A fila da padaria
Já não nos consideramos tão incompletas quando sozinhas. A fila anda pra ambos os sexos
Por Diana Corso
em 9 de junho de 2009
Devo ter uma obsessão por fila de padaria. Sempre que alguém se impacienta porque não encontra um amor, acabo dizendo que pode estar em qualquer lugar – “até na fila da padaria”. Inconscientemente estou torcendo para que encontrem um “pão”. Minha frase inspira-se numa gíria do tempo da jovem guarda: “pão” era um homem que ninguém, em sã consciência, expulsaria da sua cama.
Quando refiro que o amor pode estar “na fila da padaria”, o sentido que supunha colocar na mensagem era: se alguém está disponível, isso pode acontecer em qualquer lugar. Mais importante do que ficar alucinadamente procurando seria fazer um questionamento interior: será que já me desprendi o suficiente do antigo amor? Estarei realmente disponível? Conseguirei ser olhado sem fugir? Permitirei o acesso a meu corpo? Muitas vezes nada achamos porque de fato não queremos ou suportamos esse encontro.
Mas nem só boas intenções minha frase carrega. Ela também tem um lado chato: você terá seu pão, mas tem que fazer parte da fila, onde outras esperam sua vez. Como hoje existem mais mulheres do que homens, parece que só a fila deles anda. Acabo fazendo eco à queixa feminina de que o mercado de pães está difícil, que os homens nos esnobam, são passageiros. Mas serão somente eles que estão assim tão desapegados? Em primeiro lugar, essa questão da desproporção entre homens e mulheres disponíveis esbarra na evidência de que as dificuldades de encontrar um amor afetam também os gays, que não precisam lutar no campo do sexo oposto.
Um pãozinho – e só
Tanto empenho no encontro da cara-metade aparentemente se justifica porque sozinhos seríamos incompletos. A relação dual é a forma na qual fomos treinados para amar desde que nascemos. Passamos a vida buscando reencontrar o olhar embevecido da mamãe. Ela estava tão reduzida a nos amar que até a cor do nosso cocô parecia assunto importante. Mesmo que não tenhamos tido uma mãe assim, julgamos que essa é a matriz do amor: admiração e entrega absolutas. Deveria existir aquela pessoa que esteja interessada em tudo ao nosso respeito: da saúde da sogra, passando pelas fofocas do trabalho, até a regularidade do nosso intestino, em boletins diários. São pouquíssimas as relações que atingem essa cumplicidade e ela será sempre parcial.
O fato realmente novo, principalmente para as mulheres, é que já não nos consideramos tão incompletas quando sozinhas. Nem sempre estamos dispostas a pagar o alto preço requerido pela relação dual: a forma como ela reedita nossas relações familiares, o quanto ela controla e cerceia nossa liberdade.
Embora a incessante cantilena de que sem amor não há solução, quando entramos na fila da padaria, muitas vezes queremos apenas um “pão”, quentinho e saboroso. Nem sempre estamos com paciência para suportar que no dia seguinte ele fica“dormido”. Hoje, tanto homens quanto mulheres não parecem estar dispostos a fazer qualquer negócio para andar aos pares. Nesse sentido, a fila anda para ambos os sexos.
Diana Corso, 48, é psicanalista. Vive em Porto Alegre, tem duas filhas, escreve quinzenalmente no jornal Zero Hora e é coautora do livro Fadas no Divã. Seu e-mail: dianamcorso@gmail.com
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