por Natacha Cortêz

Esquenta Casa Tpm: ”Simone de Beauvoir tinha toda razão: aprende-se a ser mulher”

Laerte Coutinho, 60, é personagem que ilustra bem as intenções da Casa Tpm, evento promovido pela Tpm que pretende instigar o pensamento e discutir os assuntos que determinam, desenvolvem e enriquecem o universo feminino. Antes de qualquer coisa, é um inquieto, um questionador. Alguém que já se aventurou sem pudor por muitas vontades e nos trouxe, de diversas formas, “pano pra manga”. De Piratas do Tietê a Hugo Baracchini [seu alter-ego crossdresser], sua contribuição é sempre, no mínimo, instigante. Em sua mais intensa experiência, o cartunista desbanca qualquer protocolo para vestir-se, e investir-se, da forma feminina.

Convidado mais que esperado da Casa Tpm, nós adiantamos: ele vai te fazer sair diferente do evento. 

Aqui, conversamos com Laerte sobre suas novas aventuras pelo universo feminino.

Por incorporar símbolos do universo feminino, como o seu lado homem muda? Como ele reagiu a essas informações?
Laerte - Não sei se existe muito disso; lado homem e lado mulher. Quando pensamos em gêneros, não estamos falando em distritos. Eu não tenho exatamente um lado homem. Para essa experiência, eu fui inteiro, não fui como parte masculina ou feminina. Então não posso dizer o que sobrou de antes. É um desejo antes de mais nada. Uma experiência muito mais pelas possibilidades que necessidades. Adoto procedimentos, como me depilar, numa tentativa de diálogo, numa tentativa de explorar linguagens. Posso dizer que passei a me entender diferente com o processo. O fato de não ser biologicamente uma mulher, me leva a vivências inusitadas. Eu sei que mesmo com interferências cirurgicas eu não me tornaria uma mulher biológica. Na verdade essa pergunta tem mil respostas. Uma resposta por dia. É complexo. Não quero ser uma pessoa diferente da pessoa que eu sou. Esse é um desejo profundo que demorei muitos anos a descobrir e reconhecer. E penso: O que é uma mulher? Tenho sido levado a questionar isso. Uma de minhas conclusões é que Simone de Beauvoir tinha toda razão: aprende-se a ser mulher. 

"Penso: O que é uma mulher? Tenho sido levado a questionar isso. Uma de minhas conclusões é que Simone de Beauvoir tinha toda razão: aprende-se a ser mulher."

Passou a entender a mulher de uma forma diferente depois de se travestir?
Acho que sim. Eu tendia a conceber o masculino e o feminino como coisas consagradas. Hoje passei a compreender a mulher como uma coisa muito mais humana do que eu pensava. Sabe aquele livro Homens são de Marte e Mulherer são de Vênus? Esses tipos de representações não são mais que tolices. É parte do processo de fabricação de gênero. É um erro atribuir gênero como categoria científica, é algo cultural. A partir do momento que passei a me vestir de mulher, passei a ver o homem de forma diferente também. Penso numa revolução humana. Que em grande resumo o gênero será abolido.

E assim seria ideal?
Seria genial [risos]. É algo a ser buscado. Assim como as castas sociais, a elite e os comandados, a visão autoritária. Acho que é possível pensar e construir ações políticas pela abolição do gênero.

Tem vontade de fazer modificações cirúrgicas mais profundas, ou hormonais, como um implante de próteses de silicone, por exemplo?
Uma vontade sim, mas só vontade. Mas não faço por motivos pessoais. Tenho bode de intervenção cirúrgica. E não acho que seria interessante na minha idade. Porém, como eu tenho pensando a questão de gênero muito integrada no próprio modo de ser humano, tenho tido vontade de lidar com meu corpo de uma forma sem gêneros. Quero ter um corpo flexível e ágil porque me convém. Peitos seriam como experimentar uma roupa. 

"Tenho uma certa tranquilidade de mandar as pessoas a merda e me sentir mulher à minha vontade"

As roupas femininas são simbólicas pra você, então? 
Sim, sempre. Esse aspecto é fortíssimo. Mas acho que o que perseguimos vai muito além de roupas. Por exemplo, os modelos que homens transgêneros perseguem estão na mídia, mesmo não correspondendo a uma verdade biológica nem nada. Estamos fartos de ver meninas anoréxicas, estados de ansiedade; drama. E isso atinge a todos. Meu processo é tardio. Minha vida passou por muitas estações. Tenho uma certa tranquilidade de mandar as pessoas a merda e me sentir mulher à minha vontade. O padrao existe. Eu uso e todo mundo usa. Ser dominado por ele é um problema. Usar como referência, tudo bem.

 

Laerte Coutinho estará na Casa Tpm, que acontece dias 4 e 5 de agosto em São Paulo. Faça já sua inscrição

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