Bem vindo à Holanda

por Lygia da Veiga Pereira

Os filhos são sempre parecidos com os pais? Nem sempre

Comecei a ler um livro chamado “Longe da árvore” (Andrew Solomon, Cia. das Letras), que descreve a experiência de ter filhos muito diferentes dos pais. O título é um contraponto à expressão inglesa de que a maçã cai sempre perto da árvore, ou seja, os filhos são sempre parecidos com os pais – nem sempre.

Às vezes um casal “normal” tem filhos com surdez, nanismo, síndrome de Down, autismo, esquizofrenia, crianças prodígios, vítimas de estupro, criminosos, e transexuais. O livro é uma enciclopédia de relatos doídos e emocionantes dos pais e dos filhos - um capítulo dedicado a cada uma dessas “diferenças”. Imergi nas várias experiências, nos mundos paralelos dos diversos grupos de “diferentes”, na trajetória dos pais, do desespero e desamparo ao se depararem com a inesperada diferença, ao crescimento à medida que desbravam a nova realidade que se apresenta. Um mergulho riquíssimo, mas muito perturbador – confesso que abandonei o livro no capítulo sobre estupro...

Reproduzo aqui um lindo texto que descreve a experiência de ter um filho com uma deficiência, escrito pela mãe de uma criança com síndrome de Down:

BEM VINDO À HOLANDA
por Emily Perl Knisley, 1987

Frequentemente, sou solicitada a descrever a experiência de dar à luz a uma criança com deficiência - Uma tentativa de ajudar pessoas que não têm com quem compartilhar essa experiência única a entendê-la e imaginar como é vivenciá-la.

Seria como...

Ter um bebê é como planejar uma fabulosa viagem de férias - para a ITÁLIA! Você compra montes de guias e faz planos maravilhosos! O Coliseu. O Davi de Michelangelo. As gôndolas em Veneza. Você pode até aprender algumas frases em italiano. É tudo muito excitante. 

Após meses de antecipação, finalmente chega o grande dia! Você arruma suas malas e embarca. Algumas horas depois você aterrissa. O comissário de bordo chega e diz:

- BEM VINDO À HOLANDA!

- Holanda!?! - Diz você. - O que quer dizer com Holanda!?!? Eu escolhi a Itália! Eu devia ter chegado à Itália. Toda a minha vida eu sonhei em conhecer a Itália!

Mas houve uma mudança de plano voo. Eles aterrissaram na Holanda e é lá que você deve ficar.
A coisa mais importante é que eles não te levaram a um lugar horrível, desagradável, cheio de pestilência, fome e doença. É apenas um lugar diferente.

Logo, você deve sair e comprar novos guias. Deve aprender uma nova linguagem. E você irá encontrar todo um novo grupo de pessoas que nunca encontrou antes.

É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que a Itália. Mas após alguns minutos, você pode respirar fundo e olhar ao redor, começar a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e até Rembrants e Van Goghs.

Mas, todos que você conhece estão ocupados indo e vindo da Itália, estão sempre comentando sobre a experiência maravilhosa que tiveram lá. E por toda sua vida você dirá: - Sim, era onde eu deveria estar. Era tudo o que eu havia planejado.

E a dor que isso causa nunca, nunca, nunca irá embora. Porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa. Porém, se você passar a sua vida toda remoendo o fato de não ter chegado à Itália, nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito especiais... sobre a Holanda.

Semana que vem escreverei sobre um novo estudo que poderá levar à melhora cognitiva de pacientes com Down.

 

*Lygia da Veiga Pereira é uma carioca que trocou Ipanema pela Universidade de São Paulo. Professora Titular de Genética Humana e chefe do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias da USP, ela é referência nacional em pesquisas com células tronco. Mas o que ela faz de melhor é traduzir ciência para uma linguagem fácil, permitindo a todos entender as maravilhas deste admirável mundo novo.

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