por Mara Gabrilli
Tpm #108

Mara Gabrilli recebe de um casal o convite para bodas de 80 anos... daqui a dez anos

Recebi um e-mail de um munícipe. Geralmente, neles chegam demandas, críticas e elogios. Neste, especificamente, um senhor com um bom texto dizia que seu pai, 92 anos, era admirador do meu trabalho. Havia feito campanha para me eleger e adoraria receber um telefonema meu. Entrei em contato no ato da leitura.

Uma voz de senhora me atendeu. Pedi para falar com o senhor Rubens e ela já saiu falando com um “aaaah” como quem já soubesse do que se tratava. Quando Rubens chegou ao telefone, começou a falar emocionado, entrando numa crise de tosse que o impediu de continuar. A voz feminina voltou e eu mesma fiquei de ligar em uma hora para que ele ficasse à vontade.

Quando retornei, pude perceber que se tratava de um senhor muito culto. Era um professor com profundidade política. A senhora era sua esposa, Maria, 91 anos, também professora e com um pouco de dificuldade de ouvir ao telefone. Passamos a nos falar com frequência. Rubens gostou de traçar um paralelo do presidente Roosevelt com minha figura. Um dia fiquei de entrar em contato na hora do almoço e, quando deu meio-dia, começaram a ligar para meus assessores perguntando o que haveria acontecido que eu não tinha ligado, demonstrando um jeitinho sistemático de viver.

Pedi que agendassem uma visita.

Ficar parado, nunca

O dia chegou. Desmarquei o compromisso anterior com medo de me atrasar. Ao chegar a um edifício em Pinheiros, me aguardava o Rubens filho e autor do e-mail inicial. Médico, chefe da saúde ocupacional do Hospital das Clínicas, com muita gentileza me encaminhou ao apartamento de seus pais. O casal me aguardava em pé. Duas figuras elegantes com sorriso no rosto (eles não têm barriga). Rubens se apoiava num andador e fez questão de pegar a minha mão. Dona Maria de Lourdes é uma senhora inquieta, falante, com uma forma de caminhar num ritmo quase que saltitante. Estava presente também a Lucia, uma das netas. Foi sua irmã, Vera, que um dia entregou um panfleto meu e inaugurou uma relação afetiva da família comigo.

Dona Maria de Lourdes serviu um farto lanche com sanduíches, tortas, bolo e pudim. Tudo feito por ela. Não suporta a possibilidade de ter alguma ajudante para o serviço de casa. Aposentou-se há 45 anos e nunca parou. O casal acaba de comemorar 70 anos de casado. São muito festeiros e diariamente comemoram as coisas boas da vida. “Ficar parado, nunca, pois dá dor no corpo.” A memória da dona Maria de Lourdes é invejável; ela mesma diz que é até perigosa, pois as pessoas muitas vezes duvidam de antigos fatos. Segundo ela, isso é fruto da leitura diária de jornais e palavras cruzadas.

Senhor Rubens é mais quieto, para dar espaço à hiperatividade da esposa. Me convidaram para as bodas de 80 anos de casados daqui a dez anos. Foi a primeira vez que vi jovens idosos recomendando a velhice.

Saí de lá com um conceito repaginado e totalmente diferente sobre o que é envelhecer.

Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br

fechar