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por Carol Sganzerla
Tpm #98

Ela é controladora, avessa ao circuito da moda e a única brasileira na Colette, em Paris

Aos 38 anos, a estilista Cris Barros não participa do circuito oficial da moda, é a única brasileira na Colette, em Paris, produz 90 mil peças por ano e comanda 110 funcionários. Extremamente controladora, ela não dá ponto sem nó

Qualquer fio fora do lugar é motivo para Cris Barros mobilizar quem esteja a sua volta e consertar minúcias que agridam o seu ideal de perfeição. Seja um fio de cabelo rebelde durante a sessão de fotos, seja um fio de costura solto em uma roupa. Logo dá para notar seu lado perfeccionista. Numa quarta-feira à noite, após a primeira rodada de entrevista, mesmo na ativa desde oito da manhã, a estilista se põe no comando da situação no seu ateliê, um prédio de três andares na Vila Olímpia. Escolhe a dedo as fotos antigas que ilustram este perfil e pede que nenhuma das três respeitadas consultoras de moda – Costanza Pascolato, Glória Kalil e Lilian Pacce – fique de fora.

Sempre acompanhada de sua assessora de imprensa, ela não topa a ideia proposta pela equipe de arte da Tpm para o ensaio e sugere que seja retratada tal qual a capa do catálogo da coleção outono-inverno. Sem esperar pelas opiniões da equipe, a estilista se retira com uma de suas assistentes e volta com um look que segue à risca uma das composições apresentadas em seu mais recente desfile. Antes de tomar posição diante do fotógrafo, senta-se na cadeira de outra ajudante para aprovar um e-mail de trabalho. Aval concedido e agora posando para as lentes, se olha no espelho a cada minuto, retoca o curvex e deixa o cabelo como gosta.

“Ela sempre foi perfeccionista, desde menina. Ficava vestindo as bonecas, pintando, era na dela”, descreve a irmã, Daniela Verdi, 36 anos, que, ao lado do marido, Luiz Felipe, o Phil, forma o trio de sócios da marca. As irmãs Freitas Barros de Oliveira, filhas do empresário carioca Natanael, 77 anos, e da dona de casa paulistana Elvane, 67, outrora professora de inglês, foram criadas entre fins de semana no Rio de Janeiro e o dia a dia nos Jardins, para onde Cris voltou recentemente depois de comprar um apartamento. Antes disso, viveu por três anos numa casa no Jardim Europa, projetada por Carolina Maluhy, com o cachorro Zorro, um lhasa apso de 6 anos. “Nunca vi a Cris ir pelo caminho mais fácil, ela faz as escolhas difíceis porque acha que são as certas”, entrega a arquiteta.

A modelo
Até pouco tempo Cris costumava mentir a idade de Zorro. “As pessoas achavam mais fofo quando eu dizia que ele tinha 2 anos”, brinca. O cãozinho foi presente do ex-namorado Tato Malzoni, herdeiro da construtora Cetenco (também lembrado pelo vídeo que o flagrou no mar com Daniella Cicarelli, na Espanha), com quem ficou dos 28 aos 33 anos. O namoro alcançou o patamar de noivado, mas a relação se perdeu. “Por ele ser dois anos mais novo, eu estava numas de trabalhar pra caramba, pensava em casar, ter filho, ele estava em outra sintonia”, lembra a estilista.

Foi só aos 33 anos, quando engatou outro namoro – com o executivo do mercado financeiro Cesare Rivetti –, que saiu da casa dos pais. Um ano e meio depois, voltou a ser alvo dos solteiros endinheirados da cidade. “Não tínhamos muito a ver, terminamos de comum acordo”, conta. Cris discorre sobre seus términos de forma serena, assim como descreve, sem dramas, outras situações pessoais. Numa delas, lá pelos 24 anos, morando em Milão para uma pós-graduação em moda no Istituto Marangoni e um estágio com o estilista francês Stephan Janson (que trabalhou com Yves Saint Laurent), recebeu a notícia de que sua mãe estava com câncer. Voltou para dar suporte à família. Dona Elvane precisou fazer a retirada de um dos seios (histórico semelhante ao da avó de Cris) e se submeter a sessões de quimioterapia. “Minha mãe é tão forte que não me lembro de vê-la chorar, nunca deixou transparecer nada”, conta. E comenta: “Nunca vi meus pais brigando feio, nunca vi meu pai bêbado, falo para eles que foi ruim porque eu e minha irmã vivíamos numa redoma, eles protegeram a gente demais”.

Aos 16 anos, ainda aluna do Dante Alighieri, escola italiana tradicional de São Paulo, a qual frequentou dos 4 aos 17, se deu conta do que queria fazer. Se entusiasmava com direito, mas, nessa época, foi convidada pela revista Capricho para um teste. Aprovada, passou 15 dias na Disney fotografando um editorial de moda. Nem precisa dizer, ela se encantou pela coisa. “Vivi a época em que a Capricho era mais importante do que a Vogue”, lembra. Depois que levou a capa, Cris passou a ser convidada para inúmeros testes, mas a rigidez do colégio, aliada à educação estrita dos pais, a impedia de ir. “Minha mãe fez uma espécie de lavagem cerebral: ‘Você não pode ser só modelo!’. Por mais que quisesse os trabalhos, só ia para casting quando dava. Queria ter curtido mais essa fase”, conta ela, que foi contratada da Mega e da Ford Models.

Decidida que moda era sua trilha, cursou Anhembi-Morumbi e estagiou na Cia. Marítima. Em 1994, foi estudar em Milão. Lá, fez muitos comerciais de TV por dominar o italiano. Quando voltou ao Brasil, cruzou com Renato Kherlakian, então estilista da Zoomp. “A Cris foi trabalhar comigo como relações-públicas de marketing, conceito e imagem. É uma das poucas estilistas que se firmaram no mercado. A proporção da roupa dela é perfeita”, opina Renato, hoje dono da RK Denin. Foi na Zoomp que a estilista conheceu Paulo Borges, idealizador do São Paulo Fashion Week e do Fashion Rio – juntos, eles criavam a concepção dos desfiles. “No marketing vi como funcionava uma empresa”, conta a moça, que também foi do marketing do portal IG, ao lado de Nizan Guanaes.

 

“Nunca vou criar um pregueado que deixe alguém com um quadril de elefante”

A empresária
Wardrobe, guarda-roupa em inglês, foi o primeiro nome que a estilista deu à sua grife, quando a lançou, em 2002. À medida que percebeu a dificuldade de pronúncia (“as pessoas falavam ‘vardrobe’”), aliada à necessidade de ter assinada as etiquetas de exportação, consolidou o nome como Cris Barros. Oito anos atrás, começou com cinco funcionários e hoje comanda 110 empregados. Por ano, produz 90 mil peças, e a cada coleção são lançados 400 modelos (os preços variam de um top liso de algodão por R$ 117 a um vestido longo de seda por R$ 3.472). Desde que fechou a primeira loja, na Oscar Freire, em 2008, e abriu outras três em um mês (em frente ao hotel Fasano, no shopping Cidade Jardim e na Villa Daslu), a empresa cresceu 120% nas vendas. Hoje, é encontrada em 80 multimarcas do Brasil e, desde 2004, exporta para mais de 20 países, sendo a única marca brasileira vendida na francesa Colette, concept-store famosa por lançar tendências.

As roupas desenhadas pela estilista são reconhecidas pela feminilidade e pela gama de clientes famosas. Por vezes julgada uma moda comercial, a dona do negócio se defende: “Faço roupas para serem vendidas para mulheres, que é diferente de fazer arte. Crio peças que provoquem desejos que a consumidora nem sabia que existiam”, explica. Além de criar esse anseio, Cris veste mulheres de estilos distintos. Num mesmo desfile reúne Alessandra Negrini, Carol Ribeiro, Sophia Alckmin, Isabella Fiorentino, Gabriela Duarte e Marina Lima. “O principal da roupa é valorizar a mulher. Nunca vou criar um pregueado, uma moulage ‘incrível’ que deixe alguém com um quadril de elefante e que só consiga usar quem tem manequim 34 e 1,80 metro. A roupa é para te deixar bonita”, finaliza.

A empresária de moda Costanza Pascolato admira essa capacidade de Cris. “O drapeado e o babado ela faz como ninguém. As pessoas têm vergonha de usar peças assim sem o aval de quem entenda de moda”, discursa. Costanza explica que hoje, na moda, você tem que provocar desejo sem ser arriscado. “A Cris é do grupo que faz roupas fáceis de usar. Não chega a ser arrojada, mas foi acolhida pela Colette porque o europeu quer ver coisa nova. Ela nunca teve a pretensão de ser um Alexandre Herchcovitch. Eu compro e, sinceramente, torço por ela”, afirma.

Cris desfila suas coleções bem antes das semanas de moda, por isso não participa do SPFW nem do Fashion Rio. “Somos uma das marcas que mais lançam cedo no mercado. Quando faço meu desfile, meu produto está nas lojas”, explica ela, que já apresentou coleções no Museu Brasileiro de Escultura, no Theatro São Pedro, no Jockey Club e no Baretto, bar do hotel Fasano, nos Jardins.

É justamente este último o local escolhido para a segunda rodada de entrevista já que sua loja fica atravessando a rua. Novamente acompanhada pela assessora, ela vem no seu Vectra preto, de minissaia e sapatilha idem, camisa branca, três colares, nenhum anel nos dedos de unhas claras – feitas nas horas do almoço, junto com a aula de francês. Vem também faminta. Às 11 da manhã está de barriga vazia por causa de uma reunião logo cedo com um fornecedor de tecidos. Chega desejando o café do Nonno Ruggero, restaurante onde é servido o desjejum. Pede café sem açúcar, leite, croissants, queijo branco e “aquele pãozinho com um docinho no meio”. Ático, 83 anos e maître do hotel há mais de 20, sabe perfeitamente a que pão a cliente se refere. O primeiro gole é atravessado pela amiga Ana Fasano, da família dona do hotel. Comentam animadas o show de Arnaldo Antunes, ali no Baretto, na noite anterior, e contam que ficaram enviando fotos para a amiga e designer de joias Fabiana Pastore, de visita à Índia.

A mulher

Cris estava animada com a viagem que faria no dia seguinte para Nova York, onde o namorado, o empresário e sócio da British Cars do Brasil, Toninho Abdalla, 56 anos, tem apartamento. Viajam todo fim de semana e, embora ela enfatize que está em fase de lançamento de showroom (do verão 2011), vai passar quatro dias fora. Vão muito a Paris e Londres. Admite que ficou mais romântica agora, reflexo da atenção que ele dá aos detalhes, como surpreendê-la em casa com um tradicional pão italiano do Brás e com as melhores bombas de chocolate de São Paulo.

Diz não ligar para os comentários e a diferença de idade entre os dois. Toninho é 18 anos mais velho, foi casado por 30 anos e tem quatro filhos. “Nem eu imaginei namorar um homem mais velho, mas sempre pensei em construir uma vida com alguém. Aí você se pega numa situação que fala ‘não foi o que sonhei, mas nunca estive tão feliz, nunca um relacionamento deu tão certo’. Ninguém gosta de saber que estão falando mal de você, mas, quando se está muito certa do que está fazendo, nem liga”, explana. Ela jura que nunca foi confundida como filha, mas já viu algumas pessoas se embaraçarem num cumprimento, por exemplo.

Para dizeres do tipo “agora você tem uma relação protetora”, a estilista solta: “Acho bullshit”. E manda: “Estou com o Toninho porque me apaixonei por ele, tem um monte de homem mais velho ranzinza e ele é uma pessoa que me faz, acima de tudo, dar risada”. Embora queira casar (Cris frequenta a igreja batista) e deseje filhos, não planeja nada por ora. Confia no futuro e “nas mãos de Deus”. “A vida é tão maluca, a gente não sabe o que vem por aí, então me importa estar feliz. Não adianta planejar.” As famílias parecem não se incomodar, por exemplo, de Cris ter idade próxima às dos filhos de Toninho. “Meus pais confiam na educação que deram, então, se tomei uma decisão, eles nunca vão falar ‘enlouqueceu?’. Depois de conhecerem melhor o Toninho, eles ficaram mais tranquilos. Toninho faz questão de tratar todo mundo bem.”

É inevitável observar a figura masculina que acompanha uma mulher de 38 anos, sem marcas de expressão, jeito de menina e corpo de modelo (mede 1,69 metro e pesa 50 quilos). Cris é dona de uma genética favorável e sabe bem como as pessoas se curvam ao sorriso doce e aos olhos cinza-esverdeados. Sobre o rosto perfeitinho, ela garante que nunca se submeteu a uma cirurgia plástica, embora pareça, observando as fotos da adolescência, que tenha feito uma correçãozinha no nariz. A respeito desse assunto, prefere se eximir de respostas: “Acho esse tipo de pergunta invasiva, independente de a pessoa ter feito ou não. Se é uma modelo, até tem a ver, mas sou estilista, tenho uma empresa. Tem coisas que a gente não precisa dividir com ninguém”, lança. Cris, de fato, não admite se ver fora do controle.

FOTO DANIEL ARATANGY MAQUIAGEM CAMILA ADI (CAPA MGT) ASSISTENTES DE FOTO MICHELLE RUE

 

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