Avisos para quem quer ir embora e chutar o balde

por Nina Lemos

(testados e vividos por mim mesma)

Antes de tudo, pelo amor de deus, está na moda falar que vai sair do Brasil por razões políticas. Então, queria avisar que eu fiz isso antes. Lancei tendência. Mas para, não é nada disso! Eu preciso avisar que eu vim morar em Berlim por razões existenciais! Não tem nada a ver com política! Eu amo o Brasil!

Isso posto, ok, vamos lá, as minhas dicas para quem quer largar tudo (ou quase tudo) é chutar o balde e mudar. Sim, eu fechei meu apartamento, larguei meus gatos na casa da minha mãe, joguei fora quase todas as minhas roupas e vim com duas malas morar em Berlim. Se você também quer fazer algo parecido saiba que:

1 - Ir embora dói muito. Dói pra cacete. Você passa dias sem dormir. Você se tranca em casa. Você sofre de uma Tpm que dura meses. Você perde a paciência. Você chora muito. Você acha que vai dar tudo errado. Você se arrepende.

2 - Uma hora você começa a entoar o mantra: “por que eu fiz isso? Por que eu inventei isso?” Isso dura o tempo todo, desde a hora em que voce desfez seu apartamento. Lembro que meu amigo Karin Ainouz, que tambem veio para Berlim, contou que, com o apartamento encaixotado, na vespera da viagem, olhava para tudo e gritava: “por que fiz isso? Eu estou louco, eu estou louco”. Comigo foi a mesma coisa. Eu me arrependi jogando roupa fora, carregando caixa, indo no consulado, indo para o aeroporto. Eu nunca estive certa. Talvez ainda não esteja, talvez nunca esteja.

3 - Eu implorei para que me obrigassem a ficar. Depois de seis meses em Berlim ano passado, resovi que voltaria esse ano sem data de volta. Cheguei no Brasil e contei para todo mundo. E foi quando aconteceu uma coisa horrivel: ninguém me proibiu!! Nem minha familia, nem meus amigos, nem meus chefes. Muito pelo contrário. Eles falaram: “boa, acho que você deve ir mesmo!”. Ninguém veio me falar para não ir! Eu queria que alguém me proibisse! Ninguem proibiu. Uó.

4 - Eu fiquei tão mal que nem liguei de me desfazer das minhas coisas. Sim, eu dei quase todas as roupas e quase todos os meus livros. Eu não tenho mais quase nada. Ficou um pouco no Brasil mas vim para ficar no mínimo um ano com duas malas. Como? Como? Eu fui incrível no meu desapego? Eu sou uma pessoa não-apegada? Nada disso, eu estava com tanto medo, tão apavorada com tudo que me livrar das minhas coisas foi o mais fácil. Foi mais uma etapa cumprida. Pronto.

5 - Eu fiquei tão nervosa que na véspera vomitei na rua. E não vou dar mais detalhes. Isso basta.

6- Eu não sou corajosa. Não. Eu vim porque a faca dentro do meu peito estava apertada demais para respirar. Eu não tinha outra saída. Não foi uma escolha. Eu vim. Quer dizer, talvez tenha sido uma escolha desde que eu pisei em Berlim há sete anos, e, desde então, passei a sonhar com a cidade, passar todas as minhas férias aqui e chorar no avião indo embora. Então, foi Berlim que me escolheu.

7- Mudar para Berlim é mudar de estilo de vida. Eu vivo com menos dinheiro agora. A vida aqui é muito mais barata que em São Paulo. Eu não tenho diarista, eu subo 100 degraus de escada, lavo minhas roupas, nunca pego táxi. Isso é legal.

8- E, o mais importante para quem quer largar quase tudo: isso não resolve problema nenhum. Eu continuo angustiada, eu ainda acordo com a faca no peito algumas vezes e ainda não tenho certeza. Mas, assim, na hora que eu quiser eu volto, já que eu não fugi de nada. E fica essa dica. Vir sem estar fugindo é muito, muito bom. E a sensacao de que se pode voltar também.

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