Campos do Jordão de zero a 10 (parte 2)

por Redação
Tpm #63

Sabe aquele centrinho usado pelo Amaury Jr. para entrevistar celebridades no fim de carreira? Nossa colunista esteve lá.

No meio do caminho tinha um Fiat Doblô. Que devia ser do pai daquele pós-adolescente assustado por ver o veículo afundar na lama movediça. Só não chorou porque estava na frente da namorada.
Como somos criaturas solidárias, o Daniel parou o seu guerreiro automóvel e decidiu ajudar o pobre garoto. Eu fui fazer companhia para sua namorada, mas se pudesse escolher teria me sujado inteira para empurrar o carro.

- Fica aí, amor. Um de nós precisa ficar limpo - pediu-me o Daniel, me entregando sua carteira e as chaves.
- Você não vai me deixar aqui com ela…
- Fica aí!

Então eu resolvi conversar com a patricinha, que usava uma sandália plataforma de 20 cm, uma bermudinha, blusinha preta e echarpe de seda como cinto.

- Ai, mas eu falei pra ele: "André, não vai. André, não vai", mas o tontão foi. Falou: "não tem problema, querida, eu vou". Aí atolou. E todos os carros passando pelo lado porque o espertalhão tentou ir pelo lado mais difícil. Cada carro que passava eu falava: "tá vendo, tontão? Tá vendo????". E eu queria ir na cidade. Fiquei linda, toda perfumada, coloquei essa sandália e olha o estado do meu namorado. Tem lama até na cueca! Melou meu passeio. Que saco…

- Oi, tudo bem? Como você se chama?

Ficou claro que o menino tinha feito de propósito. A tardinha veio chegando, os insetos ficaram mais selvagens e nada da porcaria do Doblô sair. Quase me ofereci para fazer uma de minhas barberagens, mas no fim das contas nem precisaram dos meus dons no volante. Bastou uma enxada, três homens, uma senhora e duas meninas torcendo pelos seus respectivos namorados para o carro sair da lama. Também foi preciso colocar a Pedra do Baú debaixo da roda do automóvel para que ele pudesse seguir.
Dois dedos amassados depois, Indiana Jones Daniel e eu voltamos para a cidade com meu único agasalho imundo de barro e seu único tênis envolto em lama. Tomamos um banho, eu coloquei meu vestido preto arrasador de alças, o Dani colocou uma camisa, blusa de lã, calça social e chinelo e lá fomos nós procurar um restaurante em Capivari para jantar.
Capivari é aquele centrinho que aparece no Programa do Amaury Jr., quando ele entrevista figuras decadentes como a ex-ministra Zélia Cardoso de Melo e a atriz Luma de Oliveira tomando um chocolate quente em família. É lá que o Maluf foi fotografado comendo um pastel assim que saiu da prisão. O lugar, inclusive, exibe diversas fotos do dono abraçado com o picareta e imprimiu em seus guarda-sóis o nome Pastelão do Maluf.
A pastelaria, também, é ponto de encontro dos amantes do Big Brother: à noite, todas as cadeiras e os olhares estavam voltados para o reality show. As pessoas piscavam e mordiam seus pastéis em cadência, sem perder um detalhezinho do BBB. Aí eu tive certeza que a freqüência do lugar não era das melhores e nem cogitamos a possibilidade de comer ali.
Ou é mentira que gente chique não sente frio, ou definitivamente eu não sou chique. Deixa pra lá. Eu batia ligeiramente os dentes quando vi um daqueles termômetros gigantes que de quebra te dão o horário e lá marcava 14º. Nunca! Não vamos exagerar… Uns 19º no mínimo.
Daí por diante me recusei a sentir frio porque a baixa temperatura de Campos do Jordão deve ser manipulada para vender luvas, cachecóis, chapéus de pêlo de búfalo e casacos de pele de guaxinim.
Entramos em um restaurante chamado La Gália, apesar da música ao vivo. Não sei vocês, mas eu não sou muito fã de lugares com música ao vivo onde o cantor se parece com o Ivan Lins, canta músicas do Ivan Lins, é mais simpático que o Ivan Lins e desafina mais que o Ivan Lins. Só seria pior se fosse o Ivan Lins.
Pedimos um vinho, um creme de cebola no pão italiano para mim e um coelho a sei-lá-quê para o Dani. E a comida era di-vi-na. Tanto quem nem achamos ruim aquele caixa rápido do Bradesco no meio do restaurante.

- Preciso elogiar o chef.
- Ai, meu deus…
Tomei mais meia garrafa de vinho.
- XXXXXXXXXXXXchama o XXXXXXXXXXchef!!!! - gritei com o dedinho levantado.

E veio um simpático garoto, meio gago, que parecia mais um jogador do Coringão e só podia ser reconhecido como chef do restaurante por causa do chapelão branco.

- O-oi… meu nome é Fa-fa-binho…
- Fabinho, eu não sei onde você aprendeu a cozinhar assim, mas eu nunca comi um coelho tão bom em toda a minha vida.
- Pu-puxa, muito obrigado…
Eu esperei ele se afastar, levantei o dedinho e disse:
- Agora xxxxxxxxxxxxxchama o xxxxxxxxxxchef e dizzzzssssssss que vocxxxxxxxxxxxê nunca comeu cuelho!

'Tá bom, eu nem estava bêbada, mas saímos de lá antes que eu pedisse um autógrafo do Ivan Lins para a minha mãe.
Depois, fomos comer chocolate e lá é bem difícil de escolher um lugar para isso porque Capivari tem uma loja de chocolate, uma loja de meias artesanalmente fiadas, uma loja de chocolate, uma joalheria, uma loja de chocolate, uma loja de cuecas de algodão finlandês, uma loja de chocolate, uma loja de utensílios domésticos de ouro e por aí vai. O centro comercial dos meus sonhos, não fosse pela grana que é uma barrinha de leite com cacau, o que me mostrou que o Paulo Maluf não só passou no pastel, como superfaturou Campos do Jordão todinha.
E, antes que eu precisasse optar por comprar uma blusa ao invés dos chocolates (a temperatura diminuía uns 2º a cada minuto), voltamos para o hotel carregando uma sacolinha com seis trufas que desapareceram misteriosamente enquanto o Daniel escovava os dentes. Vai saber…
(continua)
 
NOTA: Desculpem essa chatice de continua, mas é que o texto ficaria tão longo, mas tão longo que seria impossível de ler.

A jornalista Leonor Macedo, 24, é mãe de Lucas e viajante profissional. Ela topou nos ceder seus relatos (encontrados no blog Indecências) sobre as experiências que viveu em cada viagem.

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