Ciúme não é amor e jejum não é dieta

por Mariana Perroni

Já tem tempo que me incomodo com os absurdos médicos veiculados pela mídia...

Já tem um considerável tempo que me incomodo (e até tiro sarro na página do meu blog no Facebook) com os absurdos médicos veiculados pela mídia de diversos portais grandes, sem que os responsáveis por redigí-las dignem-se a, ao menos, pesquisar se os termos que citam em suas matérias existem.
 
São "paradas estomacais", "meningites benignas" e "mortes por parada cardíaca" dentre diversas outras pérolas capazes de fazer qualquer médico, ou mesmo qualquer pessoa com acesso ao botão de busca do Google dar boas risadas. Até aí, tudo bem. Isso acaba gerando divertidas discussões em minha página e, indiretamente, esclarecimentos. Evitando que conceitos errados sejam propagados.
 
Entretanto, minhas risadas acabam se transformando em bode e irritação consideráveis quando ultrapassa-se o limite do senso crítico. Quando são jogadas ao vento (des)informações que podem impactar direta e negativamente na saúde e qualidade de vida de um ser humano. 
 
Há um motivo pelo qual estou falando isso. Hoje, tanto no Twitter como no Facebook, diversas pessoas me mostraram uma matéria de uma famosa revista de moda que prega o jejum como método revolucionário de emagrecimento e "detox"do organismo. Antes que eu prossiga, é necessário dizer que o texto até já até sofreu algumas edições desde a primeira vez que o li (ontem de manhã), visando, provavelmente, limitar o absurdo veiculado e aplacar a repercussão nas mídias sociais. Por conta disso, pode haver quem ache que meus argumentos não condizem com o que está escrito (agora) lá.
 
Confesso que não sei nem por onde começar a expressar minha opinião. Não sei se rebato evolutiva e historicamente, argumentando que todo o desenvolvimento da humanidade acabou ocorrendo exatamente para garantir o acesso cada vez mais fácil ao alimento, a necessidade primária de qualquer ser vivo. E que os nossos ancestrais das cavernas devem estar rolando de rir ao ouvir algo desse tipo em 2013.
 
Também não sei se critico o fato de uma matéria usar como embasamento para a "prática" as  experiências e relatos de personalidades famosas ao invés de ciência, com resultados de trabalhosas metanálises e ensaios clínicos randomizados.
 
Tampouco sei se abordo a apologia à anorexia e a utopia do inatingível corpo perfeito, magro e lisinho, e as consequências psicológicas (e psiquiátricas até) disso. Ou o desrespeito com o problema da fome em diversas nações.
 
Dessa forma, vou me limitar a falar o que sei: a parte médica da coisa. E ela é bem simples: Para cada sistema que compõe o organismo funcionar, é necessário glicose. A glicose vem de onde? Da alimentação. Seja ela com carboidratos, gorduras ou proteínas. 
 
O jejum, em sua definição clássica e absoluta, consiste em não ingerir nada por um período determinado de tempo. Nem água, nem líquidos. Se você não ingere nada, seu organismo vai arrumar um jeito de tirar a glicose que necessita de outros lugares. Primeiro, ele vai diminuir as taxas de seu metabolismo, de forma a precisar de menos energia. Se, nesse meio tempo, você ainda não ingerir nada, ele irá atrás de três depósitos: o glicogênio, as proteínas e as gorduras. Isso mesmo, lamento informar mas ele não vai de cara atrás das gorduras. Demora. 
 
Se uma pessoa saudável tem a abençoada idéia de fazer jejum por um ou dois dias, ela vai sentir náuseas, mal-estar, visão turva e pode até desmaiar em nome de cumprir seu jejum (afinal, com ele vem a hipoglicemia). Mas pouca coisa vai ocorrer além de uma perda considerável de água e irrisória de peso. Entretanto, se alguém com problemas cardíacos, nos rins, fígado, imunidade comprometida ou diabetes tentar isso, as consequências podem ser bastante graves. 
 
E o poder de desintoxicação do jejum? Bom, isso não tem base científica alguma. Por quê? Porque os centros de detox do organismo são o fígado e os rins. São eles que jogam fora todas as porcarias circulantes. Só que, infelizmente, eles são incapazes de funcionar adequadamente sem combustível (glicose).
 
Além do mais, por que a gente quer se desintoxicar das gorduras saturadas, corantes, carcinógenos e carboidratos refinados que ingerimos? Não faz mais sentido trocá-los por alimentos mais saudáveis e, dessa forma, evitar que a gordura se acumule dentro de nossas artérias e tenhamos AVCs, infartos e cânceres?
 
Enfim, o que realmente tem que ficar desse meu desabafo vai além do esclarecimento fisiopatológico. Eu defendo a necessidade de pesquisa em fontes adequadas de informação ou consultoria com especialistas antes de veicular informações com potencial de impactar diretamente na saúde de leitores mais influenciáveis e de causar diversos desentendimentos no pronto-socorro ("mas eu li na revista/ vi no Fantástico").
 
Enquanto a mídia não parar de tratar temas médicos com a mesma abordagem que usada para divulgar o lançamento da nova coleção do Jimmy Choo, não vão ser apenas as barrigas que se tornarão negativas: a repercussão também. 
 
**Mariana Perroni é médica clínica e intensivista. Atua em consultório e UTIs de São Paulo-SP
 
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