Já não nos consideramos tão incompletas quando sozinhas. A fila anda pra ambos os sexos
Devo ter uma obsessão por fila de padaria. Sempre que alguém se impacienta porque não encontra um amor, acabo dizendo que pode estar em qualquer lugar – “até na fila da padaria”. Inconscientemente estou torcendo para que encontrem um “pão”. Minha frase inspira-se numa gíria do tempo da jovem guarda: “pão” era um homem que ninguém, em sã consciência, expulsaria da sua cama.
Quando refiro que o amor pode estar “na fila da padaria”, o sentido que supunha colocar na mensagem era: se alguém está disponível, isso pode acontecer em qualquer lugar. Mais importante do que ficar alucinadamente procurando seria fazer um questionamento interior: será que já me desprendi o suficiente do antigo amor? Estarei realmente disponível? Conseguirei ser olhado sem fugir? Permitirei o acesso a meu corpo? Muitas vezes nada achamos porque de fato não queremos ou suportamos esse encontro.
Mas nem só boas intenções minha frase carrega. Ela também tem um lado chato: você terá seu pão, mas tem que fazer parte da fila, onde outras esperam sua vez. Como hoje existem mais mulheres do que homens, parece que só a fila deles anda. Acabo fazendo eco à queixa feminina de que o mercado de pães está difícil, que os homens nos esnobam, são passageiros. Mas serão somente eles que estão assim tão desapegados? Em primeiro lugar, essa questão da desproporção entre homens e mulheres disponíveis esbarra na evidência de que as dificuldades de encontrar um amor afetam também os gays, que não precisam lutar no campo do sexo oposto.
Um pãozinho – e só
Tanto empenho no encontro da cara-metade aparentemente se justifica porque sozinhos seríamos incompletos. A relação dual é a forma na qual fomos treinados para amar desde que nascemos. Passamos a vida buscando reencontrar o olhar embevecido da mamãe. Ela estava tão reduzida a nos amar que até a cor do nosso cocô parecia assunto importante. Mesmo que não tenhamos tido uma mãe assim, julgamos que essa é a matriz do amor: admiração e entrega absolutas. Deveria existir aquela pessoa que esteja interessada em tudo ao nosso respeito: da saúde da sogra, passando pelas fofocas do trabalho, até a regularidade do nosso intestino, em boletins diários. São pouquíssimas as relações que atingem essa cumplicidade e ela será sempre parcial.
O fato realmente novo, principalmente para as mulheres, é que já não nos consideramos tão incompletas quando sozinhas. Nem sempre estamos dispostas a pagar o alto preço requerido pela relação dual: a forma como ela reedita nossas relações familiares, o quanto ela controla e cerceia nossa liberdade.
Embora a incessante cantilena de que sem amor não há solução, quando entramos na fila da padaria, muitas vezes queremos apenas um “pão”, quentinho e saboroso. Nem sempre estamos com paciência para suportar que no dia seguinte ele fica“dormido”. Hoje, tanto homens quanto mulheres não parecem estar dispostos a fazer qualquer negócio para andar aos pares. Nesse sentido, a fila anda para ambos os sexos.
Diana Corso, 48, é psicanalista. Vive em Porto Alegre, tem duas filhas, escreve quinzenalmente no jornal Zero Hora e é coautora do livro Fadas no Divã. Seu e-mail: dianamcorso@gmail.com