por Diogo Rodriguez

Fechar Guantánamo não resolve o problema, diz Joseph Margulies, advogado de prisioneiros

Recentemente, o governo americano tornou público um relatório da CIA (Central de Inteligência Americana) no qual são detalhados procedimentos de interrogação de prisioneiros suspeitos de terrorismo. O documento mostrou que estão sendo usados métodos de tortura física e psicólogica para obter informações dos detentos nas bases militares americanas de Guantánamo (em Cuba) e Bagram (no Afeganistão), entre outras prisões que a CIA mantém pelo mundo. Afogamentos, ameaças a familiares dos prisioneiros, armas de fogo e até furadeiras foram descritos como meios de interrogar e ameaçar os presos. Mais grave ainda é o fato de que essas pessoas estão sendo mantidas em cárcere sem acusações formais nem direito a julgamento.

Na mesma semana em que a prática de tortura da CIA foi tornada pública, o advogado americano Joseph Margulies passava pelo Brasil para dar uma série de palestras sobre sua experiência defendendo prisioneiros em Guantánamo. Professor da Northwestern University, em Chicago, Margulies falou com a Trip sobre seu trabalho, o governo Obama e disse que fechar o presídio em Guantánamo não implica o fim das prisões arbitrárias.

Quantos prisioneiros são seus clientes?
Agora represento um homem. Ele foi preso pela CIA em 2002, foi severamente torturado e levado para Guantánamo em setembro de 2006.  Ele nasceu na Árabia Saudita, mas ele é palestino, portanto, ele é apátrida, como todos os palestinos.

Como é possível manter prisões com pessoas que nem acusadas foram?
O que está acontecendo em Bagram é o mesmo que acontece em Guantánamo. Lá, as pessoas estão questionando a legalidade das prisões e administração Obama está usando os mesmos argumentos que a administração Bush usava para Guantánamo. Isso acontece porque as leis levam um longo tempo para penetrar. No caso do estatuto de detenção preventiva, Obama vai propor isso no outono [primavera, no Brasil], e esse Congresso, que é fundamentalmente conservador e quer mostrar que é duro em relação ao terrorismo, vai aprová-lo e a detenção preventiva será autorizada. Isso também será questionado na justiça, mas demora anos para que sejam esses casos sejam apreciados. No meio tempo, teremos detenção preventiva nos Estados Unidos. É assim que acontece.

O que mudou de Bush para Obama no que diz respeito a Guantánamo? Houve mudanças de fato?

Claro. É errado dizer que nada mudou. Ele [Obama] fez melhorias e mudanças modestas nas práticas de detenção, interrogatório, rendição extraordinária, e nas condições dos militares. Seria injusto dizer que isso é insignificante. São gestos simbólicos que são muito significativos, mas a idéia que ele tenha mudado fundamentalmente o que o ex-presidente Bush construiu é um erro. Bush deixou uma forma e Obama se posicionou mais ou menos na mesma forma, ele não seguiu uma direção distinta. Ninguém se posiciona exatamente da mesma maneira de seu predecessor. Sua ligação retórica aos valores da democracia americana é mais genuína do que quando Bush se posicionou a esse respeito. O que está sendo feito não significa uma mudança dramática, de maneira alguma.

"Preocupa-me muito que ele [Obama] vá fechar Guantánamo e criar outra na base área de Bagram [no Afeganistão], onde pessoas estão presas sem acusação ou julgamento.

Então, estamos longe de ver o fechamento da prisão de Guantánamo?
Não, não é isso. Acho que eles [o governo Obama] vão fechar Guantánamo. Mas, o que Guantánamo representa? Ela representa um lugar onde se mantém pessoas sem acusação, sem julgamento, e sem a oportunidade de desafiar a legalidade da prisão. Se Guantanamo representa um tipo de detenção, então o importante é como você prende as pessoas, não onde. Preocupa-me muito que ele vá fechar Guantánamo e criar outra na base área de Bagram (no Afeganistão), onde pessoas estão presas sem acusação ou julgamento. E ele criará um estatuto de detenção preventiva que permitirá que se mantenha pessoas nessa situação nos Estado Unidos. Isso é uma recriação de Guantánamo em outros lugares. A questão não é quanto ela vai durar, mas o quanto vai durar o que ela representa. O que é pior, pessoas como você e outros observadores informados pensam que o problema é Guantánamo. Eles pensam que o problema será resolvido se ela for fechada, sem perceber que o problema é a maneira como se detém, e não o local onde se faz isso.

Qual é a diferença do seu trabalho para o de um advogado comum?
Muitas pessoas me elogiam muito, são muito gentis por causa do que faço. Eles acham que é algo nobre. E eu faço isso desde novembro de 2001. Estive envolvido primeiro em litígios sobre Guantánamo, depois em outros. Faz quase oito anos, nem acredito que já faz tanto tempo. Eu não acho que haja nada de especial a respeito disso. Tenho a oportunidade de fazer isso porque meu empregador (o MacArthur Justice Center) me paga para isso, e eu posso fazer o que as pessoas gostariam de poder fazer. O trabalho traz certas dificuldades. De vez em quando eu recebo e-mails de pessoas que ficam bravas, pessoas que veem meu nome no jornal, que me acusam de ser um mau americano ou um mau judeu, idiota, de não ser sensível à realidade do mundo pós 11 de setembro, até coisas piores. Mas isso é uma coisa menor. Minhas condições não são difíceis. As pessoas querem fazer parecer que é heroico, e não é. Trabalho com questões muito atuais. O negócio é o seguinte: na sociedade americana acontece periodicamente - talvez aconteça no Brasil também - de o governo voltar sua atenção a uma classe de pessoas e demonizá-la. E os reduz a algo que não é humano, tenta impedir que ela tenha voz na sociedade civil. Impede que tenham humanidade. A coisa mais honrada que um advogado pode fazer é devolver a humanidade a uma pessoa dessas. Não posso reclamar de ter recebido o privilégio de fazer um trabalho honrado. Eu tive esse privilégio durante toda a minha carreira. Chamo a isso de dar voz aos que não têm voz. Eu falo por quem não pode falar. Ou por quem pode falar, mas que ninguém escuta. Não posso reclamar das condições em que trabalho. Em outros países, as pessoas podem acabar processadas, presas ou mortas por fazer o que faço. Eu não preciso me preocupar com essas coisas. Eu tenho uma vida fácil.

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