Maria Bopp, Vera Iaconneli, Monique Evelle e Milly Lacombe conversam sobre infoxicação e refletem como ter uma relação mais saudável com a informação
A era digital trouxe consigo um acesso praticamente ilimitado às informações. Se antes as notícias chegavam principalmente por meio de jornais impressos, hoje acontecimentos ao redor do mundo são postados na internet em tempo real. Com a chegada da pandemia do novo coronavírus, a infoxicação, termo criado pelo físico espanhol Alfons Cornellá para classificar a intoxicação por excesso de informação, se tornou ainda mais intensa. Tensão, estresse, medo e ansiedade são algumas das consequências desse problema. Esse foi um dos debates da (em)Casa Tpm na mesa mediada pela empreendedora Monique Evelle com participação da atriz Maria Bopp, da jornalista Milly Lacombe e da psicanalista Vera Iaconelli.
Milly conta que, logo no início da pandemia, passou por essa experiência: "Eu comecei a hiperventilar toda vez que entrava no noticiário. Foi bem difícil, tive que me afastar um pouco". Esse cenário se torna ainda mais complexo para quem trabalha com internet. Maria Bopp lembra que se sentia angustiada não só com as notícias sobre o coronavírus, mas também com as que tratavam da política brasileira, informações essenciais para construir o roteiro da "Blogueirinha do Fim do Mundo", personagem que vive no Instagram. No quadro, ela faz uma sátira das blogueiras das redes sociais com críticas ao presidente Jair Bolsonaro. "Tenho que consumir muita notícia para fazer esse paralelo. Então preciso acompanhar o que ele fala, e isso é tristíssimo", diz. Para acalmar os ânimos, ela fez um detox de 15 anos, desinstalando os aplicativos do celular e dando uma pausa na personagem.
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"Estamos enclausurados em casa e, ao mesmo tempo, invadidos por um excesso de informações. O fato de se sentir impotente é o que causa mais angústia", diz Vera Iaconelli. A psicanalista afirma que a infoxicação vem deixando há algum tempo as pessoas mais deprimidas e ansiosas, fatores que podem explicar o maior consumo de álcool e drogas durante a pandemia. Para Monique, é preciso não perder de vista que, por mais que o acesso à informação seja ilimitado, nosso tempo não é. "A gente precisa de momentos de fuga, como a terapia. Existe uma linha muito tênue entre produzir conteúdo para a internet e ficarmos adoecidas", afirma.
Por ser jornalista, Milly acreditava que devia acompanhar tudo o que estava acontecendo no mundo a todo minuto. "Depois de um tempo, entendi que tinha uma certa prepotência em achar que devia acompanhar tudo, como se pudesse fazer alguma coisa determinante", conta. "Comecei a pensar no modo de vida que exercemos, abusando da natureza e de outras espécies, e nas relações de produção que a gente inventou, fatores que fizeram nascer o vírus."
Se afastar das notícias também pode trazer outros sentimentos. Ao se desligar um pouco das redes, Maria Bopp sentiu medo e culpa por estar, em algum nível, se alienando. No entanto, ela entendeu que essa decisão era importante para que pudesse ajudar os outros. "É como a máscara de oxigênio no avião, temos que colocar a nossa antes para depois poder encaixar nos outros. Se você está com a saúde mental desequilibrada, não é possível ajudar ninguém", diz. Monique completou: "É importante estarmos vivas, inclusive para continuarmos em movimento e fazer o que a gente faz."
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Ser uma mulher negra também complexifica a quantidade de informações durante o isolamento, já que, após o assassinato de George Floyd, o debate sobre racismo se intensificou. "Eu entendo que eu só sou útil e funcional se estiver bem", disse Monique Evelle. "Preciso pausar para me cuidar, mas a sociedade não quer que eu pare. Em um dia é George Floyd e na mesma semana teve João Pedro e Miguel". A empreendedora sempre tenta se lembrar que é na coletividade que se transforma as coisas, e que não pode fazer de sua luta um fardo.
Uma das coisas que tem ajudado Vera Iaconelli a passar por esse período é ler o jornal pela manhã, onde as notícias são mais discutidas. "Eu evito jornais noturnos porque eles me deixam muito impotente. Eu vejo aquela enxurrada de informações e vou dormir ansiosíssima", conta. Para a psicanalista, as pessoas voltaram a querer saber das raízes dos acontecimentos, ter uma perspectiva histórica, uma forma de estar informado distantes das notícias quentes e desagradáveis.
As fake news também se intensificaram com a chegada da pandemia. Covas vazias e chás milagrosos foram algumas das milhares de notícias falsas que apareceram nas redes sociais. "Querer o direito de se alienar pode abrir um precedente para as pessoas acabarem se informando com notícias que são convenientes, como por correntes de WhatsApp" diz Maria Bopp. "É importante entender que as notícias não vão estar sempre em concordância com você." Vera também aponta que os exercícios para combater as fake news, como aprender a procurar fontes e avaliar notícias, é um trabalho educativo. "As crianças têm que aprender desde pequenas a consumir informação. E nós, mais velhos, temos que aprender a usar a virtualidade. Ela foi criada como um bem de consumo, não um bem da humanidade."
Maria também pontuou que não é só de fatores negativos que é composto o ambiente digital. "Eu construí muito da minha consciência política nas redes sociais. Tenho consciência dos riscos da internet, mas eu sou muito grata a ela por isso", diz. Vera complementa: "A virtualidade é uma coisa maravilhosa, o problema é que ela é muito potente, e, se não usarmos com cuidado, se vira contra nós."
Ao ser questionada sobre o futuro, Milly Lacombe vê otimista: "Um outro mundo é possível, mas vai ter que ter uma energia feminina prevalecendo. O que talvez a gente esteja vendo é uma energia muito tóxica masculina morrendo, machos que esperneiam, saem sem máscara, esse é o último grito deles." A jornalista também acredita que, se o vírus serviu para algo, foi para reforçar a importância de se preocupar com o coletivo. "A saúde da mulher que mora na periferia me afeta, e eu preciso me preocupar com ela. É importante olharmos para o outro como parte de nós", afirma.
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