A escritora fala de seu universo literário e de seu novo livro, uma road novel protagonizada por duas garotas
Depois de Pó de parede e Sinuca embaixo d´água, Carol Bensimon lança seu terceiro livro, o romance Todos nós adorávamos caubóis. Carol, que também faz parte da coletânea de melhores jovens escritores brasileiros da Revista Granta, constrói uma narrativa com elementos que instigam naturalmente - duas garotas, Cora e Julia, uma cidade em ruínas, o fracasso irresistível de uma road trip e uma relação de amizade carregada de tensão sexual.
Além disso, Todos nós adorávamos caubóis rompe com uma lógica recorrente em narrativas de estrada, em que as mulheres ficam e os homens vão se aventurar: “Essas poucas mulheres que se deslocam, bem, elas são vistas como pessoas perdidas, não como aventureiras, independentes ou heroicas, como é o caso dos homens viajantes. Então eu quis colocar duas garotas em cena para romper com essa lógica”, diz Carol.
Ela conversou com a Tpm sobre seu novo livro e falou sobre processo criativo, títulos, proximidades com outros escritores e seu apreço pelos espaços existentes dentro das narrativas: “Narrativas que têm o espaço como um elemento desimportante, quase descartável, não costumam me seduzir muito. O espaço desenha o clima de um livro, o particulariza, faz a gente se sentir imerso em lugares que até então nos eram muito distantes. Esse é um dos grandes poderes da literatura.”
Você falou na sua coluna no blog da Companhia das Letras que estava sendo difícil decidir o título do seu novo livro. Como você chegou a Todos nós adorávamos caubóis? Conta um pouco do romance.
Carol: É uma história que se passa na estrada a maior parte do tempo. Duas garotas de vinte e poucos anos, Cora e Julia, percorrem o interior do Rio Grande do Sul, depois de terem passado um bom tempo distantes uma da outra (Julia estava em Montreal, Cora fazia um curso de moda em Paris). O que elas vivem nessas pequenas cidades se mistura com sua relação pregressa, do tempo da faculdade. É uma relação meio ambígua carregada de tensão sexual.
Quanto ao título, foi um processo estranho. Enquanto eu escrevia o livro, fiquei obcecada com a ideia de ter um título de apenas uma palavra, algo bem diferente do que eu tinha feito nos meus livros anteriores. Minha primeira tentativa foi Caubóis, mas ele não teve uma vida longa e logo deu lugar a Faíscas. Fiquei com essa opção por bastante tempo, e inclusive o primeiro capítulo do romance foi publicado com esse título na revista inglesa Granta. Mas, quando o romance chegou na Companhia das Letras, o pessoal implicou um pouco com Faíscas, e acabaram me sugerindo Todos nós adorávamos caubóis, que é uma frase que está no livro. Batemos o martelo e foi uma decisão muito acertada.
Você parece ter bastante cuidado com títulos. Pó de parede e Sinuca embaixo d’água também são bem interessantes. Qual é a importância dos títulos para você? Gosto de títulos que vão fazendo sentido a medida que a narrativa se desenvolve. Por isso Faíscas não funcionava, era uma metáfora óbvia e pronto, logo as interpretações estavam esgotadas. Todos nós adorávamos caubóis, ao contrário, dá pano para manga. Eu mesma já pensei em uma dúzia de interpretações para esse título. Mas é claro que prefiro que as pessoas criem suas próprias teorias.
Tem algo de Sinuca embaixo d’água no seu novo livro? O que muda do primeiro romance para o segundo? O novo livro é um livro mais fresco, luminoso. Não que o Sinuca fosse absolutamente dolorido, mas se tratava de uma história de luto, então, por mais que eu tenha evitado soar melodramática, alguma dose de tristeza era um pouco necessária. Outra diferença entre os dois romances é que o universo do Sinuca embaixo d’água era menor, mais claustrofóbico: quase tudo acontecia em dois ou três locais de uma cidade não nomeada (a casa salmão, o bar do Polaco, a praça). No Todos nós adorávamos caubóis, o mundo representado se expande, o que não deixa de ser uma exigência da própria narrativa, pois as personagens percorrem um território novo, que é ao mesmo tempo sua terra natal e um lugar completamente inóspito.
Em Pó de parede, existe uma casa abandonada e nesse, uma cidade em ruínas. Fala um pouco sobre a importância do espaço nas suas histórias. Eu adoro o espaço, e primeiramente como leitora. Narrativas que têm o espaço como um elemento desimportante, quase descartável, não costumam me seduzir muito. O espaço desenha o clima de um livro, o particulariza, faz a gente se sentir imerso em lugares que até então nos eram muito distantes. Esse é um dos grandes poderes da literatura.
Nesse sentido, tenho uma atração especial por lugares abandonados. Se os lugares já dizem muito sobre a gente, aqueles que deixamos para trás carregam um significado ainda maior, e eu gosto dessa arqueologia urbana, de tentar ver o que não está mais ali. É um exercício de investigação e uma prova de que os lugares sobrevivem a nós.
Quando estava esboçando o Todos nós adorávamos caubóis, viajei até esse lugar chamado Minas do Camaquã, a cidade em ruínas a que você se referiu. Tive certeza na hora que ela entraria na história. Minas do Camaquã foi uma cidade de mineração e hoje é um lugar meio suspenso no tempo, com cerca de 500 habitantes e muitos elementos bizarros (a casa de um antigo playboy, um deserto feito pelo homem, instalações de uma associação que se “comunica” com extraterrestres, etc). Além disso, a paisagem lá é incrível.
No book trailer tem o trecho: “Aquela viagem era mais um fracasso irresistível”. Isso me lembrou Frances Ha, a viagem para Paris e a fala: “Sometimes it's good to do what you're supposed to do, when you're supposed to do”. Existe esse sentimento em Todos nós adorávamos caubóis? Acho que sim. Tem a ver com responder a um impulso e, a partir daí, aceitar que as consequências desse ato são imprevisíveis. Pode ser péssimo, pode ser ótimo. Você decidiu pagar para ver. O que é uma característica bem juvenil, por um lado, mas, pessoalmente, acho muito saudável que todo mundo cogite de vez em quando certos “desvios de rota”.
Por que você escolheu escrever uma road novel? Sempre fui fã de narrativas de estrada. Me atrai a ideia de liberdade que vem com os deslocamentos, sobretudo quando esse deslocamento é muito mais importante do que propriamente chegar a um lugar determinado. Esse é um dos motivos que me levaram a escrever uma road novel. E aí eu comecei a esboçar algumas particularidades dentro desse “subgênero”: garotas e extremo sul do Brasil. As garotas vieram naturalmente, porque elas são artigo raro nesse tipo de narrativa, salvo em Thelma & Louise, o filme, e talvez mais uma ou outra exceção. A regra costuma ser: as mulheres ficam, os homens partem. Além disso, essas poucas mulheres que se deslocam, bem, elas são vistas como pessoas perdidas, não como aventureiras, independentes ou heroicas, como é o caso dos homens viajantes. Então eu quis colocar duas garotas em cena para romper com essa lógica.
“Essas poucas mulheres que se deslocam, bem, elas são vistas como pessoas perdidas, não como aventureiras, independentes ou heroicas, como é o caso dos homens viajantes. Então eu quis colocar duas garotas em cena para romper com essa lógica”
Você fez mestrado em escrita criativa e em 2008 começou o doutorado em literatura comparada na Université Sorbonne Nouvelle. É isso mesmo? Como você lida com essa coisa de estudar literatura e escrever literatura? Isso te atrapalha ou ajuda? Talvez atrapalhe, e foi por isso que, no fim das contas, eu acabei desistindo do doutorado. Eu tinha que escrever uma tese, ia levar dois ou três anos fazendo isso, e de repente começou a me parecer absurdo gastar num trabalho teórico o tempo e a energia que eu podia colocar num romance. Mas meu mestrado em Escrita Criativa foi uma boa experiência. Como eu vinha da comunicação, e não de letras, foi no mestrado que tive meu primeiro contato com teoria da literatura. Não posso dizer que isso me ajudou a escrever, mas é claro que valeu como conhecimento, como vale ler um livro de filosofia, história, evolução ou física quântica (quer dizer, física quântica infelizmente não me interessa muito).
Como é o seu processo de criação? Você tem alguma mania? Sou bem diurna. Escrevo tomando chimarrão. Uso um software para bloquear a internet chamado Freedom. Roupas confortáveis e nenhum compromisso nas horas seguintes. Leio em voz alta o que eu escrevo. E preciso de ar livre para anotar ideias.
O que você tem lido ultimamente? Algumas dessas obras/autores te influenciaram mais diretamente em Todos nós adorávamos caubóis?
Acho que, no caso do Caubóis, as principais influências estão fora da literatura. Do cinema, penso de cara em Thelma & Louise, Estrela Solitária e Aqui é o meu lugar. Muitas bandas de shoegaze e dreampop também fizeram parte da gênese do livro, como Radio Dept., M83, Wild Nothing e, saindo um pouco desse universo, eu acrescentaria também Kurt Vile e Bruce Springsteen.
Quanto à literatura, eu leio um pouco de tudo. Dá pra dizer que me sinto próxima de escritores do tipo Ali Smith e Jeffrey Eugenides. Muitos autores que eu adoro, como Faulkner, John dos Passos, Céline, Bolaño, não chegam a ser exatamente influências.
Vai lá: Lançamento de Todos nós adorávamos caubóis, de Carol Bensimon
São Paulo - Terça-feira, 15 de outubro, a partir das 19h. Livraria da Vila - Rua Fradique Coutinho, 915
Porto Alegre - Quinta-feira, 17 de outubro, a partir das 19h. Livraria Cultura - Bourbon Shopping Country
(*) Layse Moraes é uma jornalista apaixonada por livros e mantém o blog Coração Nonsense