Ícone da luta pelos direitos civis, a filósofa relembra trajetórias com feministas negras brasileiras, critica Trump e é ovacionada por mais de 700 pessoas durante conferência na Bahia
Seis viagens ao Brasil, sendo quatro à Bahia. Angela Davis, filósofa e ícone da luta pelos direitos civis, se reconhece no estado baiano e não se preocupa em desmentir. Na verdade, reforça que irá “de novo, de novo e de novo” e sempre que possível, como afirmou na noite desta terça-feira, durante a conferência “Atravessando o tempo e construindo o futuro da luta contra o racismo”, realizada pelo Dia Internacional da Mulher Latino-Americana e Caribenha, em Salvador (BA), promovido pelo Coletivo Angela Davis da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), o Odara - Instituto da Mulher Negra e o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Há pouco mais de uma semana, Angela participou de um evento da UFRB, no município de Cachoeira, sobre feminismo negro decolonial. Na ocasião, a professora emérita do departamento de estudos feministas da Universidade da Califórnia, recebeu da instituição de ensino o diploma de doutora honoris causa. Para Ângela Figueiredo, doutora em sociologia, uma das responsáveis na articulação para a vinda de Davis, a atuação política da ex-pantera negra engaja as pessoas no combate às injustiças e desigualdades sociais impetradas pela sociedade capitalista.
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Na conferência realizada no dia 25/07 para mais de 700 pessoas na Reitoria da UFBA e transmitida na TV e em mídias sociais, Davis destacou que tem acompanhado a atuação das mulheres negras brasileiras há anos e suas contribuições em prol da liberdade em diversos aspectos. Como por exemplo, a continuidade da Irmandade da Boa Morte, confraria religiosa afro-católica brasileira, e a resistência da cultura religiosa. Em oficina na Irmandade, em Cachoeira, Angela teve a oportunidade de passar um tempo com a cantora Dona Dalva Damiana de Freitas e entender os seus esforços na preservação do samba de roda. Os rostos, as trajetórias e as datas em que se reconhece nestas pessoas são guardadas na memória da ativista como fotografia.
Visitante assídua e admiradora do Brasil, Davis ressaltou que nunca esquecerá do encontro em que participou em 1997, em São Luís do Maranhão, quando teve a oportunidade de ver a ex-ministra de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros, pela primeira vez. “O espírito de Luiza continua a viver e está presente conosco”, disse emocionada ao mencionar a gaúcha que faleceu há um ano. Foi também neste evento que a Angela conheceu Vilma Reis, atual Ouvidora Geral da Bahia e pessoa responsável pelo prefácio da edição brasileira do livro Mulheres, Cultura e Política.
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No livro lançado no Brasil neste ano, Davis destaca que a política “não se situa no polo oposto ao de nossa vida”. E, por isso, para ela, que em seus 70 anos acompanhou diversos momentos históricos, os EUA ser governado por Donald Trump é algo inexplicável. “Mas não devemos nos esquecer que, um dia após a posse, o movimento de mulheres levou para Washington três vezes mais pessoas que o número da cerimônia do presidente”, enfatizou ao público brasileiro. Estima-se que mais de 5 milhões de pessoas participaram da marcha em todo o mundo.
Em sua conferência citou Rosa Parks, Lilian Ngoyi, Carolina de Jesus e Lélia Gonzales, e ressaltou que a liderança feminista negra é coletiva. Ela também falou dos movimentos como a Marcha das Mulheres Negras, no Brasil, e o Black Lives Matter, nos EUA, e da importância da luta das mulheres negras estarem conectadas às lutas de mulheres oprimidas em todas as partes: “Para aquelas que dizem não às políticas anti-imigração, ao apartheid, ao muro que separa a ocupação Palestina em Israel, ao racismo e a misoginia na Colômbia, ao sistema de castas na Índia, à violência cotidiana, doméstica e íntima”.
Davis destacou a necessidade de confrontarmos a violência do estado e o racismo institucional nas questões sobre moradia, emprego, assistência, saúde, educação e sistema carcerário. A filósofa ainda mencionou a carta do Quilombo Rio dos Macacos sobre a dificuldade na garantia de acesso a água e a terra, semelhante as problemáticas vividas pelas populações indígenas. Nos momentos finais, entre palmas e gritos emocionados da plateia, concluiu que “as mulheres negras representam a possibilidade da esperança e do futuro”.
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