Surf feminino no Brasil, de norte a sul

por Carol Ito

Chantalla Furlanetto e Bárbara Müller dividem quatro descobertas da viagem de 4 mil quilômetros em busca de talentos do surf feminino

Amigas de longa data, as free surfers Chantalla Furlanetto e Bárbara Müller (ambas de Santa Catarina) caíram na estrada a bordo de uma van – apelidada de Jussara – em busca de mulheres que movimentam a cena do surf de norte a sul do país e que encontram no esporte um caminho para o empoderamento feminino. “Ouvimos muito sobre os títulos e promessas do surf masculino no Brasil, mas o feminino estava um pouco esquecido. A gente encontrou muitas mulheres pelo caminho que estão fazendo as coisas acontecerem”, conta Chantalla.

“As meninas estão começando a acreditar que dá pra se viver do surf no Brasil”
Bárbara Müller, free surfer

O resultado da viagem, que rolou durante o mês de julho deste ano, poderá ser visto em um programa (ainda sem nome) do canal Off, em 2020. Além de darem voz a atletas talentosas que, muitas vezes, não são reconhecidos por falta de apoio e patrocínio, elas tinham como objetivo fazer um registro da cena do esporte para inspirar as próximas gerações. “Poucas meninas conhecem a história do surf feminino. Talvez seja o primeiro programa em que mulheres que contribuem para o esporte podem contar essa história”, diz Chantalla.

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Apesar dos perrengues que muitas garotas ainda enfrentam para se profissionalizar, Bárbara acredita que houve melhoras nos últimos anos. “As meninas estão começando a acreditar que dá pra viver do surf no Brasil”, diz, acrescentando que a estreia do esporte na Olimpíada de Tóquio, em 2020, vem impulsionando esse avanço. “O esporte virou olímpico e as associações estão se agilizando para não ficar pra trás. Este ano,rolaram vários campeonatos com categoria feminina profissional, o que era raro há um tempo atrás. A Abrasp [Associação Brasileira de Surf Profissional] vem igualando as premiações entre homens e mulheres, algo que a gente esperou por muito tempo.”

A dupla passou pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Alagoas e Pernambuco. Enquanto o programa não vai ao ar, elas dividem com a Tpm quatro descobertas que fizeram ao longo dos 4 mil quilômetros de viagem e que mostram a potência do surf feminino no Brasil.

Projeto TPM (Todas Para o Mar), de Pernambuco
Na Baia de Maracaípe (que fica no município de Ipojuca, a 75 quilômetros de Recife), a dupla conheceu o projeto TPM (Todas Para o Mar), que vem movimentando a cena do esporte no Nordeste, por meio de encontros e competições femininas, além de aulas gratuitas para crianças e jovens, com foco em inclusão social. “Foi um movimento que me chamou bastante atenção, porque o surf vem mudando a vida das mulheres e crianças daquele lugar, que é muito humilde. Doamos nossas pranchas e alguns equipamentos para incentivar outras pessoas a ajudar o projeto”, conta Bárbara.

“A Nuala Costa [surfista profissional e idealizadora do projeto] nos inspirou muito. Saber que a nossa passagem por ali pode fazer a diferença na vida de algumas pessoas foi um presente”, diz Chantalla. O projeto foi criado em 2015 e hoje é formado por cerca de 30 mulheres, além de colaboradoras em outros estados, como Alagoas, Ceará e Bahia. Desde 2016, elas realizam anualmente o Maraca Surf Festival, que reúne mulheres surfistas de todo o país.

Julia Santos (São Paulo) e Maria Eduarda Cesar (Bahia)
A nova geração vem manobrando forte, apesar da falta de patrocínio para seguir competindo. É o caso de Julia Santos, 23, de São Vicente (litoral sul de São Paulo), que já levou uma série de de títulos paulistas, como os de tetracampeã vicentina e tricampeã santista. “Ela vem se destacando por ser uma mina que dá aéreo, que tem um surf bem radical e diferenciado. Isso puxa bastante os limites do surf feminino”, comenta Chantalla. “É uma menina que representaria muito bem o Brasil se tivesse mais oportunidades”, acrescenta Bárbara.

“Ouvimos muito sobre os títulos e promessas do surf masculino no Brasil, mas o feminino estava um pouco esquecido”
Chantalla Furlanetto, free surfer

Ao passarem por Itacaré (cidade ao litoral sul da Bahia), elas encontraram Maria Eduarda Cesar, representante da “novíssima geração”, como definem. “Aos 10 anos, ela cai no marzão, pega altas ondas, uns buracos. Dá pra ver que ela ama estar na água”, conta Chantalla. “A gente estava filmando com a mulherada e vimos uma garota pequena, magrelinha. Foi engraçado porque, aparentemente, ela mal conseguia carregar a prancha. De repente, entrou no mar e pegou as maiores ondas da série. Ela pode representar o Brasil no big surf porque é muito atirada, é para ficar de olho”, destaca Bárbara.

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Anne Beatriz Favero (Rio Grande do Sul)
Não é só a nova geração que faz o surf feminino acontecer, mas também dedicação e energia de pessoas como a empresária e surfista Anne Beatriz Favero, 60, que criou o grupo Flores de Sal para incentivar a prática do esporte entre mulheres. “Ela é uma rainha do surf feminino local, tira a mulherada de casa para pegar onda! É uma surfista de alma e coração, que movimenta o surf num ambiente hostil, com ondas fortes, escuras e clima frio”, conta Bárbara.

Para Chantalla, Anne é a prova de que não existe idade certa para começar a pegar onda: “Muitas pessoas dizem que adorariam surfar, mas se acham velhas para isso. Ela começou com 30 e poucos anos e mudou toda a vida para ficar mais perto do mar. Ela fechou a empresa que tinha em Porto Alegre [RS] e se mudou para Torres [RS] com as filhas, que também passaram a surfar”.

Brigitte Mayer, primeira mulher eleita como presidente da Abrasp
“Faltava alguém que lutasse pela gente”, comenta Chantalla sobre o trabalho de Brigitte Mayer, ex-sufista profissional que, em maio deste ano, se tornou a primeira mulher a comandar a Associação Brasileira de Surf Profissional (Abrasp), fundada em 1986. Aos 50 anos, ela tem na conta 36 deles dedicados ao surf e o título de campeã brasileira de surf feminino, conquistado em 1998.

“Muitas competições não tinham categoria feminina, começou a perder a graça pra mim e, por isso, comecei a seguir o caminho de free surfer. Ela vai começar a olhar com mais carinho para categoria”, explica Chantalla. “A Brigitte faz história. Ela entende de surf dos pés à cabeça, é muito importante para o surf nacional”, completa Bárbara.

Créditos

Imagem principal: Carlos Chaves/Erick Figueiredo/Divulgação

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