A carta que elas nunca escreverão

Tpm

por Lia Bock

Amor, acabou.

Amor,

   Acabou. Acabamos, ou, pelo menos, acabei eu. Sorvi toda a minha alma nessa relação. Achei mesmo que poderíamos durar mais que as parcelas da casa. Me enganei, aliás, gabaritei nas provas de me enganar, de nos enganar. Mas não consigo dar mais nenhum passo, nenhum beijo, nenhum sim. Eu preciso sair pra não te odiar, acho que ainda dá tempo. Eu preciso me abrir. Aqui me fechei, travei, sucumbi. Detesto correr pra cama e fingir estar dormindo quando você chega só pra não ter que me sacrificar em um sexo sem sabor. Já nem lembro a última vez que gozei com você – como eu disse, gabaritei na arte de nos enganar. Mas ainda lembro de como transávamos na cozinha e de como você manjava do meu corpo. Eu amava. Assim, no passado. Me entristeço, mas hoje, cada cantinho meu se fecha num casulo hermético quando você me toca. Meu corpo já estava me avisando, ele estava me afastando, ele estava implorando pela partida. E não, não sou eu. Somos nós! Detesto a forma como sonho que estou transando com todos os nossos amigos. Pior só quando você chega no meio (do sonho) e eu sinto um tremendo alívio. Até meu inconsciente está pedindo para que alguma coisa aconteça. Em meu sonho mais recorrente eu estou te traindo, feliz. Acordada, lembro dos detalhes e isso é dolorido demais.
    Sua cara fingindo não ver nada disso também não ajuda. Mas eu te entendo. Sei que você desvia o olhar para não sacar o óbvio: eu não estou mais aqui. Finjo e me sinto uma mentirosa. Finjo e me sinto aliviada por não ter que dizer. Mas é chegada a hora. O inevitável aconteceu... Meu coração partiu e estacionou noutro canto. Foi rápido, foi decidido. Foi. Sei que essas palavras vão te cortar a alma, mas é melhor dizer do que deixar que os outros digam. São dois anos de palavras, pensamentos e lágrimas entalados. Sei que você vai me odiar por completo, sei que vai querer rasgar todos os meus livros e me esquecer. Eu entendo. Plantei isso quando esperei até agora para fazer o inevitável. Eu deveria ter partido quando, uma única vez, você me questionou se eu ainda te amava e eu menti. Eu deveria ter saído digna... Não consegui. Sofri calada, adoeci por dentro e por fora, sempre fingindo, e agora eu vou bater asas e vou feliz e sei que isso vai te partir ao meio. Desculpa. Eu não soube fazer de outro jeito. Pensei que ao não falar sobre algo, ao não me mover, as coisas deixariam de existir. Engano. Silenciar não apaga, aumenta.
    Se você quiser conversar, me liga. Sei que você vai doer essa dor, queira eu ou não. Mas tô corajosa, tô firme, quero filhos e uma casa na praia, só não é com você.

Beijo.

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