Remando contra a corrente

por Fernando Poffo

Cansada de ver surfistas negras brilhando no mar, mas longe da elite do esporte, surfista cria página para dar visibilidade a essas atletas

Você já parou para pensar por que não há uma negra na elite mundial do surf? Incomodada com essa situação e vendo diversas negras brilhando no outside, a ex-surfista profissional e hoje apresentadora Érica Prado criou nas redes sociais a página @surfistasnegras. “Pensei: ‘Tá errado isso aí! O Brasil tem 54% de negros e pardos, a maioria mulher, e quase nenhuma com visibilidade no surf. Mesmo no mundo, não tem nenhuma negra na elite mundial?”, questiona Érica.

Depois de chegar à elite do surfe nacional em 2009 e não conseguir patrocínios para seguir a carreira, ela até insistiu no circuito nacional, mas decidiu investir nos estudos. Hoje ela trabalha por trás e à frente das câmeras do Canal Woohoo. “Quando competia, sentia falta de visibilidade no surf e achava que era falta de sorte mesmo. Depois, comecei a entender a sociedade, o racismo estrutural e percebi, dentro do circuito, como era mais difícil um patrocínio entre surfistas negras e nordestinas.”

Ela colocou então em prática o projeto @surfistasnegras, com suas primeiras postagens no fim de maio, no Instagram e no Facebook. A estreia do projeto foi com a imagem sorridente de Yanca Costa, 19. Apesar de ser a surfista mais bem colocada no ranking nacional, a cearense está sem patrocínio, mesmo depois de ganhar a primeira etapa do campeonato brasileiro de 2019, em Ubatuba (SP). Yanca nem conseguiu participar da segunda etapa do circuito, em Itacaré (BA), por conta da falta de verba e só conseguiu se manter no campeonato porque o pai a apoia financeiramente.

Érica também cita a pernambucana Monik Santos, 24, que chegou a fazer vaquinha virtual para competir na Austrália no início do ano. Atualmente, ela é a negra mais bem colocada no circuito de acesso à elite mundial, o WQS (Women's Qualifying Series), mas apenas na 111ª posição. Sem patrocínio, Monik, porém, já desistiu de correr o restante do circuito de 2019. “Meu foco ainda é voltar às etapas do campeonato para almejar uma vaga na elite. É um caminho longo e não vou desistir do meu sonho”, diz a pernambucana, que precisa ficar entre as seis primeiras do ranking de acesso para uma vaga na elite do circuito internacional.

Depois da brasileira, aparece no ranking outra negra, S'Nenhlanhla Makhubu, na 118ª posição. A carreira da sul-africana teve apoio da Surfers Not Street Children, ONG local que faz um trabalho para incluir negros e negras do país no surf, da qual hoje ela é embaixadora. Outra entidade internacional que promove o desenvolvimento de negras no surf mundial, com sede no Califórnia, é a Black Girls Surf.

Os trabalhos sociais são importantes para ampliar a pluralidade no cenário mundial do surf, especialmente com a entrada da modalidade na Olimpíada, no próximo ano. Na Costa Rica, uma menina negra está entre as apostas para o futuro: Erika Berra, 12 anos. Mas ela também sofre com falta de patrocínios e pouca visibilidade. No Brasil, outro talento desponta: a carioca Julia Duarte, 16 anos, venceu a etapa do campeonato que Yanca não conseguiu participar na Bahia. Julia é atleta do Instituto Gabriel Medina, que lhe deu suporte. 

A expectativa de Érica é que ações como essas convençam as marcas a investir nas atletas com foco na qualidade do surf. “Os patrocinadores em geral têm essa proposta de preferir surfistas loiras, de olhos claros, que possam ser modelos. Para nós, negras, o caminho é mais duro com essa falta de visibilidade.”

Doutora e mestre em Ciências da Comunicação pela USP e ex-coordenadora nacional do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra (CNIRC) da Fundação Palmares, Rosane Borges analisa: "As crianças negras não se veem representadas em modalidades como golfe, natação e até o surf, enquanto a pessoa branca cresce com a certeza de que pode tudo, do ponto de vista dos símbolos que estão em destaque nesses esportes”.

“Hoje não tem uma negra que se identifique e fale como tal na elite mundial, nem mesmo entre homens. Nunca teve, na verdade, um negro retinto e nenhum que falasse em identificação com negros e a causa”, defende Érica. Monik também acredita na representatividade para acelerar essa necessária mudança: “Com incentivo desde cedo e patrocínio, haveria negras em destaque no ranking mundial. E, se tivéssemos mais negras no circuito mundial, com grandes marcas no bico, seria uma forma de incentivar a nova geração a acreditar que, independente da sua cor, é possível estar entre as melhores do mundo”.  

Créditos

Imagem principal: Anna Veronica / Divulgação

fechar