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por Kátia Lund
Tpm #124

Cineasta escreve sobre as filmagens de série que narra o cotidiano de um juiz de futebol

A cineasta Kátia Lund escreve sobre as filmagens de FDP, nova série da HBO que narra o cotidiano de um juiz de futebol.

No dia em que o [diretor e produtor] Adriano Civita me convidou para filmar FDP, minha cabeça não poderia estar mais longe do trabalho. E do futebol. Um ano e meio antes, eu havia me tornado mãe do pequeno Max, mudado do Rio para São Paulo (onde cresci) e iniciado uma fase caseira, em que tudo convergia para dentro. “Sair de casa? Para quê?”, pensava. Mas foi só ouvir a voz dele ao telefone – “Então, Susan...”, ele dizia, me chamando pelo nome que eu odeio e escondo – falando de um projeto novo, que meu pensamento começou a voar.

“Que saudade de um set!” foi a primeira coisa que pensei. “Será que eu ainda sei dirigir?”, a segunda. Na época, andava escrevendo roteiros a pedido de estúdios grandes, como a Paramount e a MGM, mas há tempos não via algo sair do papel. Achei engraçado receber um convite envolvendo futebol. Já havia filmado comerciais com a seleção brasileira em 1994, mas, desde então, meu caminho foi outro. Havia me enfiado nas favelas do Rio, onde filmei Notícias de uma guerra particular, Cidade de Deus, Cidade dos homens, Crianças invisíveis e clipes de O Rappa. Será que isso tinha algo a ver com o esporte?

“Eu gosto do seu trabalho com ator”, me disse o Adriano, que logo explicou que a série era de dramaturgia, nada de documentário. Ia contar o dia a dia de um árbitro [Juarez, interpretado pelo ator Eucir de Souza] que manda bem em campo, mas tem uma vida pessoal que é uma zona. Logo, engatou: “Posso te mandar um termo de silêncio?”. Percebi que o negócio era sério. Nunca um produtor havia me enviado um contrato para assinar antes de o trabalho começar. Gostei.

Me preparei para iniciar as filmagens, mas, ao ver meu plano de trabalho, levei um susto. A primeira diária era noturna, num estádio de futebol, com chuva artificial, 22 jogadores, oito câmeras, jogadas ousadas – cadê o trabalho com ator? No fim, filmei não apenas essa, mas quase todas as cenas de futebol da série. E posso dizer que recriar o clima de uma final de Copa Libertadores com atores que se fazem de torcida e jogadores de terceira divisão que se fazem de craques é um abacaxi para qualquer diretor, homem ou mulher! A sorte foi que, com o clima da equipe, tudo correu tranquilamente.

Depois que entrei no projeto da HBO, recebi outros convites para filmar futebol, como uma trilogia sobre o centenário do Santos e comerciais de TV. Nunca fui torcedora fanática, mas os trabalhos me fizeram lembrar meu primeiro laço com a bola. Eu era criança e estudava num colégio de freiras. Me metia em todos os jogos e era sempre puxada para fora (pela orelha) por uma das irmãs. Eu voltava correndo. Fazia isso porque queria estar sempre com os meninos.

Acho que isso nunca mudou. Meus filmes são bem masculinos e, ao longo da vida, aprendi muita coisa observando os homens. Temos qualidades diferentes. Nós, mulheres, por exemplo, gostamos de nos preparar. Na pré-produção de FDP, fomos a um jogo do Palmeiras estudar a atuação do juiz, mas eu fui a única [além de Kátia, Adriano, Caito Cruz e Johnny Araújo dirigiram episódios da série] a levar bloquinho. Depois, nas filmagens, todos pediram minhas anotações!

Só que, às vezes, essa mania de preparação é demais. Os homens sabem se atirar com mais facilidade nas coisas. Às vezes, nada como o perrengue para trazer novas soluções. Nada como a dificuldade e o erro para criar novas linguagens.

Vai lá: FDP – na HBO, hbomax.com/br/pt/series/

 

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