por Caio Ferretti
Trip #199

Atletas brasileiros vão atrás de façanha inédita: descer uma queda-d’água de wakeboard


Acompanhamos dois atletas brasileiros até a serra do Cipó, em Minas Gerais, para registrar uma façanha inédita e de altíssimo risco: descer uma queda-d’água de wakeboard – uma situação que exige absoluto controle do corpo, do equipamento e das condições naturais

O barulho da volumosa e violenta cachoeira quase abafa as vozes da conversa que acontece à beira-rio. A discussão, carregada de tensão, trata de listar os riscos de colocar em prática, bem ali na intensa correnteza, um plano consideravelmente perigoso – e ao que se sabe inédito. A intenção é descer de wakeboard uma queda-d’água natural, voando da parte de cima para a parte de baixo sem dar chances para o erro. Cair pode significar ser arrastado rio adiante ao encontro de uma das centenas de pedras no caminho. Ou, pior, ser levado direto até a próxima cachoeira.

Enquanto a lista de riscos não para de ganhar novos tópicos, o inquieto wakeskater André Wanderley faz seus cálculos. Tenta visualizar de que parte exatamente teria que saltar e onde deveria aterrissar para evitar o choque com uma pedra. Um mísero metro faz toda diferença nesse momento. Estamos na cachoeira do Tomé, na serra do Cipó (MG), e André caminha de um lado para o outro sem esconder o nervosismo. Percebendo a tensão, nosso guia local, Jeferson Luis, que acompanha o grupo, resolve soltar a voz numa irônica e trágica tentativa de tranquilizar a todos: "Vocês podem ficar sossegados que ninguém vai desaparecer nesse rio. Se cair aqui a gente encontra o corpo lá na frente, na Lapa do Urubu". Sorrisos nervosos surgem nos cantos das bocas. OK, o recado foi claro. Melhor procurar outra cachoeira para tentar descer.

A mirabolante ideia de pular quedas-d’água de wakeboard havia chegado até a Redação da Trip dias antes, por sugestão da bicampeã brasileira Teca Lobato. Há cerca de três meses, ela e André se conheceram e passaram a confabular sobre a possibilidade de se jogar de cachoeiras com uma prancha no pé. Desde então, saíram em busca de quedas que pudessem servir de parque de diversões. Mas não foi fácil encontrar. "Ficamos sempre no quase. É difícil encontrar um lugar natural que atenda às necessidades básicas pro pulo", conta Teca.

Por "necessidades básicas", entenda: o acesso não pode ser muito complicado. É preciso levar no braço o motor que puxa a corda com o wakeboarder – e, no nosso caso, a tralha pesa cerca de 50 kg. Na parte de cima da queda-d’água o rio não pode ter uma correnteza muito forte, ou vai arrastar o atleta antes que ele consiga ficar de pé na prancha; a "quina" da cachoeira deve ter um espaço livre de pedras. Bater em uma ali no topo pode significar uma aterrissagem de cara. Na parte de baixo, é bom não haver refluxo onde o volume de água é despejado. Isso tragaria o wakeboarder para o fundo se ele caísse. O pouso também precisa ser muito bem calculado, para evitar um choque direto com uma pedra submersa. E, para finalizar a vasta lista de exigências, é desejável que o atleta tenha onde se segurar caso precise soltar a corda que o puxa. Caso contrário, pode ser arrastado para a queda-d’água seguinte.

Mas não adianta avaliar antecipadamente várias cachoeiras se as condições variam bastante com algumas horas de chuva. E choveu muito na noite anterior à nossa chegada à serra do Cipó. Isso significa que alguns lugares bons para dropar, já mapeados por Teca e André, agora estavam perigosos demais. Por outro lado, alguns novos picos haviam surgido.

DE NOVO! DE NOVO!

Já fazia quase duas horas que estávamos rodando em busca de uma cachoeira para tentar os primeiros pulos. Em pouco tempo o sol iria se pôr e o dia terminaria sem nenhuma prancha ter voado alguns metros. André não admitia essa possibilidade. Resolveu se arriscar em uma queda que facilmente seria reprovada num teste simples das tais "necessidades básicas". Mas ele tentaria. De tênis, entrou na água para checar onde estavam as pedras mais perigosas na parte de baixo e de cima da cachoeira. Estabeleceu visualmente um lugar exato para pular e para aterrissar. Colocou seu wakeskate debaixo do braço – sim, ele pularia com os pés soltos da prancha –, levou a corda até o ponto de saída e esperou pela partida do motor.

"Vai!", gritou a distância. O guincho foi acelerado repentinamente e levantou André com rapidez. O espaço a ser percorrido antes da descida era mínimo. Foram cerca de 3 s cortando a rasa água, tocando as pedras do fundo, antes de se atirar no ar. André voou alguns metros, mais do que se esperava, e pousou em cima de seu skate. Soltou imediatamente a corda, que, puxada pelo motor ainda ligado, o levava direto de encontro a várias pedras. E mergulhou para perder velocidade. Quando colocou a cabeça de volta para fora d’água gritou: "Aaaahhhhhhhh!!! De novo! Quero ir de novo!", e começou a gargalhar. Foi mais uma porção de vezes. Sozinho, porque ninguém mais teve coragem de repetir. Nem mesmo a profissional e experiente Teca.

A missão estava cumprida para aquele fim de tarde. Para o dia seguinte, o plano era aproveitar a confiança conquistada e pular de lugares mais altos. Assim seria, se não fosse mais uma madrugada de chuva intensa. Resultado: as quedas-d’água ficaram ainda mais violentas e perigosas. Descer alguma seria arriscado demais. Ainda assim, Teca sugeriu uma sessão de wake no alto da cachoeira Grande, uma das maiores da serra do Cipó. Cruzaria o rio de uma margem para outra, nos limites da queda, puxada pelo guincho. Só não contava que a correnteza estivesse tão poderosa por ali. "Eu estava morrendo de medo. Se o motor morresse ou se eu batesse em alguma pedra não teria salvação. Eu iria despencar cachoeira abaixo. Foi tenso cruzar ali." No local, havia uma placa que dizia: "Perigo, não atravessar a cachoeira". Parecia uma boa dica.

Melhor encerrar a sessão. Mas a busca de Teca e André por cachoeiras boas para serem dropadas vai continuar. "Isso aqui é só o começo, porque eu tenho certeza de que ela existe. Eu sei que a queda perfeita está lá. Só preciso encontrar... e conseguir levar o guincho", diz André. Para isso, ele pretende contar com a ajuda do Google Earth. "Infelizmente a resolução do sistema no Brasil não é muito boa. Mas o que faço? Vejo um rio e começo a seguir o fluxo dele. Assim que você vê um traço branco, significa que é uma queda. Aí tento colocar na diagonal pra ter uma noção de tamanho. Marco o lugar e vou atrás."

Logo que encerramos de vez a sessão de wake na serra do Cipó, André, ainda na beira da cachoeira que Teca acabou de cruzar, diz: "Temos que agradecer que ninguém saiu machucado nesses dois dias". Nosso guia local, Jeferson Luis, escuta e emenda: "É, não precisamos buscar ninguém lá na Lapa do Urubu". E novos sorrisos nervosos surgem nos cantos das bocas.

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