A escolinha da Gra

por Elka Andrello

Como achar uma escola para a filha na zona rural da Índia.

Finalmente achei uma escolinha legal para a Graziela. Se escolher uma escola já é uma questão delicada nas cidades em geral, imagine só na zona rural da Índia. Moramos em Himachal Pradesh, estado que fica no norte da Índia, na fronteira com o Tibete, aos pés do Himalaia. É muito incrível, mas muito pobre também, não tem nem coleta de lixo. Na verdade tem coleta de lixo em Mcleodganj, cidade onde mora o Dalai Lama, porque o Richard Gere patrocinou.

Escolhi morar na Índia porque quero viver de perto essa cultura, no meu caso nas comunidades budistas tibetanas exiladas por aqui. Tem o lado muito legal de ser vizinha do Dalai Lama e do Karmapa, morar perto de monastérios absurdos e de lamas super elevados, mas tem o outro lado da pobreza e falta de estrutura e, especialmente aqui na Índia, aprender a conviver com a sujeira. É impossível ter o mesmo nível de conforto que a gente conhece no Brasil, é uma adaptação e tanto. Confesso que eu sambei bastante no primeiro mês até achar uma casa e agora uma escola. Eu visitei oito até achar uma legal. Quase tive um treco em algumas. A minha primeira opção foi a escola tibetana em Bir. Doce ilusão. A escola é suja, as professoras dão uns tapas e tem uns cachorros sarnentos que ficam no patio junto com as crianças. O diretor da escola mal olhou para mim e foi logo dizendo que a Graziela não poderia estudar na escola porque as crianças ocidentais não apanham dos pais e na escola elas tomam uns tapas das professoras e as crianças ocidentais choram muito se apanham. Pelo menos ele foi honesto!  Bom, Keep Going, como sempre dizia o meu professor Chagdud Tulku Rinpoche.

 

 

Fomos para a cidade vizinha, numa escola católica com alunos indianos, a melhor e mais cara da região (R$100 por mês). Achei um horror. As escolas tradicionais indianas tem um estilo militar. As crianças usam uniformes escuros, fazem fila e marcham para começar o dia. Essas escolas associam disciplina militar e austeridade à uma boa educação. Saí correndo. Ainda passei em mais duas escolas indianas, todas no mesmo estilo.

OK, Keep Going! Fomos parar em outra escola indiana, na parte de cima de Bir. A essa altura já tinha percebido que indianos e tibetanos não se misturam. A escola é pequena e a diretora legal. Expliquei que queria um lugar para a Gra brincar e fazer amigos e não aprender matemática. Resolvi dar uma chance. Expliquei para a Gra que ela iria conhecer uma escola nova e lá fomos nós. Foi um vexame. As professoras fizeram de tudo para agradar, mas nunca vi a Graziela fazer um bico tão grande. Fui obrigada a concordar com a Gra e sua sabedoria de dois anos de idade, aquelas crianças marchando e tocando tambor são bem bizarras para os nossos conceitos. Mesmo assim convenci a Gra a entrar na sala de aula para conhecer os amiguinhos. A sala de aula é apertada, escura, as paredes são muito sujas, sem espaço para andar e as crianças ficam sentadas murchinhas com os olhinhos pintados de cajau preto. Incrível, ninguém ri ou brinca! De novo, austeridade igual a educação. No melhor estilo militar, demos meia volta volver.

Tinha duas opções, sentar e chorar ou keep going mais uma vez. Não viajei metade do planeta para ter chilique, então lá fomos nós para o kindergarten tibetano, creche para crianças de até três anos. E não é que a Gra gostou! A escolinha fica em uma casa pintada de azul num jardim florido. Tem duas professoras, uma senhora que fica cantando mantras e girando uma roda de oração sem parar e a Chime, uma mulher jovem muito carinhosa. Por 700 rúpias por ano (R$35), as crianças ficam das 9h às 15h e tem direito a um almoço, arroz com dal, e um lanchinho com suco e fruta. Deu certo por umas semanas, até a Gra ficar com dor de barriga sem parar. Na escola as crianças comem no chão e ninguém lava as mãos. E para piorar, a Gra chegava com a calcinha suja em casa, ou seja, ninguém ajudava ela no banheiro. Tudo bem que eu acho uma super experiência viver em outra cultura, mas isso não quer dizer que devemos viver a parte negativa da outra cultura. Se afeta saúde, é claro que não está funcinando, que alguma coisa precisa mudar. Com isso em mente, lá fomos nós, Keep Going. Dessa vez mudamos de cidade, de Bir para Sidipur.

 

 

Em Sidipur, encontrei duas escolinhas. A primeira é uma tibetana, administrada por uma ONG para educar os filhos dos refugiados tibetanos. A diretora é bem bacana, com uma visão de educação que eu achei legal. Ela me disse que o papel da escola nesse caso é educar as crianças e os pais, que tem muito pouca educação também. A escola vive de doações e mesmo com poucos recursos dá para perceber que existe um esforço em oferecer uma boa educação.

 

 

A segunda escolhinha é ótima. Chama-se Eurokids, os alunos são crianças indianas e algumas ocidentais, filial de uma escola belga e o mais legal é que é uma escola montessori. As crianças falam inglês e aprendem brincando. Nada é forçado ou reprimido. O universo da fantasia é respeitado e as brincadeiras educam. Pode demorar mais, mas a criança aprende porque entende e não porque tem medo ou quer agradar o adulto. É bem parecido com o jeito que eu me esforço para educar a Gra em casa. Custa mais caro, 5 mil rúpias a matrícula (R$250) e 550 rúpias por mês (R$27). Achei essa escola a melhor para a Gra se desenvolver, um bom equilíbrio entre ela ser o que é e aprender uma cultura diferente, sem forçar a barra. Caminho do meio.

 

 

Para quem não conhece, o método montessori de ensino vê a criança como um ser humano único, suas habilidades e dificuldades individuais são respeitadas. Consiste em harmonizar a interação de forças corporais e espirituais: corpo, inteligência e vontade. As crianças aprendem através da ação. Foi criado pela cientista italiana Maria Montessori, a primeira mulher a praticar medicina na Italia. Montessori nasceu em 1870, estudou medicina contra a vontade da família e se especializou em psiquiatria e antropologia. Trabalhou com crianças com necessidades especiais e depois experimentou os mesmos procedimentos em crianças sem comprometimento. Criou o método montessori que ficou bem conhecido e respeitado na Itália, mas com a segunda guerra mundial e ascenção do regime fascista, ela saiu do país e veio para a Índia onde passou muitos anos aprimorando o método. Por isso montessori é difundido por aqui. É impressionante a quantidade e qualidade de seres humanos que nasceram ou se desenvolveram na Índia: Buda, Guru Rinpoche, Gandhi, Shirdi Sai Baba, Dalai Lama, Karmapa, Sri Tirumalai Krishnamacharya, um monte de gurus indianos que eu não conheço ainda, Madre Teresa de Calcutá, Maria Montessori... Por que aqui? Bom, por isso mudei para cá. Fica a dica do livro “What you should know about your child”, Maria Montessori.

Tashi Delek!

 

 

 

 

 

 

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