para você saber o que tem que fazer, o processo é extremamente caro. Felizmente, tive ajuda do Poupatempo LGBT+ [guichê que funcionou no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, até o início do ano, voltado à população trans, uma iniciativa do coletivo #VoteLGBT] . Eles fizeram os documentos na hora, me deram os documentos impressos na minha mão.”

Respeito

“Se eu entro no banheiro feminino, tem sempre uma pessoa olhando feio para mim ou um guarda querendo me tirar dali. Agora, ando com uma cópia da minha certidão de nascimento para falar 'olha o que diz aqui, eu posso estar aqui'.  

Não sentir medo de usar as roupas que eu quero é uma parte importante. Ainda é bem difícil porque o Brasil é o país que mais mata pessoas trans. Então, a segurança que a gente tem para a gente sair com a roupa que quer é quase zero.” 

Acolhimento

“Administro o grupo TRANS, NB e LGBQI+ Acolhimento/Moradia e Ajuda. A gente sempre acolhe pessoas novas. Tem muita gente que precisa de ajuda e vejo uma galera se dispondo a oferecer moradia, apoiando pessoas que estão em situação de rua com doações para que possam comprar comida. Sempre que tenho tempo para ajudar as pessoas, respondo comentários, escrevo nas publicações. 

Grupos fechados para pessoas trans são um dos melhores lugares para se encontrar ajuda porque as pessoas são extremamente receptivas. Você vai fazer uma pergunta – pode estar só se questionando e chegar a conclusão de que não é trans – e as pessoas vão falar ‘olha, normalmente você vai sentir isso, aquilo', 'mas eu senti outra coisa'. Vai ter muita gente, de muitos lugares, com experiências extremamente parecidas e diferentes das suas.” 

Apoio

“Meu maior conselho é pesquisar nos lugares certos. Procurar por grupos que realmente ajudem, como os de pessoas trans no Facebook, tem muita gente lá que está disposta a dividir experiências. O mais importante é a pessoa estar em um lugar seguro para se assumir trans. Quando ela não está em uma casa que lhe dê apoio, por exemplo, ela pode ser expulsa, acabar literalmente embaixo da ponte. Se não puder procurar ajuda de um psicólogo, o SUS oferece atendimento psicológico gratuito. Então, tenha um lugar seguro, procure ajuda profissional e conheça pessoas com experiências parecidas com a sua.   

Quando passei a conhecer mais pessoas trans, mudou muito o meu panorama de como é a vida delas no Brasil. Sei que ainda é muito perigoso ser uma pessoa trans no Brasil, mas não é tão ruim quanto eu imaginava ser – uma vida solitária, sempre se escondendo. Conhecer essas pessoas mudou minha visão, realmente. Deu uma sensação de alívio ver que há esperança.” 

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“Me ajudou muito pesquisar bastante para entender o que iria acontecer comigo” 

Um dos rostos da campanha do Facebook de apoio à diversidade, Thiago José, 26 anos, conta como foi seu processo de transição  

Tpm. Como começou sua transição?

Thiago José. Contei que era lésbica para a minha família aos 17 anos, em 2012. A única pessoa a me dar apoio foi minha mulher. Mas o tempo foi passando e as coisas foram melhorando com a minha família. Foram quatro anos tentando me encontrar e vendo quem eu era de verdade. Até então, achava que era uma coisa, mas não me sentia bem com isso. Comecei a ver vídeos de meninos trans e percebi que muita coisa na história deles se encaixava na minha, me sentia melhor ouvindo eles. Não me sentia bem enquanto mulher lésbica, mas mil vezes melhor enquanto homem trans, gostando de mulher. No dia 21 de novembro de 2017, tomei meu primeiro hormônio. 

Como foi? Procurei uma clínica particular e um endocrinologista, fiz exames para saber se estava tudo bem [tratamentos hormonais devem ser realizados e acompanhados por endocrinologistas]. Atualmente, a cada três meses me consulto com um endocrinologista, no Hospital das Clínicas, pelo SUS. O atendimento é muito bom. Para quem puder, é importante passar com o psicólogo para saber como lidar com certas situações.

E quando você percebeu as primeiras mudanças no seu corpo? Foi maravilhoso. No primeiro mês, você percebe a voz – ela vai mudando até se estabilizar. Aí vêm os músculos nos braços, nas pernas. Com dois, três meses, você já começa a perceber a barba crescendo. No começo, é um pouco difícil porque muitas pessoas não entendem o que está acontecendo. Depois de um tempo de hormonização, tudo se encaixa.

Como foi a recepção dos mais próximos e daqueles que não te viam com frequência e não sabiam deste processo? As pessoas mais próximas – meus pais, meus irmãos, minha esposa – receberam melhor a transição do que quando contei que era lésbica, foi um escarcéu. Quando contei que era trans, disseram: “Isso a gente já esperava”. Eu imaginava uma reação totalmente diferente. A minha irmã é uma mulher trans, sou a segunda pessoa trans da família. Claro que no começo foi muito difícil para eles utilizarem os termos corretos. Já tem três anos que contei para eles que sou um homem trans e até hoje isso é difícil, mas busco me posicionar. Parte da minha família, que mora no interior de São Paulo e que não vejo com frequência, não consegue me chamar de Thiago, nem utilizar o pronome correto – é “ela” o tempo todo. É importante o acompanhamento psicológico para te ajudar a enfrentar algumas questões. 

O que te ajudou nesse processo? Qual conselho daria para quem está fazendo ou planeja fazer a transição? Me ajudou muito pesquisar bastante para entender o que iria acontecer comigo. No começo, tinha medo porque não tomava hormônios. Ficava me perguntando como minha aparência iria ficar. Mas tenha perseverança, corra atrás daquilo que quer. Uma vez, escutei a Pabllo Vittar falando que a gente só tem essa vida para aproveitar. Então, não vamos pensar na opinião das pessoas, vamos buscar tudo o que a gente quer fazer agora.

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Créditos

Imagem principal: Jorge Bispo

O ensaio fotográfico desta reportagem foi feito por Jorge Bispo remotamente via WhatsApp

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