Falamos com a co-criadora do blog Mothern, que fala sobre os conflitos da maternidade moderna
Laura Guimarães Corrêa é uma especialista em maternidade. Pesquisadora e professora de Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais, ela teve seu trabalho reconhecido especialmente por estudar essa fase da vida da mulher.
Em 2002, ao lado de Juliana Sampaio, criou o blog Mothern (mothern + modern), espaço que usou para falar de todas as questões possíveis quando o assunto é ser mãe. O blog rendeu muitos frutos. Dentre eles, três livros foram publicados: Mothern - Manual da Mãe Moderna (Matrix, 2005), As 500 Melhores Coisas de Ser Mãe (Matrix, 2007) e Diário Mothern da Gravidez. (Matrix, 2009). Para coroar o projeto, um seriado, adaptação do livro e do blog, foi exibido no canal GNT entre os anos de 2006 e 2009. A série também foi apresentada em 144 países e foi finalista do prêmio Emmy International em 2007 e 2008 na categoria Drama.
Laura e Juliana ainda tiveram a coluna Motherns na seção Badulaque da Tpm, de 2002 a 2011.
Convidada da Casa Tpm – evento que acontece nos dias 4 e 5 de agosto, em São Paulo (saiba mais e inscreva-se aqui) - Laura conversou com a gente sobre o papel da mulher hoje e a relação com a maternidade. Um gostinho do que será debatido na casa.
Quais são as dores e alegrias de ser mulher hoje?
Laura - Penso que essa mulher de hoje na verdade são várias, de nacionalidades, classes sociais, vivências culturais muito diferentes. As dores e as alegrias variam muito aí. Falando de uma mulher de classe média urbana no Brasil, isto é, o meu caso, penso que uma das dores é a tal da conciliação que esperam de nós entre as várias esferas da vida pública e privada. É um país machista e que ainda considera, de modo geral, que as responsabilidades domésticas e de cuidado com as crianças é das mulheres. Taí a curtíssima licença paternidade pra ilustrar isso. E é um problema bem geral, atinge ricas e pobres, de formas diferentes. Uma outra dor é evidenciada na bandeira levantada na Marcha das Vadias: a mulher deve ter poder sobre o próprio corpo e não ser culpada por atos de agressão verbal, física e/ou sexual por usar certa roupa, estar sozinha em certos lugares etc. Ainda temos um longo caminho pela frente. Entre as delícias, gosto de pensar que a liberdade sexual conquistada há algumas décadas pelos movimentos feministas é uma delas. A maternidade é também uma delícia, na minha opinião: o prazer de lidar com um ser em formação, de ver uma criança crescendo, de poder ter a companhia de uma pessoa tão querida é ótimo, mesmo que não seja fácil!
"São feitas muitas gambiarras pra dar conta de um problema que não é só das mulheres, mas que é tratado como tal: o cuidado das crianças."
Com uma nova mulher, também surge uma nova mãe, diferente de outras gerações. Pra você, como é ser mãe hoje? O que você acha que muda da maternidade da época das nossas mães e avós para maternidade vivenciada hoje?
Acho que ser mãe não é – e nunca foi – tarefa fácil. A geração da minha mãe já viveu a maternidade de forma bem diferente daquela vivida pelas minhas avós. A geração de mulheres que teve crianças na década de 1960 e 1970 já teve que se dividir (na verdade, que se multiplicar) entre as responsabilidades do trabalho em casa e fora de casa. Não sem dilemas, conflitos e perdas. As mulheres sempre trabalharam muito, seja em casa ou fora. Hoje em dia, acho que o que muda é a distância, cada vez maior. Quem tem dinheiro, delega as funções de cuidado contratando outras mulheres: babás, empregadas, enfermeiras. Quem não tem condições ou não quer, conta às vezes com a ajuda da mãe (avó), da filha maiorzinha, da vizinha etc. São feitas muitas gambiarras pra dar conta de um problema que não é só das mulheres, mas que é tratado como tal: o cuidado das crianças. Então, nesse sentido, acho que a mudança não foi muito significativa, não. Ganhamos alguma autonomia, mas acumulamos responsabilidades. Como costumávamos falar no Mothern: "culpa, não!". É importante a gente saber que é impossível ser perfeita. Simplesmente não dá pra estar em todos os lugares ao mesmo tempo e fazer tudo com a dedicação e a competência que se espera e se cobra sempre das mulheres-mães.
Sabe aquela frase famosa, clichê até, que diz que deve-se pensar muito pra ter um filho? Na sociedade atual você acha que deve-se pensar mais ainda pra se ter um filho?
Tem uma outra frase-clichê que diz: quem pensa, não casa. A ideia é um pouco parecida. Quer dizer que, se calcularmos os gastos, as noites sem sono, as possíveis doencinhas, o compromisso de ser responsável por uma pessoa por muito tempo (talvez até pela vida toda), as preocupações, a diminuição da autonomia e da liberdade, a decisão mais racional é a de não ser mãe. Mas as decisões não são feitas só de razão. Acho que a decisão por procriar é principalmente emocional, por mais que se pense nisso. Tem uma feminista conhecida, a Elisabeth Badinter, que diz que, pensando bem, as pessoas não deviam estranhar quando uma mulher escolhe não ter filhos e sim o contrário: o estranho é escolher tê-los. Há pressões sociais e muitas mulheres se tormam mães porque acham que esse é o único caminho. Eu acredito bastante nessas pressões como fatores de convencimento das mulheres. Mas como disse o Vinicius de Moraes uma vez sobre filhos, "Melhor não tê-los! Mas se não os temos, como sabê-lo?"
"Se calcularmos os gastos, as noites sem sono, as possíveis doencinhas, o compromisso de ser responsável por uma pessoa por muito tempo (talvez até pela vida toda), as preocupações, a diminuição da autonomia e da liberdade, a decisão mais racional é a de não ser mãe. Mas as decisões não são feitas só de razão."
Em relação à Casa Tpm, qual é sua expectativa? Você acredita que é válido falar sobre questões como maternidade, emprego, decisão, expressão, estética; e até onde falar disso pode mudar algo?
Claro, acredito que é muito válido, essas questões são da maior importância! É nos debates, nas conversas, na troca de ideias que podemos pensar e repensar sobre a nossa experiência pessoal e sobre a vida das mulheres como um grande grupo social que somos. E pensar no que queremos pro futuro. O debate pode ser um forte motor de transformação.
Laura Guimarães Corrêa estará junto com Juliana Sampaio na Casa Tpm falando sobre maternidade. Faça já sua inscrição.