por Gabriela Borges
Tpm #103

Para entender a sutileza de Inés Berton, é preciso esquecer os cinco sentidos. Concentre-se em apenas um, o olfato, e entenda como esta argentina de 37 anos conquistou de Dalai Lama a Sofia Coppola

Cinco pérolas feitas com chá-verde e flores de jasmim enroladas à mão, uma a uma, em uma xícara de água quente. Em 8 minutos, as bolinhas começam a florescer, a água se colore, ganha cheiro e sabor. “Se logo no primeiro gole não te sair um sorriso, alguma coisa está errada na sua vida”, diverte-se Inés Berton, uma das maiores criadoras de chás do mundo, ao falar sobre o blend que desenvolveu especialmente para o Dalai Lama.

Aos 37 anos, Inés é uma das teablenders mais reconhecidas do planeta. Há quase duas décadas, ela se dedica exclusivamente a escolher o que há de melhor entre folhas de chá-verde, preto, branco ou vermelho e a garimpar ingredientes como frutas e flores em plantações de diversos países. O chá feito para o Dalai Lama, por exemplo, se chama Jasmine Pearls e foi desenvolvido para a visita do monge budista a Nova York, sob encomenda da Tibet House. “Me inspirei na ideia de que as pessoas florescem quando estão bem consigo mesmas”, conta a argentina, que se define como uma “buscadora de té”. “Procuro transmitir a bebida como linguagem e não como produto, propondo um momento de pausa para desfrutar esse ritual milenar.”

Inés nasceu com um olfato apurado. Ainda criança em Buenos Aires, sua terra natal, a maioria dos cheiros que sentia a incomodava, resultando em fortes dores de cabeça. “A fragrância dos produtos que eram usados na limpeza da minha escola me deixava muito mal”, lembra. Por outro lado, se satisfazia com os cheiros vindos da cozinha da mãe ou da tia.

Aos 18 anos, suas dores de cabeça eram cada vez piores. Além disso, ela estava em meio a uma crise típica da idade: não queria seguir os passos da família de advogados nem sabia o que fazer da vida. Foi quando se mudou para Paris. Depois de muitos anos e exames em busca da causa de suas enxaquecas, descobriu que, na verdade, seu “problema” era ter um olfato absoluto, ou seja, hipersensível. “Naquela época aprendi a distinguir os odores, a respirar corretamente e a trabalhar meu olfato como um valor agregado e não como um defeito”, conta. Resolveu, então, começar a estudar perfumaria. “Mas os cheiros eram tão fortes que minhas enxaquecas voltaram”, lembra. A ideia de se tornar perfumista deu lugar a outro desejo, o de se dedicar à arte.

Depois de passar um ano na França estudando pintura, voltou para casa. Inquieta em Buenos Aires, foi para Nova York. Não deu um mês, estava trabalhando no museu Guggenheim Soho, na seção de arte latino-americana. Sempre que podia, ia ao The T Emporium, casa de chás instalada na parte de baixo do museu, onde pedia para que preparassem seus chás com os ingredientes que ela mesma escolhia. Os outros clientes começaram a querer provar suas invenções e os donos se deram conta de que vendiam mais quando Inés estava por perto. Foi quando recebeu um convite para trabalhar na casa. “Percebi que na verdade eu gostava de pintar e não de vender arte, e me empolguei com a ideia dos chás”, lembra.

“Trabalho buscando aromas sofisticados para os chás, mas meus cheiros preferidos são simples, como o do pão torrado”
Inés Berton

Assim, quase que por casualidade, aos 21 anos Inés começou a trabalhar, aprender e amar a fusão entre a paz e a disciplina do Oriente com a paixão e a intensidade do Ocidente. Durante oito anos, trabalhou com a teablender japonesa Fumiko, na época a principal criadora de chás da T Emporium e quem lhe ensinou o significado desse ritual milenar e a estimular sua memória olfativa. A partir daí, Inés passou a criar para as mais importantes marcas do mundo, viajando por diversos países em busca de excelência. Algumas de suas infusões podem ser encontradas no Brasil, como as da marca de chá Inti Zen.

Hoje, a argentina faz parte do seleto grupo dos 11 “narizes” especialistas que criam chás com exclusividade para marcas como Mariage Frères, Dean & DeLuca e TWG Teas, que regem as tendências de mercado – assim como acontece com os estilistas de grandes grifes de moda. Em geral, as pessoas distinguem entre os aromas cítrico, especiado e floral. Já esses “narizes absolutos” vão além e escolhem, por exemplo, se seus chás levarão rosas amarelas iranianas, equatorianas ou que crescem no jardim.

Da inspiração em coisas cotidianas nascem as criações de Inés. “Meus cheiros preferidos são simples, como o do pão torrado, que me lembra a infância. Também gosto de distinguir os bairros pela fumaça das chaminés”, conta. Quando se casou, já de volta à Argentina, aos 28 anos, ela presenteou o marido, Rodrigo Toso, hoje um premiado chef argentino, com o blend Toffee Dear, à base de erva semifermentada, com pedacinhos de caramelo toffee butter e coco, que recria o perfume das tostadas.

Sofisticação do simples

Inés acredita nas genialidades da vida. “Como ter o prazer de ser a primeira pessoa a ler o jornal ou tomar uma xícara de chá feito com baunilha de Madagáscar, cacau da Venezuela e laranjinhas tostadas. Se pensar no valor dos chás que crio, esse é um luxo possível”, explica. Entre as coisas que dão prazer a essa argentina estão acordar cedo, respirar, fazer ioga e cozinhar com o marido. Juntos, Rodrigo e Inés mantêm uma casa de viajantes, como gostam de dizer. A decoração é toda composta de objetos que guardam dessas viagens. No quintal, um jardim abriga roseiras, limoeiros e uma magnólia, que floresce uma vez por ano e é o xodó de Inés.

Foi inspirada nessa busca por momentos de tranquilidade que, em 2001, em plena crise econômica na Argentina, Inés decidiu lançar sua própria marca, a Tealosophy. A primeira loja nasceu na Galería Promenade Alvear, na avenida mais chique de Buenos Aires, onde vira e mexe as
pessoas fazem fila para serem atendidas. Mesmo em meio à crise, logo no primeiro ano a produção saltou de 500 para 14 mil quilos de chá vendidos. Em seguida nasceram outras duas lojas na cidade e, em 2007, foi inaugurado o endereço de Barcelona, que hoje é “a” loja de chás da Europa. Nelas, são vendidas todas as suas criações, como o Toffee Dear e o Jasmine Pearls.

Por meio da Tealosophy, Inés desenvolve blends para hotéis e restaurantes pelo mundo. É o caso do tradicional Alvear Palace Hotel, em Buenos Aires, dos restaurantes paulistanos D.O.M. e Carlota, assim como das marcas Prada e Tiffany. Entre seus clientes, estão os reis da Espanha, Lenny Kravitz, Sofia Coppola e Uma Thurman. O escritor José Saramago era fã de seus chás. Agora, ela quer tirar do papel a loja em São Paulo. O requisito para a escolha do local é seguir sua filosofia: tem que ter uma árvore na entrada.

Com uma equipe formada por especialistas que se dividem em diversos países, a teablender compra as melhores folhas de chás colhidas à mão em plantações da Índia, do Himalaia, da China, do Japão, do Siri Lanka – todas certificadas pela equipe Tealosophy para que não haja práticas ilegais como, por exemplo, trabalho infantil ou escravo. Para se ter uma idéia, de toda a planta base dos chás, a Camellia sinensis, são usadas apenas as duas folhas mais nobres. Para cada meio quilo, vão aproximadamente duas mil e setecentas folhas. Ou seja, o trabalho de Inés é selecionar o que há de melhor em cada colheita. E isso acontece com todos os demais ingredientes dos blends: frutas cítricas do Mediterrâneo, frutas vermelhas da patagônia, especiarias da Birmânia. Seu dream team conta ainda com a ajuda de sua irmã mais nova, Sofía, que aos 23 anos é seu braço direito na Tealosophy, além de Rodrigo, seu marido, que chegou a deixar a carreira em segundo plano para dirigir a marca nos primeiros anos. Provar os chás de Inés é, de certa forma, uma maneira de viajar para cada um desses lugares através de cheiros e sabores. 

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