As mães são felizes

por Ariane Abdallah
Tpm #102

Trabalho e filhos não combinam? Seis mulheres provam que é possível ser mãe, profissional e feliz

Você sai para trabalhar, deixa o filho com a babá e quase morre de culpa? Ou parou de trabalhar, demitiu a babá e agora morre de tédio? Aqui, seis mães que também são superprofissionais garantem: é possível equilibrar os dois papéis e ficar em paz

Todo dia, quando sai para trabalhar e deixa seu filho em casa com a babá, você deseja, por alguns instantes, ter outra vida. “E se eu parasse de trabalhar?”, se pergunta. “Será que não nasci para ficar em casa, trocando fraldas e falando sobre receitas de papinha de neném? Será que passar o dia fora não vai deixá-lo cheio de problemas psicológicos no futuro?” Quantas vezes chegou em casa à noite, comemorando que é meia hora mais cedo do que de costume e, poderá, pela única vez na semana – quiçá no mês –, dar o jantar para o filhote? Mas, na hora que pede para ele abrir um bocão, ele faz bico. Fecha a cara e diz que quer a babá. Não, você não é a pior mãe do mundo. É apenas uma mãe do século 21, como 56% das brasileiras que, segundo o IBGE, hoje conciliam trabalho e filhos. E está aprendendo na prática, sem cartilhas, como ser feliz nessa realidade que muitas de nossas mães não conheceram.

Tanto está aprendendo que, quando chega ao trabalho, você lembra o quanto gosta de ganhar para fazer o que faz, de ter sua independência, suas conquistas, seus assuntos. Certamente, depois que seu filho nasceu, ser profissional se tornou a parte mais fácil da vida, em comparação com tanta insegurança diante da novidade de ser responsável por outro ser humano, 24 horas por dia – esteja ou não perto dele fisicamente. Muitas mulheres que podem se dar a esse luxo hoje optam por deixar a carreira e ser mães, como se fazia antigamente. Se essa é uma escolha sincera, maravilha. Mas fazê-la só para aliviar a culpa por não estar 100% disponível para o filho é um preço que você não precisa pagar. Astrid, Priscila, Carla, Anna Luiza, Roberta e Elaine descobriram um jeito possível de conciliar maternidade e trabalho, com disciplina, flexibilidade e bom humor.

Cada uma a seu modo, elas acreditam que o caminho é ter uma rotina funcional, com regras e horários, eleger pessoas em que se confia e prestar atenção ao que se está fazendo a cada momento, sem perder o foco com pensamentos na linha do “mas e se eu...?”. Acertar é um verbo que não usam. Afinal, estão ocupadas descobrindo como simplesmente ser quem são.

Priscila Borgonovi

31 anos, mãe de João, 7, e sócia de uma agência especializada em moda
“Como meu trabalho não tem rotina fixa, às vezes prefiro que o motorista pegue o João na escola e me encontre em casa para o almoço a perder tempo no trânsito. Mesmo trabalhando algumas noites e nas férias escolares, eu o acompanho na lição de casa toda noite. Se ele vem com chantagem emocional, não caio. Uma noite dessas, estava indo jantar com amigas, e o João perguntou: ‘Vai sair de novo?’. ‘Sim!’, respondi. Todo mundo tem que ter vida. Não deixo fazer chilique. Explico que também tenho prioridades e, se ele não entende, coloco de castigo. Mesmo no trabalho, fico ligada. Meu telefone toca o dia inteiro, ele ou a babá, para saber se pode faltar na aula de tênis, se pode ir para a casa do amigo, se precisa mesmo levar blusa... Um dia por semana jantamos fora, só nós dois. Também transformamos assuntos que poderiam ser chatos em diversão: numa lousa, anotamos os pontos que ele ganha ou perde obedecendo ou desobedecendo, comendo ou enrolando etc. Os pontos se convertem em presentes. Por estar perto dele, mas ter minha vida, não me sinto culpada.”

 

Astrid Fontenelle

49 anos, mãe de Gabriel, 2, e apresentadora do Happy Hour, do GNT
“Ter conhecido o Gabriel (adotado com 40 dias de vida) mais velha me dá maturidade para lidar com as situações, não estresso. Além disso, meu horário de trabalho é um privilégio: entro às 17 horas. Mesmo assim, acordo às 7 horas e o levo todo dia à escola. Adorei o período de adaptação, a interação com outras mães. Em seguida, vou ao pilates, ao supermercado... Agora instituí um dia para ler. É importante esse tempo para fazer algo de que gosto, e que é trabalho. Aprendi logo que filho não come com a mãe, faz manha, bagunça. Mas eu é que decido tudo: os horários das coisas, o que fazer de almoço, os livrinhos que vai ler. A babá cuida, mas quem educa sou eu. E, de jeito nenhum, falo com ele com aquela vozinha que muita gente faz com bebê! Falo as palavras corretamente. Aos sábados, nossa diversão é levar a babá ao ponto de ônibus. Ficamos sem ela até domingo à noite. Gosto de andar com ele a pé pelo bairro dos Jardins, ir ao zoológico e a galerias de arte. Rapaz, fico cansada! Mas foi uma opção e vale a pena. Acredito que, se eu não trabalhasse, meu filho não me admiraria o quanto pode me admirar.”

Carla Zancaner

 

38 anos, mãe de Marina, 11 meses, e sócia de uma empresa de contabilidade
“Sou a segunda pessoa de uma empresa que só tem homens. Então, contratei um funcionário para me ajudar e só tenho ido ao escritório depois do almoço. De manhã, fico com minha filha, levo à natação e, vira e mexe, checo os e-mails. Voltei a praticar ioga duas vezes por semana. Mas parei a corrida, a academia... eu praticava esporte todo dia, mas é fundamental abrir mão de certas coisas. Muita gente quer ter filho, mas será que quer ser mãe? Por enquanto, não vou mais a festas nem viajo tanto quanto antes. Outra coisa importante é que a criança tenha rotina. Por isso, quando vamos a festinhas, levo sua comida e dou no mesmo horário de sempre. Isso a deixa tranquila, sem agitação. Já quando estou trabalhando, faço questão de desligar totalmente, não telefono para casa nenhuma vez. Em caso de emergência, a babá sabe como me encontrar. Também não mudei nada na decoração do apartamento por medo de ela cair ou quebrar algo. É mais fácil mudar tudo ao redor do que ensinar a respeitar os limites. Mas faço questão de educá-la.”

 

Anna Luiza Müller

 

43 anos, mãe de João, 8, e Daniel, 3, e assessora de imprensa
“Moro a três minutos do escritório, então muita gente fala: ‘Que sorte!’. Sorte nada, foi planejado. Assim, posso almoçar em casa e levar à escola muitas vezes. O fato de o meu marido, que é roteirista [George Moura], trabalhar em casa ajuda. De dia, dividimos as tarefas de levar, buscar, ver lição etc. Mas, de noite, tem que ser a mãe. Meus dois filhos acordavam durante a madrugada, e sempre eu é que fui ver. Algumas vezes viajo a trabalho, aí o George cuida de tudo. A palavra-chave para funcionar é planejamento. Por isso optamos por uma escola que faz o calendário de festas com antecedência e não tem tantos eventos. Um monte de festas para os pais é ótimo para alimentar a culpa! Aos domingos não temos babá. Nos outros dias, tenho pessoas em que confio para ajudar. Não existe mais mãe que faz tudo. Mas a intuição, o instinto, o olho no olho com o filho, isso não se delega. Acredito que é nisso que vale investir para construir cumplicidade com os filhos.”

SUPER MÃES

Sem babás nem muita possibilidade de escolha, estas mães se viram em mil para estarem presentes na vida dos filhos e ainda trazer

 

Moro no Capão Redondo desde que nasci e sei que lá as famílias são grandes e pobres. Roberta Nascimento, 36, tem três filhos e é atendente de telemarketing. Elaine Ronquin, 30, é mãe de Gustavo, 3, e vende cosméticos para lojas.

De segunda a sábado, Roberta sai de casa às cinco e meia da manhã para entrar às 8 horas (no trabalho), e volta às quatro da tarde. Aí começa a segunda jornada do dia: a faxina. À noite, pega seus meninos na escola, confere as lições de casa, dá banho, comida e ainda brinca com eles.

Elaine entra no trabalho às 10 horas e volta depois das 19. Combinou com o marido de, em casa, não falar de problemas profissionais. Os dois nem pensam em ter babá, já que a renda familiar não passa de R$ 1.200. Aliás, ela é vizinha de algumas babás, que, enquanto cuidam dos filhos dos outros, deixam suas crias em creches, com familiares ou amigos. “Mesmo que eu tivesse dinheiro, não teria babá! Eu quero ser a babá dos meus filhos”, garante Roberta.

 

SEM CONTROLE

“Trabalho e filhos.” “Carreira e filhos.” “Mães que trabalham.” “Mães profissionais.” Quatro buscas no Google e os 7 milhões de páginas gerados dão uma pista da fama que ganhou o “dilema da mãe contemporânea”. Blogs, reportagens, pesquisas: parece impossível falar das “mães do novo milênio” sem situá-las em algum ponto da balança maternidade/carreira. Desconfio dessa balança. Desconfio dos seus parâmetros e modelos. Desconfio, aliás, de qualquer modelo que enquadre percursos tão complexos e pessoais.

Não quero menosprezar a dor da mãe que hoje deixou o filho com febre porque não conseguiu adiar a reunião. Também não quero diminuir a angústia daquela que decidiu deixar a carreira de lado para ficar mais perto das crianças e não sabe mais direito quem é. Escolhas difíceis, incertas, abarrotadas de cobranças internas e externas. Trabalho e filhos... Trabalho e filhos? Será mesmo esse o dilema central das mães contemporâneas? Ou das mães de qualquer tempo?

Ter filhos é se lançar em um universo desconhecido. Lemos, estudamos, conversamos com outras mães. Viramos um pouco pediatras, um pouco pedagogas, um pouco cientistas. Bem informadas sobre as sinapses, os benefícios da massagem, a importância dos limites, começamos nossa jornada nos equilibrando com talento na corda bamba da maternidade-modelo. Com sorte, quando o tempo passa, percebemos que, na verdade, sabemos muito pouco sobre o que é ser mãe. E, aí, podemos começar a viver a avassaladora descoberta de quem somos, de quem são nossos filhos e, principalmente, de quem somos juntos, nós e eles.

Os filhos vão crescendo, nós também. Os desafios mudam, as soluções que eram boas há pouco não funcionam mais e precisam ser repensadas. Se, antes, queríamos apenas lamber a cria, percebemos que temos nossas próprias urgências e desejos. Se, em algum momento, achamos que teríamos todas as respostas, ficamos em silêncio diante das perguntas que não imaginamos que nossos filhos fossem fazer ou que fôssemos fazer a nós mesmas. Vamos, aos poucos, tateando as respostas. Não há muito o que fazer a não ser estarmos abertas à potência dessa transformação.

Isabel é o nome da minha filha, minha maior inspiração. É, também, o nome de uma das personagens de Antonio, de Beatriz Bracher, um livro que me arrebatou recentemente. Mãe de quatro filhos, no fim da vida ela fala ao neto: “O fato de ao mesmo tempo ter que cuidar da comida, da casa, da roupa lavada, dos machucados, do dinheiro, enfim, do chão necessário para a partida deles, não me tornava muito mais lúcida do que meus filhos. Sempre tive uma sensatez básica, ligada mesmo ao instinto de sobrevivência. No final, a vida sabe cuidar de si mesma e, entre mortos e feridos, salvaram-se quase todos”. Uma jornada compartilhada, de muita cumplicidade. Sem modelos e sem receitas.

* Denise Gallo, 39, é pesquisadora e dedica-se ao estudo do gênero feminino e das representações da mulher na mídia e na publicidade. Seu e-mail: dgallo@uol.com.br

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