Goldman: ”Não há como defender quem saqueia ou destroi mas há algo mais por trás disso”
Como entrego minhas colunas para a redação da Trip um mês antes da publicação, procuro não escrever sobre a atualidade imediata, pois o mundo está correndo numa velocidade absurda. O que faz sentido hoje pode, em 30 dias, perder totalmente seu significado.
Abro exceção para falar dos recentes motins aqui em Londres, na convicção de que o tema vai, ainda por muito tempo, ocupar as manchetes dos jornais e a cabeça das pessoas. Não sei quando nem como, mas acho que os incêndios iniciados aqui vão se alastrar e repercutir no mundo inteiro.
O mauricinho David Cameron, o cínico e leviano primeiro-ministro britânico, por conveniência se limita a tratar a questão como um simples caso de polícia, como se não fosse, principalmente, um caso de política. Segundo ele, os amotinados não são nada mais do que meros delinquentes. Como se delinquente, antes de mais nada, não fosse quem gastou dinheiro público para resgatar banqueiros incompetentes e gananciosos – banqueiros que, aliás, continuam ganhando impunemente salários milionários. Quem está pagando a conta são os setores mais carentes e vulneráveis da sociedade. Vamos apertar o cinto despedindo enfermeiros de hospitais públicos e professores, cortando aposentadorias de velhinhos e fechando bibliotecas. Quem são os grandes delinquentes dessa história?
Líder Mauricinho
Não tem como defender quem saqueou lojas de pequenos comerciantes e tocou fogo na casa dos vizinhos num momento em que a mais básica distinção entre o bem e o mal foi esquecida. Mas não podemos ignorar que em Tottenham, o bairro onde a revolta começou, um a cada cinco jovens está desempregado. Entre os jovens negros o índice é de 50%.
Como disse um amotinado às câmeras do BBC, quando as massas se revoltam no mundo árabe, o mesmo David Cameron os encoraja, os financia e os arma – mal sabem os rebeldes na Síria e na Líbia que a democracia proposta pelo mauricinho é um cálice envenenado, mais uma desculpa para vender armas e zelar por interesses de grandes corporações.
Termino meu presságio citando um artigo que Naomi Klein escreveu para o jornal The Guardian: “Quando roubam-se as pessoas do pouco que possuem para proteger os interesses de quem possui mais do que qualquer um merece, deve-se contar com uma resistência – seja ela organizada em forma de protestos ou simples motins. E isso não é uma questão política. É uma questão física”.
*HENRIQUE GOLDMAN, 48, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br