A dor dos outros

por Mara Gabrilli
Tpm #128

Passei parte das festas sozinha, com dor por reconhecer a incompetência afetiva das pessoas

 

Passei parte das festas sozinha, com muita dor por reconhecer a incompetência afetiva das pessoas que amo

Como lidar com o vício de despejar prazer em alguém que se ama e perceber que tudo na pessoa é pouco demais? Fica mais difícil ainda na medida em que amamos mais pessoas. É como querer devolver um omelete para dentro da casca do ovo. Você já sentiu isso? Isso é não caber no próprio todo. Para uma boa decoração do nosso destino é necessário se desapegar da forma como ele acontece.

Fui verificar minhas medidas no nutricionista. Perdi 14% de gordura e ganhei 2,6 quilos de músculo em três meses. Nada mal para uma tetraplégica da minha idade.

E a explicação que ele deu sobre a importância desse gigante sistema que envolve todo o nosso corpo por fora e por dentro volta naquele nosso assunto da forma. Uma musculatura saudável contribui para órgãos saudáveis, sistema imunológico tinindo, além da força, boa aparência e autoestima. Mas, como eu ia dizendo, a gente ultrapassa a carne e vira muito mais. E às vezes esse muito mais é muito pouco. O Natal e o réveillon poderiam servir para esse tipo de reflexão. Mas a necessidade gravita no onde, no com quem, no consumo, no comendo e bebendo o quê.

Véspera de Natal, já estava escuro e eu ainda não sabia onde ia passar a noite. O mesmo aconteceu no dia 31. O que vou contar? Essa é a primeira coluna do ano e já tenho tudo esboçado na minha cabeça. Eu sempre gosto de escrever sobre o que mais me impactou. Porém, tudo de mais contundente do mês é impróprio para esta coluna. Sempre me deleito nesta página – desde a primeira edição – com desprendimento de viajante adolescente. Nem por ser deputada federal eu me esforço para lapidar meus ímpetos literários. E não pense você que eu me envergonho de alguma coisa que eu faça, pelo contrário.

O outro lado

Tenho uma fácil predisposição para considerar o lado obscuro do ser, ou até aquela faceta não boa, mesmo que explícita, nas pessoas. Em mim também. Por isso, adoro dividir com você minhas vulnerabilidades. Mas estou aqui omitindo fatos, porque envolvem pessoas muito próximas, e não me sinto no direito de expô-las. O que posso contar é que passei momentos festivos de família sozinha, com muita dor por ter que reconhecer a incompetência afetiva daqueles a que mais me dediquei.

Mas a sensação – até um pouco mágica – de que invento meu próprio destino e às vezes não caibo nele me deixa maior do que sou! Isso é perigoso... Tem cara de grandiosidade. Porém, fico amassada e oprimida num invólucro subjetivo limitante. Fui procurar meu psicanalista e depois de uma hora de conversa ele levantou e disse:

– Quer passar o melhor Natal da sua vida?

Pela primeira vez eu sorri e respondi: “Quero”.

– Então fica com Deus!

 

Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br

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