Aos 9 anos era a mulher da casa, aos 16,sex symbol e aos 17 morava na favela: é La Pitanga
Ninguém recebe a reportagem da Tpm na casa do Jardim Botânico, bairro classe média carioca. Vamos entrando e, chegando à sala, um quadro de Vik Muniz, com a imagem de Camila Pitanga, assegura que estamos no lugar certo. Como ele, outros quadros estão só apoiados no chão, num estilo que parece “artístico”, mas a dona garante que é falta de tempo para pendurar mesmo. Uma mesa de jantar, sofás e poltronas habitam o ambiente, deixando ainda espaços vazios. Horas depois, um entra e sai de visitas, que não são recebidas nem levadas à porta – como o ator Antonio Pitanga, pai de Camila –, esclarece que a regra da casa é mesmo ir entrando. Ficar à vontade é consequência, pois um dos traços mais fortes da anfitriã é a espontaneidade.
Camila chama a repórter de “Flor”, tem o hábito de perguntar se está tudo “tranquilo” (sem pronunciar som de trema) e de apertar as pessoas. Faz isso com o sogro, que está hospedado em sua casa: segura seu rosto com as mãos e encosta a testa dela na dele. Quando Antonia, 1 ano e meio, passa pela mãe, é esmagada num abraço seguido de beijos. Ainda sem muito vocabulário no repertório, a pequena solta uns “ai, ais” e ri.
O sorriso que parece gargalhada deve ser genético, porque, de Antonio a Antonia, as três gerações não o economizam. Não é apenas estética, mas postura de vida. Aos 9 anos, quando o pai se separou de sua mãe, a atriz, bailarina e ex-modelo Vera Manhães, a carioca Camila Manhães Sampaio (o sobrenome artístico foi “presente” do pai) reinventou, pela primeira vez, sua história. Tomou a frente nos assuntos domésticos e, aos 12, dava ordens para empregadas e deixava a primeira casa própria da família, em Jacarepaguá (bairro classe média baixa), em ordem, apesar dos poucos móveis. Aos 16, quando ela se viu em crise ao ganhar fama na minissérie global Sex Appeal (1993), entrou num grupo de estudos de filosofia e decidiu construir a carreira antes de acreditar no sucesso. Em seguida, gravando a novela A Próxima Vítima (1995), morou no morro Chapéu Mangueira, na casa de Benedita da Silva, na época vice-governadora do Rio e agora secretária de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos. Elas se conheceram em campanhas antes de Benedita casar, pela terceira vez, com o pai de Camila – que também mudou para a comunidade com o filho Rocco, três anos mais novo que a irmã. “Ela nunca tinha morado na favela, mas se adequou. Ficava no meio da criançada, fez amigos. Vendo como ela, o irmão e Pitanga se relacionavam, aprendi a dar uma liberdade assistida a meus filhos. Antes, eu nem dormia se estivessem fora de casa”, conta a secretária.
Filosofia de televisão
Quando começou a namorar o marido Claudio, há nove anos, a atriz também se adaptou fácil à existência de Maria Luiza, hoje com 11 anos, filha do primeiro casamento dele com a atriz Mariana de Moraes. Camila já o conhecia de um clipe de Milton Nascimento, em que era protagonista, e ele, diretor de arte – mas acabou fazendo as vezes de par romântico da futura mulher. Um ano depois, ela assumiu o posto de “boadrasta” de Maria Luiza e, em seis meses de namoro, convenceu Claudio a morar num lugar maior para a garota ter seu espaço. Desde então, viraram uma família. “Os fatos não mudam, mas escolhemos como encará-los”, resume ela.
Camila só descobriu que era bonita quando virou símbolo sexual. Antes disso “parecia um moleque, sem vaidade nenhuma”, conta ela. Agora, aos 32 anos, de vestido curto e unhas pintadas de vinho, ela fala à Tpm em seu escritório. O cômodo é uma espécie de território público da família, porque abriga a TV. “Gosto que todos fiquem aqui”, confessa.
Ela é mesmo chegada em coletivos: “Acredito na potência do grupo”. Isso vale para a casa, onde as funcionárias, “além de eficientes, têm que ter empatia com a gente”, e para a participação em ONGs como a MHuD (Movimento Humanos Direitos) e a WWF Brasil, da qual faz parte do conselho consultivo. Camila também valoriza equipes no trabalho de atriz: para ela, é importante contracenar com “cúmplices”. Em 2007, quando interpretou a premiada prostituta Bebel, em Paraíso Tropical, foi fundamental o acolhimento que recebeu do veterano Chico Diaz e de Wagner Moura, com quem fez também o filme Saneamento Básico, de Jorge Furtado. “Camila é alto-astral e divertidíssima, mas também concentrada na cena, não é de ficar de bobeira, é esperta, atenta. Confio no talento, no caráter dela... Aí, pronto, a gente podia fazer uma cena alegre, triste, sensual, um pastelão, qualquer coisa fluía. Isso é a melhor coisa que pode acontecer entre dois atores, dois amigos”, conta Wagner.
Não à toa, comprometimento é uma palavra recorrente na conversa de Camila. Ela tem metas e métodos. O interesse pelos pensadores que estudou na adolescência, por exemplo, a impulsionou a se formar em filosofia, na mesma época de Paraíso Tropical. Seu escritório é ocupado por livros de arte, poesia, contos, assuntos de bebê e por dezenas de pastas e caixas, divididas por temas como “Bebel Paraíso Tropical” e “Peças Teatrais”. Em cima da escrivaninha, o material de estudo para a próxima novela das seis, em que será protagonista: uma pilha de DVDs (a mistura vai de Volver, de Almodóvar, ao clássico O Gordo e o Magro) e um bloco de papéis sobre Rose, a faxineira de Pelo Avesso que fará par romântico com Marcos Palmeira a partir de setembro. Como fez com Bebel, Camila alugou uma sala comercial para preparar a nova personagem.
Tudo novo de novo
Essa organização tem origem na infância, quando Vera e Antonio se separaram, e ela e o irmão, que também virou ator, ficaram com o pai. Eles se mudaram da Barra da Tijuca para Jacarepaguá, onde Antonio mora com Benedita até hoje. “Meu pai tinha mais estrutura psicológica para nos criar”, lembra a atriz, referindo-se ao tratamento psiquiátrico pelo qual a mãe passou. “Ela alternava momentos de afetividade com isolamento”, conta Camila. “Assumir uma família e ter filhos foram coisas duras para mim, muita responsabilidade... Mas Camila é uma excelente filha”, garante Vera. O pai concorda. “Ela era uma criança com sensibilidade maternal, desde cedo me ajudou a levar o barco. Tinha uma visão madura. Foi marcante quando Rocco teve dificuldades para desenvolver a fala, aos 4 anos. Então, Camila e eu combinamos de não interrompê-lo, para que concluísse, sem pressão, suas frases. Ele superou a dificuldade só com nossa ajuda. Foi uma atitude nobre dela, que era tão nova”, orgulha-se Antonio, o Pitangão – que fez 70 anos dois dias depois da visita da Tpm, numa festa em que a filha dançou até de manhã, como ela gosta de fazer sempre que pode.
Mas em geral a atriz acorda às 6 horas e, até o almoço, se dedica a algum esporte – alterna ioga, Pilates, hidroginástica e musculação – e à Antonia. Depois do nascimento da menina, Camila voltou a trabalhar em dezembro do ano passado, apresentando o programa global Som Brasil. Mas é agora, com a novela, que vai ficar mais tempo longe de casa. “Acho que minha rotina nunca mais será igual.” Mais uma vez, ela terá que reinventar.